Edição 312 | 26 Outubro 2009

IHU Repórter - José Carlos Moreira da Silva Filho

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Graziela Wolfart

Professor na unidade de Ciências Jurídicas da Unisinos, José Carlos Moreira da Silva Filho é dotado de muita simplicidade para lidar com as pessoas. Uma de suas marcas é o pano de fundo otimista que o acompanha. Na conversa que teve com a IHU On-Line, onde contou sua história de vida, ele se define como alguém que não consegue ficar muito tempo triste, embora fique, procurando sempre estar bem, ainda que isso signifique sofrimento. José Carlos se vê como uma pessoa transparente, espontânea e que tem sucesso apenas nas atividades que realmente gosta de fazer. “Meu defeito é achar que nunca tenho problemas, e isso é o que acontece com todo otimista”. Saiba mais sobre esse corintiano nascido em São Paulo, mas que teve Brasília como o principal palco de sua vida.

 

Origens e família – Nasci na cidade de São Paulo e saí de lá muito pequeno, com cinco anos de idade. Talvez o que trago de mais importante de lá é o fato de ser corintiano. Time a gente não escolhe, nasce com ele. Depois disso, morei três anos na cidade de Pelotas, aqui no Rio Grande do Sul, de onde saímos quando eu tinha oito anos de idade e nos mudamos para Brasília. Foi lá que vivi a maior parte da minha vida, minha adolescência e a parte mais final da infância. Minha mãe é de Porto Alegre e meu pai é baiano, mas foi criado em São Paulo. Ele é economista e trabalhou muitos anos na então Secretaria Especial de Informática do governo federal, em Brasília. Minha mãe é formada em Direito. Fez concurso para fiscal do trabalho e atuou durante um bom tempo nessa área. Em Brasília, se destacou em cargos como o de Delegada Regional do Trabalho, atuou no Ministério do Trabalho, e depois que se aposentou trabalhou como coordenadora do Conselho Nacional de Refugiados. Hoje meus pais estão aposentados e felizes, curtindo a neta, minha sobrinha, filha da minha única irmã.

Formação – Sempre gostei de estudar. Em Pelotas, onde me alfabetizei, estudei num colégio católico, o São José. E lá, na época, estava passando o filme Marcelino, Pão e Vinho, onde o menino falava com Cristo na cruz. Eu fiquei fascinado por aquele filme e queria entrar a qualquer custo na capela para falar com Cristo. Acabei me revelando um rapaz indisciplinado para os padrões do colégio e saí de lá para um outro, em Pelotas ainda, de onde guardo muitas boas lembranças. Foi uma infância muito feliz que tive naquela cidade. Depois, em Brasília, continuei meus estudos num colégio não confessional, com um nível muito bom, onde fiz grandes amigos e onde também conheci meu primeiro amor. Fiz o segundo grau no Colégio Marista de Brasília e logo que terminei prestei vestibular para Direito e entrei na UnB. Durante minha faculdade tive o primeiro contato com a pesquisa, com o professor que hoje é o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, que me orientou e me incluiu num projeto que desenvolve até hoje por lá, que é o direito achado na rua, sobre o qual até dei uma entrevista para a revista de vocês. O que posso perceber na minha formação, de modo geral, é que fui estimulado a ler e escrever. Sempre gostei de poesia e redação. No colégio onde estudei o primeiro grau tinha o Caderno de Ouro. O aluno que fizesse a redação mais bonita, escrevia seu texto nesse caderno. Lembro que o meu objetivo era esse. Meu pai sempre gostou muito de música e leitura e ele sempre me estimulou.

Escolha profissional – Rapidamente manifestei uma vocação para as humanidades. Não gostava de matemática, não era apaixonado pelas Ciências Biológicas, mas sempre gostei muito de história, literatura e português. Pensei de uma forma pragmática na época do vestibular. Fiz o raciocínio de que se fosse fazer faculdade nessas áreas teria dificuldade de inserção no mercado profissional, porque professor não ganhava muito. Fui fazer Direito achando que o curso me daria várias possibilidades de emprego. No fim das contas, acabei virando professor. Essa é minha ocupação número um, e para a qual sinto que tenho a maior vocação.
 
Ingresso na Unisinos - Fiz o mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina. Lá, fiquei muito amigo de Salo de Carvalho, meu colega de mestrado. Ao final do mestrado, o Salo já era professor da Unisinos e me disse que havia necessidade de mais professores com titulação acadêmica no Direito. Então, em 1997 ingressei na universidade lecionando quatro disciplinas e, no segundo semestre, consegui horas de pesquisa. Em seguida, iniciou o curso de Pós-Graduação em Direito na Unisinos, o qual na época era coordenado pelo professor Leonel Severo Rocha. O curso tem um perfil interdisciplinar e exige dos professores e alunos um conhecimento não só da área do Direito, mas especialmente na área da filosofia e das ciências sociais. Depois, fiz o doutorado na Universidade Federal do Paraná. Obtive o apoio inestimável da Unisinos – fui um dos últimos professores a obter a bolsa de capacitação plena de 40 horas. Sou muito grato à instituição, porque isso me permitiu dar continuidade à carreira.

Relacionamentos e casamento – A experiência do meu primeiro amor platônico ficou como uma referência romântica que é importante para mim hoje. No mesmo ano que vim para a Unisinos me casei com uma moça que estudava Direito em Chapecó, e que conheci na primeira palestra que dei na vida, lá em Santa Catarina. Ela se chama Lilian. Quando vim para cá ela se transferiu para a Unisinos e se formou aqui. Depois, passou num concurso para juíza aqui no Rio Grande do Sul logo na primeira tentativa e hoje é juíza estadual. Já nessa época o casamento não andava muito bem e acabou terminando. Mas foi um processo muito importante, de descoberta. E aí acabei, um tempo depois, reencontrando a mulher que hoje é a minha esposa. Conheci a Maria Tereza na época do mestrado, antes mesmo de conhecer a Lilian. Ela também é professora e pesquisadora, da área da administração, tem graduação, mestrado e doutorado pela UFRGS. A gente se entende muito bem. Moramos em Porto Alegre, no bairro Rio Branco, nós e nosso cachorro, Alvinho, um vira-lata adotado.

Autor – Dostoievsky e Guimarães Rosa.

Livro Dom Quixote e Grande Sertão Veredas.

Filme – Um mais antigo: Houve uma vez um verão e outro mais recente: A Vida dos Outros.

Nas horas livres – Jogar futebol, ir ao cinema e sair com os amigos.

Um sonho – Gostaria muito de poder viver num país mais justo, menos desigual e violento, que desse visibilidade pública para sua própria história. Uma coisa que me chateia muito e, como conselheiro da comissão de anistia me chateio mais ainda, é perceber como nosso país tem dificuldade de lidar com o enfrentamento do seu passado. E isso acaba se projetando para todas as pessoas e seus grupos, e essa é uma tendência que acaba arrastando todos nós. Viver num país que tivesse maior compromisso com isso traria uma sociedade melhor. É uma utopia, talvez com um pouco de vício da ideia do progresso, da qual os modernos todos são filhos.     
 
Relação com o transcendente – Desde minha infância sempre fui muito interessado nessa questão, perguntando para meu pai muitas vezes sobre Deus. Isso foi se transformando ao longo do tempo. No começo da minha adolescência desenvolvi minha religiosidade voltada para o espiritismo kardecista, pois meu pai é um devoto fervoroso até hoje. Depois disso, fui migrando para outras experiências, todas elas envolvidas com essa questão da espiritualidade. Com o tempo, fui me despindo de representações mais institucionalizadas desse nível transcendente. Hoje me definiria como uma pessoa que não tem uma religião específica, e é até difícil, para mim, formular um conceito de Deus. Talvez eu me aproximasse de ser um agnóstico. Não me vejo como uma pessoa com possibilidade de conhecer tudo e se bastar. Sinto que há uma transcendência, que envolve a condição humana, a qual estamos vinculados, de não ter controle total de quem se é, de sermos fruto de quem veio antes, e de projetarmos para um futuro sobre o qual não temos nenhum controle. Acredito nessa transcendência sob o ponto de vista existencial, aceitando essa beleza como um mistério. 

Desafios na área do direito hoje – Um dos principais desafios no direito hoje é a mudança de mentalidade por parte das pessoas que atuam mais diretamente e profissionalmente dentro da esfera jurídica. 

Política – Algo que se apresenta de uma forma mais próxima no Brasil de hoje, mas ao mesmo tempo revela uma dificuldade que vem de séculos. Tal dificuldade não chega a me transformar numa pessoa que não acredite na política ou acha que possa abrir mão dela, pois, como diz o velho ditado, quem não gosta de política é governado por quem gosta. 

Unisinos – Admiro muito a Unisinos e me identifico com a instituição. Aprendi que apesar de gostar muito da instituição não devo me confundir com ela. Ela tem sua lógica própria. Mas o que posso dizer é que apesar de todos os desafios e as agruras que fazem parte da trajetória de qualquer pessoa e instituição, eu realmente vejo a Unisinos como uma universidade ímpar em vários sentidos, na qualidade do tratamento das pessoas, no investimento na pesquisa, e a própria biblioteca já é um sinal claro disso. O IHU é uma das razões muito fortes dessa admiração que tenho pela Unisinos, assim como a Editora Unisinos.  

IHU – Vejo o papel do IHU muito mais longe, mais amplo, do que algo dentro da Unisinos. Para a Unisinos, sua função seria de imprimir uma identidade visível na instituição, de colocar uma marca, um selo nela, do seu compromisso humanista, com as causas dos menos favorecidos, as pessoas que mais precisam, e de ter sempre uma sede por justiça e por uma melhoria da situação atual. O IHU tem sempre uma postura muito crítica, o que eu vejo como mais importante a ser ensinado dentro de uma faculdade.

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