Edição 318 | 07 Dezembro 2009

Uma grande mudança de paradigma com a internet

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Graziela Wolfart

Para Marcelo Branco, estamos passando por uma transformação muito profunda da forma como se distribui e se armazenam os conteúdos culturais.

Na entrevista exclusiva que concedeu, por telefone, para a IHU On-Line, Marcelo Branco identifica, no cenário atual, com a Internet, “uma grande mudança de paradigma, e não podemos aceitar o enquadramento da política de direitos autorais encima de um modelo antigo que não existe mais”. Ele considera que “o importante é que os autores sejam respeitados no seu direito autoral e, no entanto, como os produtos na Internet são imateriais, eles não podem se valer das regras da propriedade intelectual do século XVIII e XIX. É um conceito novo, que não é fácil de ser aceito por setores conservadores que se criaram em torno do direito de propriedade dos séculos passados. Mas lutar contra a tecnologia não é uma boa estratégia”. Na opinião de Marcelo, “o conhecimento e a inovação hoje estão distribuídos na Internet, não estão mais nas empresas e organizações”. Ele percebe que o conceito de “propriedade intelectual” está seriamente abalado pelo cenário das tecnologias digitais. “Não estou dizendo que o mundo da Internet e das sociedades em redes necessariamente é um mundo melhor ou mais democrático. As disputas que fizemos nos momentos anteriores da história, por liberdade, por direitos, são disputas que devemos continuar fazendo no cenário da Internet, senão podemos ter um ambiente tecnológico fantástico e uma sociedade muito mais controlada e com muito menos liberdade do que no passado”.
 
Marcelo D'Elia Branco é diretor do Campus Party Brasil. Consultor para sociedade da informação, Marcelo é coordenador do projeto Software Livre Brasil, e também ocupa o cargo de professor honorário da Cevatec, além de ser membro do Conselho científico do programa internacional de estudos superiores em software livre na Universidade Aberta de Catalunha. Seu blog pessoal é http://wiki.softwarelivre.org/bin/view/Blogs/MarceloBranco

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que deveria fazer parte de um modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos, onde a cultura e a informação sejam realmente livres e o acesso a elas possa ser garantido como direito humano fundamental?

Marcelo Branco – Estamos passando por uma transformação muito profunda da forma como se distribuem e se armazenam os conteúdos culturais. No período da era industrial, a revolução tecnológica dos séculos XVIII e XIX, essas obras, para que chegassem ao grande público, tinham que necessariamente passar pelo processo industrial. Isto é, a partir de uma extração de matéria-prima e de um processo fabril, literalmente, que prensava o Cd e o vinil, ou uma editora que imprimia o livro, esse produto chegava até o público por meio de uma pesada logística de distribuição. Ele tinha que viajar de avião ou de caminhão para chegar até as lojas e, a partir disso, chegar até o público. Esse processo era caro, então tinha que remunerar, na cadeia produtiva, vários componentes: o criador, o produtor e o intermediário, que é quem fazia a cópia e a distribuição. Essa indústria se tornou poderosa no século XX: as grandes editoras, a indústria fonográfica, a indústria da cópia e distribuição do cinema etc. O que acontece nesse momento da revolução digital é que esse processo mudou totalmente. A cadeia produtiva não tem mais o processo industrial, não tem mais a pesada logística de distribuição. Porque uma obra cultural digital é armazenada em qualquer dispositivo digital e essa obra cultural chega até o público por meio do ambiente tecnológico da Internet. Não existe mais a indústria que intermedia a criação entre o criador e o público. O resultado disso é que a obra cultural pode ser infinitamente mais barata, e o autor/criador ser melhor remunerado. Então as obras precisam ser protegidas por outros direitos, não mais os direitos autorais da época da indústria. Agora existem muito mais possibilidades dessas obras culturais serem distribuídas livremente através da Internet, com o direito autoral protegido para que não haja plágio ou violação das obras sem autorização do autor, mas, obviamente, o custo desta obra para o público pode ser zero ou muito próximo de zero. Temos aqui uma grande mudança de paradigma, e não podemos aceitar o enquadramento da política de direitos autorais encima de um modelo antigo que não existe mais.

IHU On-Line - Em que medida a tecnologia permite hoje que os governos sejam mais democráticos, com mais transparência, e que haja uma aproximação maior entre os cidadãos e o sistema político?

Marcelo Branco – Estamos vivendo essa revolução que falei anteriormente. Pela primeira vez, a base tecnológica do governo, dos veículos de comunicação, e do público é a mesma. Eles têm disponível a mesma base tecnológica. No período anterior, da era industrial, as empresas de comunicação tinham um potencial tecnológico, que é a TV, a rádio e o jornal de massa. E o público tinha possibilidades infinitamente inferiores de se comunicar com esses veículos, que tinham uma potência e uma base tecnológica muito diferente da do público. Da mesma forma o governo, que tinha mecanismos de divulgar suas políticas, e o público votava de quatro em quatro anos ou algumas vezes participava de orçamentos participativos etc. Com a revolução tecnológica da Internet, pela primeira vez, o público pode fazer um blog da mesma forma que o Planalto faz seu blog. Temos aqui uma relação mais horizontal. Com isso, o governo terá que ouvir e usar as redes sociais nos ambientes tecnológicos não só para mandar informações, como era feito no passado. Nesse novo período, os governos devem se abrir para receber sugestões de quais políticas devem implementar e o que deve aparecer nas leis que estão elaborando. Isso muda o conceito de governo.

IHU On-Line - Com a Internet, o que muda em relação ao conceito de propriedade?

Marcelo Branco – Acho que não muda o conceito de propriedade, mas a sua forma. Estamos falando na Internet de bens imateriais, de conhecimentos, de ideias, de cultura. Não estamos mais falando de propriedade física. Então, a propriedade intelectual no cenário da Internet é um tema muito discutido no mundo inteiro. Por um lado, temos os conservadores que querem manter a estrutura para um cenário novo, e, por outro lado, há várias organizações e empresas globais que pensam que o conceito de propriedade intelectual atrapalha seus negócios. A ideia da empresa aberta é um conceito novo no mundo capitalista. As empresas têm necessidade de abrir a sua propriedade para que a inovação gerada pela Internet possa agregar valor à empresa. O importante é que os autores sejam respeitados no seu direito autoral e, no entanto, como os produtos na Internet são imateriais, eles não podem se valer das regras da propriedade intelectual do século XVIII e XIX. É um conceito novo, que não é fácil de ser aceito por setores conservadores que se criaram em torno do direito de propriedade dos séculos passados. Mas lutar contra a tecnologia não é uma boa estratégia. O conhecimento e a inovação hoje estão distribuídos na Internet, não estão mais nas empresas e organizações. E é claro que o conceito de “propriedade intelectual” está seriamente abalado pelo cenário das tecnologias digitais. Não estou dizendo que o mundo da Internet e das sociedades em redes necessariamente é um mundo melhor ou mais democrático. As disputas que fizemos nos momentos anteriores da história, por liberdade, por direitos, são disputas que devemos continuar fazendo no cenário da Internet, senão podemos ter um ambiente tecnológico fantástico e uma sociedade muito mais controlada e com muito menos liberdade do que no passado.  

IHU On-Line - Como funciona o Creative Commons? Quais são seus usos, sua função social e seus impactos econômicos e culturais?

Marcelo Branco – O conceito de copyleft foi o que levou à criação das licenças Creative Commons. Esse conceito de “esquerda da cópia”, ou de esquerda autoral, foi criado nos anos 1980 por Richard Stallman , e é o conceito da licença livre, do software livre, do sistema GNU Linux. Ele defende que se pode copiar livremente, distribuir, modificar a obra original e transformá-la numa derivada, desde que, se foi usada uma obra protegida pela licença livre, tem que desenvolver a obra derivada protegida pela mesma licença. Isso gerou uma inovação nunca antes vista no cenário tecnológico. Os produtos tecnológicos produzidos por licenças livres evoluem muito mais rápido do que os produtos com reserva de propriedade privada e fechados sob o ponto de vista do seu ambiente tecnológico. As licenças Creative Commons  podem estabelecer o direito de cópia, o direito de modificar a cópia original e o direito de comercializar e distribuir, tudo depende. As licenças Creative Commons determinam de que forma a obra pode ser distribuída, copiada e modificada. Para cada caso existe um tipo de licença que o autor escolhe conforme seu interesse.

IHU On-Line - A expansão do conhecimento, tornando-o livre, traz que tipo de consequências para a sociedade, nos aspectos econômico e cultural, por exemplo?

Marcelo Branco – No período anterior, as pessoas não estavam conectadas globalmente de forma tão fácil como hoje para trocar conhecimentos. Hoje estamos conectados globalmente através da Internet. Então é óbvio que o conhecimento e a cultura que estão fora das organizações são muito maiores do que o que está dentro delas. O conhecimento, a tecnologia e a cultura livres das amarras do período anterior já estão provocando um benefício para toda a humanidade.

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