Edição 312 | 26 Outubro 2009

A TV Digital, a convergência tecnológica e a função do celular

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Sérgio Mattos

O celular provocará a criação de novos horários nobres em faixas antes pouco vistas e lucrativas Confira a coluna do grupo de pesquisa CEPOS

 

Nos últimos anos, o cenário das comunicações no Brasil tem sofrido uma mudança estrutural devido à convergência midiática e à produção de conteúdos multimídia, como resultado do desenvolvimento da Internet e da digitalização dos conteúdos de áudio, vídeo e texto. Por meio da Internet pode-se transportar, armazenar e redistribuir produtos audiovisuais, dados e voz. A convergência tecnológica permitiu uma mudança na relação entre as redes de produtores e transmissores de conteúdos com os prestadores de serviços. Antes, uma rede atuava como suporte para a prestação de um único serviço. Agora, constata-se a tendência de uma mesma rede oferecer mais de um serviço. 

Com a convergência digital o telefone celular pode ser usado para transmissão e recepção da voz, acessar a Internet, verificar e-mails, fazer download de músicas, vídeos e filmes, fotografar, assistir programas televisivos, ouvir rádio, além de armazenar conteúdos e dados. Usando o celular, o usuário pode assumir o papel de receptor, transmissor e fonte de informações, rompendo assim alguns paradigmas da comunicação. O celular está se transformando numa central de mídia, ao lado do jornal, rádio, TV e Internet.  Ao desempenhar funções de central de mídia, o celular passa a ter um importante papel na popularização da TV Digital devido à sua mobilidade, portabilidade, capacidade de transmissão de conteúdo em tempo real e interatividade. O celular dotado de receptor apropriado permite ao usuário receber o sinal de TV direto da emissora que desejar, sem ter que pagar por isso.

Em julho de 2009, o Brasil alcançou 161,92 milhões de assinantes, ou seja, o número de celulares no país é quase o dobro do total de televisores. O crescimento do número de usuários no Brasil indica que, em breve, o celular será, além de telefone, provedor de música e um dos principais receptores de programas televisivos.  Para se ter uma ideia do celular como novo canal de mídia capaz de revolucionar a transmissão de conteúdos televisivos, basta considerarmos o que vem acontecendo no setor musical.

O celular passou a ser uma nova forma de se vender música digital, possibilitando às gravadoras driblar os sites de download gratuito, apontando, assim, para uma perspectiva de que o celular poderá se transformar na maior fonte de receita das gravadoras de música e dos produtores de conteúdos audiovisuais. A Sony Music vendeu, só no ano de 2006, mais de 10 milhões de faixas musicais via celular. Destaca-se que já estão sendo disponibilizados para o celular, filmes, jogos, videoclipes, áudio-livro, programas de TV previamente embarcados e a recepção livre do sinal da TV aberta.

Segundo estimativa da Rede Globo, dentro de cinco anos, haverá 50 milhões de usuários assistindo à TV aberta pelo celular. No Brasil, a produção de conteúdo para a telinha do celular ainda está engatinhando, mas já existem pessoas fazendo uso dessa tecnologia para assistir novela ou jogos de futebol. A Rede Globo estreou nas telinhas dos celulares em 2005, transmitindo simultaneamente para os assinantes das operadoras Vivo e Claro. O primeiro conteúdo da Rede Globo para as teles móveis foi a oferta dos gols do campeonato brasileiro. 

Se a TV Digital já provoca mudanças estruturantes no setor das comunicações, o celular digital provocará mudanças mais radicais. Ao assumir a função de nova mídia digital capaz de receber, transmitir e armazenar conteúdos de todas as outras mídias, além de fotografar, filmar e enviar mensagens de texto, com o usuário assumindo uma postura ativa, participando como agente transformador e construtor da realidade, interagindo, sendo fonte, receptor e transmissor simultaneamente, pode-se afirmar que o celular entra nesta reestruturação do mercado com um papel de extrema importância.

As projeções indicam que o ano de 2009 acabará com mais de 165 milhões de assinantes de celulares e que, em 2013, mais de 50 milhões de usuários estarão assistindo a programas de TV por meio do celular. O celular passa a ser a principal variável econômica que pode fazer a diferença no futuro do modelo de negócios a ser adotado pelo setor. Com a TV Móvel e o celular digital capazes de receberem os sinais da TV aberta, a indústria de entretenimento ganha novas alternativas de receita.

A perspectiva que se abre no setor é que o conteúdo a ser captado para o celular pode ser a programação da TV aberta, uma mistura de programação em grade ou de programas sob demanda, personalizados e permitindo um alto nível de interatividade. Mas, o que poderá realmente garantir o sucesso da TV no celular é a adaptação do conteúdo ao formato da mídia.

O movimento estruturante do setor aponta para uma situação na qual o sucesso do novo modelo de negócio vai depender dos acordos operacionais que serão feitos entre operadoras de telecomunicações, radiodifusores e provedores de conteúdos, estabelecendo novas formas de cobrar pelos serviços oferecidos e de partilhar receitas.  O hábito de assistir TV no celular provocará a criação de novos horários nobres em faixas antes pouco vistas e lucrativas. A mobilidade permitirá a abertura de um novo mercado publicitário. A audiência televisiva via celular estimulará a produção de conteúdos em formatos específicos: miniepisódios dos seriados da TV. Esses filmes terão cerca de dois minutos de duração e deverão ter relação direta com as séries e telenovelas da TV aberta. Em síntese, o avanço da convergência entre as mídias forçará o estabelecimento de novas regras, um novo marco regulatório, pois os agentes envolvidos no processo hoje são regidos por legislações distintas.

*Sérgio Mattos, professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB (Cruz das Almas – BA), é autor de livros como História da Televisão Brasileira: uma visão econômica, social e política, Mídia Controlada e O Contexto Midiático.

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