Edição 315 | 16 Novembro 2009

IHU Repórter - Laércio Antônio Pilz

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Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patrícia Fachin

Uma pessoa que gosta de construir relações e ampliá-las. Assim é Laércio Antônio Pilz, professor do núcleo de Humanismo Social Cristão da Unisinos. “A vida tem que ser alegre”, diz ele, que sugere a eficácia de uma “filosofia das entrelinhas”, que consegue chegar ao coração dos alunos. Casado, pai de um casal de jovens, esse professor empolgado com suas tarefas e o ambiente universitário, conta, entre outros, episódios de sua vida, como aquele em que, mesmo sendo colorado, assistiu ao primeiro jogo de futebol ao vivo no Olímpico. Confira.

Origens – Sou natural de Santa Clara do Sul, próximo a Lajeado, mas logo depois do meu nascimento, mudamos para Campo Bom, onde morei até os 11 anos. Meu pai sempre trabalhou com o comércio. Minha mãe era costureira. Somos cinco filhos, três homens e duas mulheres. Sou colorado, mas assisti o primeiro jogo de futebol no Olímpico, porque o padre da Igreja onde eu era coroinha era gremista e o prêmio para os coroinhas era assistir um jogo de futebol. Lembro até hoje: Grêmio X Botafogo.

Aos 11 anos eu fiz a opção de ingressar no internato São João Maria Vianey, em Bom Princípio, onde permaneci por um ano. Como pertencia a uma família católica tradicional, pensava em ser padre. Depois, fiquei cinco anos no Seminário São José, em Gravataí (onde lembro que cheguei a ser eleito presidente do Grêmio Estudantil), e cursei mais três anos de Filosofia, em Viamão. Durante esse período que permaneci no seminário, cantei em corais e visitava várias comunidades do interior, onde cantávamos e jogávamos.

Eu estudava Filosofia, mas adorava Literatura e visitava a biblioteca para ler os livros de literatura universal. De alguma forma os conceitos da Filosofia eram revisitados pela Literatura. Ao concluir a filosofia, passei a me questionar sobre a minha vocação e decidi retornar para a casa dos meus pais.

Trajetória acadêmica e profissional – Com 20 anos, fiz um concurso para trabalhar no Banco Nacional. Como houve um problema no encaminhamento da minha prova, atrasou o chamado para essa atividade. Nesse mesmo tempo, um vizinho de Campo de Bom, diretor de uma escola comunitária, me convidou para atuar como professor. Não era o que tinha pensado em fazer como profissão, mas como o salário era maior que o do Banco, que nesta mesma época me chama, aceitei. Neste ano também entro na Unisinos como aluno para cursar algumas disciplinas no Curso de Direito, inicialmente, e depois mais algumas no Curso de História.

Em 1984 fiz uma especialização na área (de Metodologia e Supervisão Escolar) escolar de supervisão. Começo a encarar a atividade de lecionar História e Geografia como algo mais vivo. No decorrer do tempo, passei a dar aulas em escolas estaduais e municipais. Em 1984, conheço a Marlene, minha esposa, na época, professora de Português. Em 1985 começamos a namorar e no final do mesmo ano nos casamos. 

Em 1986, o professor José Wilson Schlickmann, meu colega numa escola em Campo Bom, me avisou que a Unisinos estava procurando professores. Como eu tinha especialização, me candidatei à vaga e em 1989 ingressei na universidade. Lembro que o professor Benno Dischinger participava na Banca e, ao final, assumi uma disciplina de Antropologia do Básico. Nesse período, tinha 40 horas de trabalho na rede estadual e mais umas 25 na Escola Particular. Quando surgiu a oportunidade de cursar o mestrado em Educação na Unisinos, ingressei como aluno especial e depois como permanente. Acabei assumindo mais turmas na universidade e deixei de ser professor do Estado. Em 1996, conclui o mestrado na área de Educação, discutindo como lidamos de forma redutora e dinâmica com os fatos e conceitos históricos.

No final de 1998 assumo mais horas na Unisinos e em 1999 começo o doutorado, em que vou discutir pedagogias redutoras e potencializadoras dos conceitos. Neste ano me tornei professor com dedicação integral à Unisinos, largando a escola particular. Mudamos para São Leopoldo.

Humanismo – A discussão sobre a perspectiva da formação humanista na Unisinos vem de longa data. Sempre acreditei que a formação humanista tem um caráter por excelência integral e transdisciplinar. Quando a universidade propõe isso, eu, como leitor e pesquisador de pensadores que pensam a multiplicidade e a complexidade, não consigo separar a formação humanista desses conceitos. Percebo isto com o carro chefe de um exercício universitário acadêmico.

Durante um longo período vinha trabalhando junto ao eixo de formação antropológica e mais recentemente, Cláudio Gutierrez,  ao assumir a Coordenação do Humanismo, solicitou que assumisse como coordenador adjunto os eixos de formação antropológica e ética. Penso que atualmente, o aluno que não tiver uma formação humana e ética mais densa e consistente, terá dificuldades de inserção profissional qualitativa.
 
Casamento e filhos – Sou casado há 24 anos com minha esposa, Marlene Klaus Pilz. No mesmo ano em que eu entrei na Unisinos, “nós” engravidamos. A Luísa tem 19 anos. Depois veio o Rafael, que tem 8 anos. Foram duas gestações complicadas, porque já no sexto mês de ambas a Marlene tinha que ficar em repouso. Gosto muito de ajudar nas atividades da casa, como comida e arrumação.

Tenho um relacionamento especial com minha esposa e com os meus filhos, com quem constantemente estou aprendendo. Tento conectar as teorias de Deleuze, por exemplo, com a minha relação com eles. Parto da ideia de que a intensidade dos afetos é que vai fazer a diferença no amor e na aprendizagem. As pessoas aprendem mais com o sentido, o significado dos afetos, do que com o discurso abstrato. Isso não impede que se façam os discursos, porque afinal somos seres que falam, mas as palavras “devem fazer sentido – sentir-se”.

A Marlene se aposentou como professora em função de sérios problemas de audição. Ela tem um problema genético de otoesclerose em que o estribo do ouvido fica calcificado, não fazendo mais a vibração que permite transmitir sons. Fez cirurgia (implante) nos dois ouvidos e, além disso, desenvolveu o Mal de Menière. Ela escuta com dificuldade. Eu já aprendi a lidar com isso, e nos comunicamos bem. Mas a Luísa tem mais dificuldade em se comunicar com a mãe. Digo sempre que é um novo aprendizado.

Personalidade – É dolorido falar de si mesmo. Quero estar nos espaços e gosto de pensar que haja mais “oxigênio” para dialogar, para que esses diálogos possam ser bem abertos. Sou uma pessoa aberta, resisto em xingar as pessoas, chamar sua atenção. Tento fazer um caminho diferente: faço um exercício de aproximação e tensão. A vida tem que ser alegre – alegria como força maior (Clément Rosset), como experiência de ampliação, alargamento (Luc Ferry) do que pensamos e fazemos na relação com os fatos.

Autor – Do ponto de vista da filosofia, menciono Deleuze. Do ponto de vista da literatura, Dostoiévski.  Também gosto de Tolstoi, um autor que oferece uma certa alternativa de esperança cristã. Enxergo essa perspectiva como possibilidade (paradoxal) de encontro das obras destes dois autores.

Livro – Um livro fundamental na minha trajetória foi Diferença e Repetição, de Deleuze.  Esse livro “me quebrou”. Na primeira vez que o li, pensei que o autor estava me "pregando uma peça" devido à complexidade da linguagem utilizada. Na segunda vez, comecei a compreender seus conceitos.  Mil Platôs, escrito por Deleuze em parceria com Félix Guattari, também me marcou profundamente. Crime e Castigo, de Dostoiévski, deixou marcas profundas na fase da juventude.

Filme Sociedade dos poetas mortos é um filme bastante marcante para mim.

Lazer - Gosto de futebol e gostava de jogar, inclusive. Parei de jogar por meados dos 30 anos, por causa de problemas nos joelhos. Também tocava violão e gostava muito de Simon e Garfunkel. Quando Elvis morreu, foi impactante escutar à noite, num documentário, sua interpretação de Bridge Ower Troubled Water. Kleiton e Kledir e Elton John são outros cantores que gosto.

Sonho – Construir relações e ampliá-las. Continuar a chegar em casa e alegrar-se com a esposa, os filhos e os afazeres “domésticos”. Gostaria que os alunos percebessem que o conhecimento pode lhes dar a capacidade de serem mais sutis com a forma de lidar com a vida e as pessoas. Também sonho em escrever um livro “academicamente alegre”.

Unisinos – Sempre gostei de estar aqui. É um lugar de coisas boas, mesmo que, em certas circunstâncias, a Unisinos tenha passado por momentos difíceis. Compreendo a Unisinos como um lugar no qual o conhecimento é pensado por pessoas comprometidas. É uma universidade que preza pela excelência. Uma Instituição que tenta compreender os novos tempos que vivemos e como seus cursos podem ser viáveis sem perder a consistência acadêmica. Há poucos dias uma turma de Engenharia da Computação convidou-me para ser paraninfo. Isso alegrou-me muito e causou surpresa também, na medida em que não sou professor específico da sua área de formação. Através disso vejo a importância que existe numa “filosofia das entrelinhas”, que transcenda a tradicional e consiga, através de exercícios conceituais significativos, chegar ao coração dos alunos.

Instituto Humanitas Unisinos – É um verdadeiro atacado de produção e saberes. Fico me perguntando sempre em como cruzar linhas entre o IHU, a Universidade, escolas e outros setores da sociedade civil. Estamos engajados, a Coordenação do Humanismo, em desenvolver melhor esta aliança. É um belo desafio.

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