Edição 317 | 30 Novembro 2009

Uma nação em desenvolvimento

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Patrícia Fachin

Na perspectiva do economista André Moreira Cunha, o Brasil ainda não possui um projeto desenvolvimentista, mas está, desde meados dos anos 2000, encaminhando-se para concretizá-lo

“Penso que é válida ainda essa ideia de ver o Brasil como uma nação em construção, que tem a ver com o conceito de subdesenvolvimento”. A opinião é do economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, André Moreira Cunha, e foi expressa na entrevista que segue, concedida, por telefone, à IHU On-Line. Ele explica o conceito de desenvolvimento e subdesenvolvimento na perspectiva furtadiana e menciona que o Brasil ainda não atingiu o patamar do desenvolvimento, mas está a caminho desde o segundo mandato do governo Lula. “O país está vivendo um processo de retomada do dinamismo em termos de crescimento com inflação sob controle, melhorando as contas externas (...), conseguindo ter uma situação de menor vulnerabilidade externa e o ambiente macroeconômico está muito bom”, assegura. No campo social, Cunha informa que, desde 2001, os indicadores de desigualdade também têm melhorado no país. “O Brasil segue sendo um dos 20 países mais desiguais do mundo, mas já foi um dos três. A desigualdade de renda vem diminuindo, e o ciclo atual de crescimento é baseado na incorporação de camadas populares no mercado de consumo, na formalização de emprego, na recuperação de salário mínimo”. E dispara: “são elementos que vão ao encontro da visão furtadiana de um padrão de crescimento”.

André Moreira Cunha possui graduação em Ciência Econômicas pela Universidade do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestrado e doutorado na mesma área pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Sua dissertação analisou Empresas Transnacionais na Economia Brasileira dos anos 80 e 90. Foi professor visitante na Universidade de Leiden, na Holanda, e docente da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Pesquisador associado do Centro de Estudios Brasileños del Instituto Universitario de Investigación Ortega y Gasset, na Espanha.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual a importância de revisitar a obra de Celso Furtado, em especial, depois da crise internacional e de um breve retorno do keynesianismo?

André Moreira Cunha – Em primeiro lugar, porque Celso Furtado foi e é o maior economista - na minha perspectiva -, que o Brasil já produziu. A reflexão dele sobre o desenvolvimento brasileiro tem elementos que iluminam a nossa realidade até o momento. Coerentemente, com a própria obra de Celso Furtado – que é muito enraizada na questão histórica –, cada momento tem seus desafios a serem pensados e analisados. Contudo, enquanto visão de desenvolvimento e de Brasil, a obra dele segue relevante, sendo trabalhada nos cursos de economia. Há alguns anos, foram editados dois livros intitulados Conversas com economistas Brasileiros (Volume I e II), com os principais economistas do país. Quando perguntados sobre qual foi o principal livro de economia brasileiro já produzido, aparece Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, como uma obra recorrentemente citada. Isso pode ser, em alguma medida, uma referência a um autor clássico, mas é mais do que isso: é uma percepção de que Celso Furtado foi um intelectual que pensou o Brasil pela ótica da Economia, mergulhado também na trajetória histórica, tentando responder por que o Brasil não é ainda uma nação desenvolvida e que elementos devemos buscar para atingir esse desenvolvimento.

Crises

Sobre as crises financeiras, digo que não são novas, elas vêm perseguindo a economia capitalista desde que ela se constituiu. A novidade nesse particular é que o Brasil emerge dessa crise muito mais forte, pois, em outros momentos, afundava. Essa é uma temática recorrente de Celso Furtado: os limites macroeconômicos dos nossos ciclos de expansão. Nesse momento, o Brasil tem mostrado uma grande resistência. Penso que teria sido interessante ter Furtado presente por mais alguns anos para que pudesse ver este outro momento do país. Quando ele morre, em 2004, ainda estava muito imerso no que foi a década de 90 no Brasil e o começo dos anos 2000, ou seja, um período de desestruturação, de uma ideia de estratégia de desenvolvimento, e estava pessimista diante da forma como o Brasil se inseria na globalização. Ele, provavelmente, morreu sem assistir aos sinais de um novo tempo. Talvez, hoje, olhasse para a realidade brasileira com um olhar mais positivo.

IHU On-Line - Furtado dizia, entre outros aspectos, que o subdesenvolvimento do Brasil e de outros países é um problema estrutural, ligado ao processo capitalista mundial ao qual estamos subordinados. Na sua opinião, este é o principal fator? Que medidas devem fazer parte de um desenvolvimento nacional soberano que possa abrir caminhos para superar o subdesenvolvimento?

André Moreira Cunha – Vou começar a responder através da forma que vejo a noção de desenvolvimento e subdesenvolvimento de Celso Furtado. Um primeiro recorte – e essa visão foi evoluindo ao longo da obra da Celso Furtado - é separar o que é desenvolvimento econômico de crescimento econômico. O crescimento econômico aparece no PIB: estamos produzindo mais automóveis, geladeiras, serviços médicos, ou seja, há um aumento do volume da produção de uma sociedade. Se esse aumento de produção é superior ao crescimento da população, está crescendo o PIB per capita. Então, em geral, nos anos do pós-guerra, havia uma noção de que o crescimento econômico por si só, expresso na evolução da renda por habitante do PIB, trazia desenvolvimento. Celso Furtado, junto com os teóricos da Cepal, trata essa questão a partir da história, da questão estrutural de como o progresso tecnológico se redistribuiu no mundo por meio do comércio internacional e como esse comércio tinha e segue tendo um caráter muito desigual. Analisa também como países periféricos a exemplo do Brasil podem cair na armadilha de ser excessivamente especializados e dependentes da produção de bens que são intensivos em recursos da natureza ou em trabalho não qualificado como o café, que foi o motor da economia brasileira pré 29 e seguiu sendo por um período muito grande. Como essa armadilha aparecia? Produzíamos e exportávamos produtos intensivos, recursos naturais. Acontece que essas commodities têm uma dinâmica de preços ao longo do tempo que tende a cair ou a crescer menos frente ao preço dos produtos industrializados. E mais do que isso: os produtos industrializados têm uma característica, uma tecnicalidade, que os economistas chamam de elasticidade-renda, ou seja, na medida em que as pessoas vão tendo mais dinheiro, elas compram mais automóveis, computadores, e não mais café. Então, se um país está ultraespecializado na produção de bens que vem da natureza e abre mão da indústria, de agregar tecnologia e valor, cai numa armadilha porque não gera renda suficiente no comércio internacional. Vende soja e minério de ferro para importar todo o resto. Isso acaba gerando um modelo de concentração de renda dentro dos países, porque a estrutura de produzir bens intensivos em recursos naturais por si só concentra renda de quem detém esses recursos e o poder de comando do processo de crescimento da sociedade. Essa prática não provoca um modelo de desenvolvimento. Esse crescimento é necessário, mas insuficiente de uma visão mais ampla de desenvolvimento.

Modelo de desenvolvimento

Nos anos 50, quando essas ideias foram formuladas, os economistas observaram o que estava acontecendo nos países industrializados e concluíram que se o Brasil continuasse como uma nação não industrializada, isso limitaria muito o processo de desenvolvimento do país. Celso Furtado ainda estudava isso com um olhar histórico. Ele estuda o início da formação das modernas sociedades industriais, urbanas, capitalistas e percebe que a mesma dinâmica histórica que produz a industrialização, a urbanização e o desenvolvimento nos países centrais vai produzir também um padrão de inserção dos países periféricos na ordem internacional. A partir disso, Celso Furtado compreende que essa armadilha foi criada no passado pela forma que fomos colonizados, nos estruturamos enquanto sociedade e economia a partir da nossa independência. Esse é o olhar que ele lança exatamente em Formação Econômica do Brasil, e mostra que a origem da nossa formação está nessa dinâmica de exportação européia, e o espaço que vamos ocupar é de fornecedor.

Quando ele analisa o que era a dinâmica da economia brasileira no período colonial, mostra, em primeiro lugar, que o nordeste brasileiro é uma região riquíssima, mas que toda a forma de estruturar e comercializar a produção revelava uma situação de dependência externa. Por exemplo: a estrutura de produção era baseada na monocultura, na mão-de-obra escrava, e a venda do açúcar era controlada pelos comerciantes holandeses. Num país em que predominam essas práticas, não se cria um mercado interno baseado em salários, em pequena produção, comércio.

Superando o subdesenvolvimento

Então, como superamos o subdesenvolvimento? Primeiro entendendo que o desenvolvimento implica necessidade de haver crescimento econômico – essa já é a percepção de um Celso Furtado mais maduro, pós-anos 70 -, mas essa não é condição suficiente. Esse crescimento econômico tem que se desdobrar também na melhoria das condições de vida em geral: educação, saúde e outros componentes sociais. Mas apenas isto é insuficiente: não basta crescer, aumentar a expectativa de vida e ter mais crianças na escola. Tudo isso é necessário para produzir o desenvolvimento, mas há um terceiro elemento: produzir uma sociedade mais homogênea.

Quando Furtado começa a refletir sobre isso e dialoga com a questão do milagre econômico, diz que o que está ocorrendo não é desenvolvimento, pelo contrário, o país está apenas se modernizando, mas é uma modernização que aprofunda desigualdades. O Brasil, apesar de estar mais parecido com um país desenvolvido, no sentido da sua estrutura econômica e infraestrutura, segue guardando resquícios do passado, de uma sociedade que é profundamente desigual.

IHU On-Line - Em Formação Econômica do Brasil, Furtado explica que, na obra, encontra-se um esboço do processo histórico da formação econômica brasileira. 50 anos depois da publicação, como avalia a continuação do processo de formação da economia nacional? O que veio a ser o Brasil atual e que projeto de país estamos construindo?

André Moreira Cunha – Há um livro de Celso Furtado que tem um título muito significativo Brasil. A construção interrompida.  No início da década de 90, ele analisa o processo de globalização, as dificuldades do país nos anos 80 com a crise da dívida externa e a forma como analisamos e lidamos com isso. Penso que é válida ainda essa ideia de ver o Brasil como uma nação em construção, que tem a ver com o conceito de subdesenvolvimento. O que significa superar o subdesenvolvimento? Significa superar uma condição em que a dinâmica de crescimento econômico não é capaz de se traduzir na inclusão da população como um todo no acesso ao trabalho, no acesso à renda, ao consumo e a bens que podem ser produzidos pelo Estado para minimizar desigualdades sociais.

Então, o Brasil ainda é, na minha perspectiva, um país que não construiu essa trajetória de nação. Nós fizemos um grande esforço no pós-guerra com governos democráticos e não-democráticos, e essa construção implicou na montagem da infraestrutura. O Brasil pré-industrialização é um país que tinha uma logística vinculada ao comércio exterior: as estradas ligavam a produção do café no interior de São Paulo aos portos no litoral. A infraestrutura física e institucional foi montada a partir de uma perspectiva de economia primária exportadora. Nesse sentindo, todo o esforço a partir de Vargas e, particularmente, depois dos anos 50, era para construir uma institucionalidade de nação. Obviamente, essas estruturas devem ser modernizadas, pois refletem um Brasil patrimonialista e desigual.

Durante todo o século XX até a dívida externa dos anos 80, o Brasil foi um dos dois ou três países com as mais elevadas taxas de crescimento. Particularmente, no pós-Segunda Guerra Mundial, o Brasil teve uma dinâmica de crescimento muito intenso, deixamos de ser uma fazenda de café para ser um país industrializado. Com a crise da dívida externa, fomos afetados pela vulnerabilidade estrutural, e o país começou a crescer menos do que o mundo. Nos 25 anos que se seguem à crise da dívida externa, o mundo cresceu 3%, e o Brasil, 2,5%. No começo dos anos 2000, por questões que envolvem mudanças na estrutura mundial, particularmente a ascensão da China – que é uma benção e uma ameaça também -, o país saiu da estagnação. O atual governo federal tem um mérito nesse sentido, pois integra muitos desenvolvimentistas que têm visões parecidas com as de Celso Furtado.

IHU On-Line – A partir do conceito de desenvolvimento de Celso Furtado, como o senhor avalia o caso brasileiro? Hoje, o conceito de desenvolvimento deve levar em conta novas perspectivas que surgem como a questão ambiental?

André Moreira Cunha – Nos anos 80 e 90, Celso Furtado compara a América Latina com a Ásia e diz que países que partiram de uma situação econômica mais precária que a do Brasil cresceram, industrializaram-se, melhoraram seus indicadores sociais e têm sociedades mais homogêneas. Quando observamos o conceito de Celso Furtado de desenvolvimento, notamos que o Brasil, pelo menos na minha perspectiva, ainda não atingiu esse patamar, está talvez caminhando nesta direção desde os anos 2000. A questão ambiental não esteve no centro das reflexões de Celso Furtado e de sua geração. Talvez eu seja injusto dizendo que ele não tinha uma perspectiva da ecologia. Sinto que esse debate não era tão forte como hoje. A forma como essa preocupação talvez tenha entrado no trabalho de Celso Furtado tem a ver com os estilos de desenvolvimento, com o padrão de consumo gerado nos países centrais e materializado nos bens lá produzidos. A disseminação desse padrão para países como o Brasil iriam aprofundar a nossa concentração de renda, o que aconteceu no milagre econômico durante o governo Médici.

O que está acontecendo no Brasil hoje, comparando o período do milagre com o momento atual? O país está vivendo um processo de retomada do dinamismo em termos de crescimento com inflação sob controle, melhorando as contas externas – isso sempre esteve no centro das preocupações de Celso Furtado, porque o país crescia e estourava o balanço de pagamento -, conseguindo ter uma situação de menor vulnerabilidade externa, e o ambiente macroeconômico está muito bom. Desde 2001, os indicadores de desigualdade têm melhorado no país. O Brasil segue sendo um dos 20 países mais desiguais do mundo, mas já foi um dos três. A desigualdade de renda vem diminuindo, e o ciclo atual de crescimento é baseado na incorporação de camadas populares no mercado de consumo, na formalização de emprego, na recuperação de salário mínimo. Esses são elementos que vão ao encontro da visão furtadiana de um padrão de crescimento que incorporasse essas massas populares enquanto trabalhadores formais, melhorasse o poder aquisitivo e que fosse baseado na produção de bens que esse conjunto da população brasileira consome: alimentos, roupas, calçados, que são intensivos em emprego, o que não significa não produzir bens mais sofisticados, mas valorizar o potencial de mercado interno brasileiro.

IHU On-Line - Furtado acreditava que o Estado desempenhava um papel fundamental nos rumos do país e dizia que o controle cambial era fundamental para se ter uma política efetiva. Qual tem sido o papel do Estado brasileiro enquanto condutor da política econômica e qual deveria ser?

André Moreira Cunha – A obra de Celso Furtado é influenciada pela macroeconomia de Keynes,  e esses dois autores renascem com grande força a partir do momento que se redescobre as lições que foram aprendidas no pós-crise 29, ou seja, da importância de ter um equilíbrio no mundo privado dos mercados que produz inovação, crescimento, mas que não é condição suficiente para produzir desenvolvimento. Nessa perspectiva, o Estado tem um papel importante a cumprir na construção do desenvolvimento. Mas a função dele vai mudando ao longo do tempo, por isso se fala de um novo desenvolvimentismo. Nesse sentido, dentro do atual governo, particularmente do que chamaria de Lula II, Guido Mantega e Dilma Rousseff são duas figuras que ajudam a fortalecer a visão do desenvolvimento, a qual aparece no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), na recuperação do salário mínimo, que tem um poderoso efeito redistributivo de renda e que está estimulando o mercado de consumo no Brasil. Não estou aqui me colocando a favor do governo Lula, mas reconheço muitos avanços no segundo mandato. Sempre digo àqueles que não acreditam que o aumento do salário mínimo e os programas de distribuição de renda têm efeito sobre o mercado, que, em algumas regiões do Brasil, as vendas no varejo vêm crescendo a taxas chinesas. Tem produtos no Brasil que estão experimentando esse ritmo de crescimento. O consumo como um todo no país vinha crescendo, antes da crise, a 7% ao ano. Isso, em alguma medida, é fruto de uma estratégia que se desenha com mais clareza no segundo mandato de Lula, mas que não tem nada a ver com o governo, e sim com uma mudança na estrutura da economia mundial, com crescimento cada vez mais assentado nos países asiáticos e emergentes, os quais, na medida em que estão se industrializando, aumentam a demanda por recursos naturais. Lula surfou nessa onda com competência e particularmente com essa preocupação de adensar o mercado interno, que é o nosso grande ativo neste momento. Estamos vendo que os mercados não resolvem tudo, eles apenas são responsáveis por uma parcela do bem-estar da sociedade. Não significa dizer - e Celso Furtado não tinha essa percepção - que o Estado tudo resolve, que ele não tem problemas, que o estatismo é a solução ao privatismo absoluto.

Os estudos econômicos, mesmo aqueles que não se baseiam em Marx, revelam uma sociedade que, ao longo dos últimos 200 anos, torna-se mais desigual no plano internacional. Por outro lado, Keynes, percebendo e reconhecendo essa verdade de Marx e não gostando da alternativa totalitária que ele enxergava no mundo soviético, diz que é preciso civilizar o capitalismo. O Estado tem um papel a cumprir, mas hoje, no século XXI, ele não precisa produzir aço, produtos químicos, e sim condições para que a sociedade se desenvolva. O atual governo tem tentando responder essa agenda, mas ainda teremos que trabalhar em média 25 anos para avançar. Não há solução de curto prazo.

IHU On-Line – O senhor citou o PAC como modelo que pode fomentar o desenvolvimento no Brasil. Será que ele está mais próximo de um projeto de crescimento do que de desenvolvimento propriamente dito?

André Moreira Cunha – Sim, está ligado ao crescimento, mas o PAC não é a única ação do governo no sentido do desenvolvimento. O PAC tem a ver com obra de infraestrutura.

Nos anos 40, a renda per capta brasileira cresceu 4%, em números redondos. Então, parte da nossa agenda é também retomar o crescimento. Para isso, conseguimos, através de vários governos, melhorar a situação fiscal, de inflação. Ao fazer isso, o Estado retoma a capacidade de investimento. Parte desses são privados, então, o país investe menos de 20% do PIB, enquanto na área (de investimentos) se investe mais de 30%. Nós já investimos, no passado, mais de 20% do PIB. Então, é preciso retomar também os investimentos do setor público em infraestrutura, e isso é o PAC. O programa vem no sentido de resolver essa dimensão: transmissão de energia, portos, estradas, numa visão furtadiana de eixos estruturantes que também pensam a integração na América do Sul, onde o desenvolvimento é partilhado no contexto sul americano. Portanto, muitas dessas obras vão fortalecer gargalos que acumulamos nos últimos anos. Isto não é suficiente e, por isso, são necessárias políticas como Bolsa Família que também são insuficientes. De qualquer modo, no período Lula, o Brasil vai realinhar seu crescimento com o mundo. Durante o governo FHC, somente em 1995 o país cresceu mais do que o mundo. Nos outros sete anos, cresceu menos. Nos oito anos de governo Lula, provavelmente, em cinco, o Brasil terá crescido mais do que o mundo e, em três anos, menos do que o mundo. Na média, emparelhou. Isso é maravilhoso, mas também mostra que estamos muito longe de um crescimento, que precisamos estar bem acima do mundo para recuperar o tempo perdido. Temos que pensar na dimensão qualitativa que Celso Furtado nos ensina. Claro que o PAC não resolve todas as questões, mas os problemas não se resolvem sem que o Estado volte a ter um papel pró-ativo.

IHU On-Line - Economias integradas podem representar uma alternativa na superação do subdesenvolvimento?

André Moreira Cunha – Penso que sim. Pode haver um compartilhamento do desenvolvimento sul-americano, onde o Brasil tem uma liderança, a qual deve exercer de modo compartilhado, criando oportunidades para que os parceiros cresçam. Se Celso Furtado estivesse vivo, estaria apoiando medidas como melhorar o preço do gás que estamos exportando da Bolívia, da energia que estamos pagando para o Paraguai. Criar condições para que esses países possam se desenvolver é interessante porque, na medida em que eles redistribuem mais sua renda e crescem, também vão consumir mais produtos produzidos no Brasil.

IHU On-Line - Em tempo de globalização, ainda há espaço para um projeto nacional de desenvolvimento no Brasil? Qual seria?

André Moreira Cunha – Às vezes eu brinco dizendo que sou nacionalista, mas só não sou tão nacionalista quanto um estadunidense ou um francês. Tenho uma versão mais generosa de mundo. Percebo que se inventou uma falsa dicotomia entre ser nacionalista e estarmos abertos a outras culturas, intensificar exportações e importações. Em momentos anteriores – e essa é minha crítica ao período FHC – não havia uma visão de inserção no mundo em que se preservasse essa ideia de que somos um povo com direito ao desenvolvimento, que temos que andar de cabeça erguida. Então, é uma visão muito intriguista, subserviente, particularmente dos economistas que cercavam o governo anterior, subserviente a Wall Street. Esse debate ocorre nos EUA com a crise. Eles questionam se o Estado não foi capturado por Wall Street, pelas finanças. O Brasil foi, em boa medida, e isso foi prejudicial para o nosso desenvolvimento. Então, quando falamos de estratégia internacional, não podemos assumir uma tática de ter um desligamento do mundo, de um nacionalismo nessa dimensão. Temos condições de aprofundar nossa integração ao mundo, mas sem abrirmos mão da produção, da renda gerada no país. O Estado pode ter um papel ativo e se impor dizendo que não quer capitais de curto prazo e que irá tributá-los. Ótimo!  Muitos países adotam medidas temporárias ou de longo prazo de controle sobre os fluxos financeiros. Isso é preservar o interesse nacional para evitar que o Real fique forte demais e não prejudique as exportações, por exemplo. Quando se faz isso, está se assumindo uma ideia de desenvolvimento e de que há ferramentas que estão ao nosso alcance para preservarmos os nossos interesses sem necessariamente nos fecharmos para o mundo. Estudos do FMI mostram que a globalização da dimensão financeira tem produzido mais crises e instabilidades do que crescimento. Diante dessa realidade, não há porque não sermos seletivos nessa integração ao mundo. A globalização é um fato, mas isso não é incompatível com a possibilidade de ter uma estratégia nacional. O país que mais se integrou ao mundo foi a China. E, alguém vai dizer que ela não tem um Estado forte que procura direcionar esse processo? Claro que tem. Os EUA, que não têm uma tradição de Estado produtor, jamais deixaram de proteger as suas empresas.

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