Edição 321 | 15 Março 2010

Saneamento básico e distribuição de renda andam juntos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Graziela Wolfart

Dieter Wartchow aponta como desafios reconhecer que os serviços essenciais de saneamento básico se constituem um direito e entender que as ações de saneamento básico devem estar acima dos interesses corporativos e políticos

Na visão do professor Dieter Wartchow, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, programas de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, tratam tudo de forma fragmentada, ou seja, “habitação de um lado, saneamento e planejamento da ocupação do solo urbano de outro”. Em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Wartchow defende que “saneamento começa na habitação, que abriga as pessoas, que com seus hábitos usarão a água conforme seu grau de compreensão. Quando não dão valor, desperdiçam, geram esgotos, deixando de separar os resíduos, e a água da chuva escoa pelo ralo da insensatez humana que muito fala, mas pouco usa tecnologias sustentáveis”. Para ele, “reconhecer que a gestão da água deve ser pública e permanecer em mãos públicas é um bom caminho para um modelo de gestão pública eficaz, de qualidade e para todos, cujo controle social desejado e necessário se dá a partir da efetiva participação dos usuários”. E continua: “um modelo próximo do ideal deve buscar empreender o ciclo do uso da água de forma integrada com as políticas públicas de meio ambiente, além de entender que a água é um direito humano e da vida”. Contrário à privatização da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário ou os recursos hídricos, Dieter Wartchow argumenta que “saneamento para todos se faz distribuindo renda e empreendendo subsídios cruzados, o que seguramente não é tarefa do setor privado que visa ao lucro”.

Dieter Wartchow possui graduação em Engenharia e mestrado em Hidrologia Sanitária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutorado em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Stuttgart, Alemanha. Atualmente, é professor no Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH, da UFRGS. É autor de Água Para Todos - Rompendo o Paradigma da Ineficiência do Setor Público (Porto Alegre: Publicação Independente, 2003).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais os maiores desafios no Rio Grande do Sul e no Brasil na área de saneamento básico hoje?

Dieter Wartchow - Reconhecer que os serviços essenciais de saneamento básico se constituem um direito e entender que as ações de saneamento básico devem estar acima dos interesses corporativos e políticos. Depois da década perdida e da década do estado mínimo, o Brasil necessita de linhas de financiamento continuadas e da aplicação de recursos não onerosos. Devemos entender que a ação preventiva e seus benefícios se sobrepõem a qualquer ação curativa. Tecnologicamente, talvez o maior desafio seja a elaboração dos planos municipais de saneamento por parte dos municípios brasileiros e a instalação de inteligência do saber fazer no setor público.

IHU On-Line - O que podemos entender por saneamento ambiental?

Dieter Wartchow - O conceito de saneamento ambiental é mais amplo do que o conceito de saneamento básico, pois considera ações de cunho social, ambiental e econômicas com o objetivo de alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental e cidades saudáveis. Compreende o abastecimento de água em quantidade e dentro dos padrões de potabilidade vigentes, o manejo de esgotos sanitários, de águas pluviais, de resíduos sólidos e emissões atmosféricas, o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças, a promoção sanitária e o controle ambiental do uso e ocupação do solo e prevenção e controle do excesso de ruídos, dentre outros.

IHU On-Line - Como a questão do saneamento e do aproveitamento/tratamento de água é levada em conta em programas do governo federal, como o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo?

Dieter Wartchow - De forma fragmentada, habitação de um lado, saneamento e planejamento da ocupação do solo urbano de outro. Saneamento começa na habitação, que abriga as pessoas, que com seus hábitos usarão a água conforme seu grau de compreensão. Quando não dão valor, desperdiçam, geram esgotos, deixando de separar os resíduos, e a água de chuva escoa pelo ralo da insensatez humana que muito fala, mas pouco usa tecnologias sustentáveis.

IHU On-Line - Qual o senhor apontaria como modelo ideal de gestão pública de água? O que deveria fazer parte este modelo?

Dieter Wartchow - Não existe um modelo ideal, considerando a diversidade na forma de pensar do ser humano. Reconhecer que a gestão da água deve ser pública e permanecer em mãos públicas é um bom caminho para um modelo de gestão pública eficaz, de qualidade e para todos, cujo controle social desejado e necessário se dá a partir da efetiva participação dos usuários. Um modelo próximo do ideal deve buscar empreender o ciclo do uso da água de forma integrada com as políticas públicas de meio ambiente, além de entender que a água é um direito humano e da vida.

IHU On-Line - Qual sua opinião sobre a privatização da água?

Dieter Wartchow - Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), empreender parcerias público-privadas (PPPs) ou formas de privatização da água não trouxe melhorias no saneamento básico para as populações mais pobres. O Estado não pode abrir mão de suas responsabilidades, portanto, privatizar a prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário ou os recursos hídricos significa cometer um delito social, pois coloca um direito humano e da vida nas mãos de mercadores de ilusão. Privatizar ou promover a gestão dos serviços por meio de um parceiro estratégico privado é uma demonstração de que o Estado nada sabe sobre o saneamento e sua relação intrínseca com as políticas de saúde, meio ambiente e o próprio desenvolvimento sustentável. Saneamento para todos se faz distribuindo renda e empreendendo subsídios cruzados, o que seguramente não é tarefa do setor privado que visa ao lucro.

IHU On-Line - Como a questão do tratamento de esgotos se relaciona com a questão energética?

Dieter Wartchow - As tecnologias para o tratamento de esgotos podem ser consideradas consumidoras (energívoras) ou produtoras de energia. A eficientização energética dos processos utilizados para o tratamento de esgotos não tem o devido reconhecimento da sua importância no contexto da utilização de Tecnologias Limpas e Ecoeficientes. Considerando o baixo percentual de tratamento dos esgotos no Brasil, recomendaria uma pesquisa visando adequar os processos de tratamento ao seu potencial de geração de energia ou desenvolver fontes de produção de energia limpa nas estações de tratamento de esgoto para tornar seu ciclo mais eficiente energeticamente.

IHU On-Line - Como o senhor avalia o tratamento realizado na água para consumo humano no Rio Grande do Sul? Não é contraditório pagarmos pelo tratamento da água e termos que comprar água engarrafada para beber (mineral, por exemplo)?

Dieter Wartchow - A maioria das estações e processos para o tratamento de água para consumo humano é do tipo convencional e pode-se afirmar que, no Rio Grande do Sul, existe um bom controle do padrão de qualidade, atendendo ao padrão de potabilidade estabelecido pela Portaria do Ministério da Saúde número 518. Contudo, em determinados períodos e dadas as condições hidrológicas dos mananciais de água bruta, problemas com gosto, odor e sabor na água distribuída à população através dos sistemas de abastecimento de água são perceptíveis e possíveis. Novas tecnologias para o tratamento de água, como a ozonização utilizada em países que adotam sistemas avançados, já poderiam estar sendo realizadas, considerando, por exemplo, a remoção de substâncias orgânicas de difícil detecção laboratorial. A difamação da qualidade da água distribuída à população, que é boa, tem sido uma prática constante de empresas que comercializam equipamentos portáteis para o tratamento de água e os fabricantes de água mineral. Quem garante que a água mineral que utiliza embalagens de PVC é segura? Além disso, existem águas minerais que são fabricadas a partir da água de torneira, e outras que não atenderiam ao padrão de potabilidade.

IHU On-Line - De que forma a participação popular pode contribuir para a melhora na questão do saneamento e no melhor aproveitamento da água?

Dieter Wartchow – Lamentavelmente, a participação popular ainda é uma concessão dos governantes. Além do que, ela ainda não possui o voluntarismo necessário, e precisa ser incentivada. Como ainda não está instituída nos valores básicos da sociedade, apesar de fazer parte do discurso ou das recomendações de lei, devemos, num primeiro momento, educar as pessoas para desenvolver nelas o senso crítico necessário para passar da indiferença, para a tomada de posição e participação. Educando as pessoas, poderemos ensiná-las a aproveitar melhor a água e dar-lhe o valor que a água merece.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição