Edição 320 | 21 Dezembro 2009

A Igreja Católica na América Latina e as contradições do continente

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Moisés Sbardelotto | Tradução Moisés Sbardelotto

Como comunidade de crentes, a Igreja Católica congrega tanto os que lutam e se comprometem com a justiça quanto aqueles que mantêm fortes laços com o poder dominante, critica Washington Uranga

A partir da realidade latino-americana, o jornalista uruguaio e professor da Universidade de Buenos Aires, Washington Uranga, analisa a relação da Igreja com as contrariedades do continente. Por e-mail, Uranga afirma à IHU On-Line que existe uma grande separação entre a vida eclesial na região e o ideal de Igreja proposto por Roma face ao mundo contemporâneo. “O Vaticano mantém um olhar 'romanocêntrico' sobre o mundo. Não se trata apenas de uma 'mentalidade europeia'. Na realidade, é um olhar a partir do mundo do poder”, resume.

Washington Uranga, nascido em Montevidéu, no Uruguai, é jornalista, docente e pesquisador na área da Comunicação. Dirige a pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e exerce a docência tanto na graduação como na pós-graduação em Comunicação nas Universidades de Buenos Aires, La Plata, Catamarca, Cuyo, Patagonia Austral e Comahue (Argentina) e Andina Simón Bolívar (Bolívia).

É, também, colunista do jornal Página/12 e assessor do Ministro de Desenvolvimento Social da Argentina. Além de suas atividades como comunicador e pesquisador, também tem uma atividade crítica intensa como membro da Igreja Católica. É também coordenador acadêmico do Mutirão Latino-Americano de Comunicação, que irá ocorrer entre os dias 03 e 07 de fevereiro de 2010.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Prestes a completar cinco anos, como o senhor avalia o pontificado de Bento XVI? Que perspectivas seu papado abre para o futuro da Igreja no século XXI?

Washington Uranga – Bento XVI tem sido coerente com sua tradição conservadora. Por isso, suas preocupações centrais são mais próximas das questões doutrinais do que da relação entre a Igreja e o mundo, características do Vaticano II. O papado de Bento XVI está chamado a ser um papado de transição, que não deixará contribuições transcendentes ao catolicismo.

IHU On-Line – Embora as grandes manchetes sobre a Igreja em 2009 geralmente fizeram referência a fatos ocorridos na Europa ou nos EUA, sabemos que a Igreja tem uma forte presença na vida da América Latina. Como o senhor vê a atuação da Igreja na realidade latino-americana hoje? Em sua opinião, quais são suas grandes tendências nesta região nos últimos anos?

Washington Uranga – A Igreja Católica tem uma forte inserção na vida da América Latina. Mas, ao mesmo tempo, está atravessada pelas contradições deste continente. Ela mesma, como comunidade de crentes, vive essa contradição. Abriga, em seu seio, aqueles que lutam e se comprometem com a justiça e junto aos mais pobres, e aqueles que mantêm fortes laços com o poder dominante.

Eu não poderia falar de uma tendência. Ambas as realidades existem. Há uma tradição cimentada nas comunidades eclesiais de base e um pensamento teológico libertador que busca ser fiel ao Evangelho a partir dos mais pobres. Mas também existem católicos que usam a religião para reafirmar os laços opressores.

IHU On-Line – O secularismo também é uma preocupação para a Igreja latino-americana ou é um fenômeno restrito à Europa?

Washington Uranga – O secularismo não deveria ser um problema para uma Igreja Católica disposta a conviver e a anunciar a mensagem de Jesus em meio da diversidade. Certamente, não é uma preocupação dos cristãos latino-americanos, apesar do fato de Roma insistir em converter a questão em um assunto supostamente “universal”.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a postura da Igreja diante dos problemas mundiais? Pode-se falar em uma “mentalidade europeia”?

Washington Uranga – O Vaticano mantém um olhar “romanocêntrico” sobre o mundo. Não se trata apenas de uma “mentalidade europeia”. Na realidade, é um olhar a partir do mundo do poder. Quando se alude aos pobres em Roma, faz-se isso quase solicitando benevolência aos ricos e, poucas vezes, exigindo mudanças estruturais que restaurem a justiça perdida.

IHU On-Line – A partir da publicação da encíclica “Caritas in veritate” e outras declarações da hierarquia da Igreja sobre questões sociais, os pobres ainda são, concretamente, uma “opção preferencial” da Igreja no século XXI?

Washington Uranga – A opção pelos pobres é um mandato evangélico. A “Caritas in veritate” não agrega nada substancial em função dessa opção no mundo contemporâneo. Mas, como disse, a Igreja na América Latina está atravessada pelas suas contradições. De todos os modos, é uma força muito importante na reivindicação da justiça e dos direitos dos pobres. Mas essa não deveria ser uma tarefa exclusiva dos católicos. É preciso trabalhar com abertura ecumênica e gerando alianças com atores sociais diversos que também estão comprometidos na luta pela justiça e pelos direitos humanos e sociais.

IHU On-Line – Apesar de apresentar mudanças, a América Latina continua sendo uma região majoritariamente católica. Mas o avanço neopentecostal continua forte, especialmente no Brasil. Em sua opinião, quais são os grandes desafios que a Igreja latino-americana tem para o seu futuro?

Washington Uranga – O grande desafio é estar perto das pessoas, particularmente dos pobres. A missão, longe de restaurar certas formas de catolicismo tradicional, consiste na escuta e no acompanhamento, na cercania à vida cotidiana das pessoas mais sofredoras. E em estar atentos aos atores emergentes, os povos originários e os jovens. E a novas questões: o meio ambiente, a qualidade de vida, a comunicação.

IHU On-Line – A Igreja da América Latina nasceu em um contexto de luta social e de defesa dos direitos, como demonstram as grandes missões jesuíticas. Como podemos reler essa nossa história de fé para nos projetar ao futuro?

Washington Uranga – É preciso reler a história, aprender dela. Mas é preciso descobrir, no presente e no futuro, novos modos de compromisso. O horizonte sempre é o mesmo: a luta pela justiça, pela verdade e pela paz junto aos mais pobres e excluídos.

Leia mais...

Washington Uranga já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Elas estão disponíveis na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br)

* A concentração da propriedade e os excluídos da comunicação. Notícias do Dia 27-04-2009; 

* A reabertura do caso Angelelli, bispo assassinado pela ditadura militar argentina. Notícias do Dia 04-08-2008;

* O que é fazer política? Novas reflexões sobre a crise política argentina. Notícias do Dia 01-08-2008;

* Info-ricos e info-pobres: desigualdade midiatizada. IHU On-Line número 319, de 14-12-2009.

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