Edição 312 | 26 Outubro 2009

Um geógrafo interessado em evolução

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Márcia Junges | Tradução: Lucas Schlupp e Walter Schlupp

Geólogo norte-americano Charles Smith comenta interesse de Wallace em biogeografia, sobretudo em zoogeografia. Por isso, é considerado o pai dessas ciências, assinala

Uma das grandes contribuições de Alfred Russel Wallace para a biologia e ciência modernas foram seus estudos em zoogeografia e biogeografia, que lhe conferem o título de pai destas ciências. A explicação é do geólogo norte-americano Charles Smith, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, por ocasião de sua vinda ao IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin. Wallace era um geógrafo interessado em evolução, acentua. Bastante diferente de Darwin, esse cientista demonstrou interesse científico no espiritismo, pois, acredita que a evolução incluía uma evolução na direção de uma sociedade mais ética e moral.

Smith leciona na Western Kentuky University, nos EUA, e é especialista em Wallace, teoria da evolução e história da ciência. Graduado em geologia pela Wesleyan University, mestre em geografia pela Universidade de Indiana, e doutor em geografia pela Universidade de Illinois, escreveu Natural Selection and Beyond: The Intellectual Legacy of Alfred Russel Wallace (Oxford: Oxford University Press, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como você vê a situação da pesquisa sobre Wallace  nos Estados Unidos e fora de seu país?

Charles Smith - A situação da pesquisa está melhorando continuamente. Há mais pessoas interessadas. No final de sua vida, Wallace estava bem famoso. Talvez ele tenha sido o cientista mais famoso do mundo. Então ele morreu alguns meses antes da I Guerra Mundial e tudo, de certa forma, se acabou. Foi um longo tempo até que as pessoas se interessassem novamente. Mas, nos últimos 15 anos, o interesse aumentou, e há mais pessoas envolvidas, houve mais livros escritos sobre Wallace do que sobre qualquer outro naturalista daquele período, com exceção dos habituais, como Darwin  e Humboldt,  o geógrafo alemão. Humboldt é bem conhecido na Alemanha e na Europa, bem como Darwin. Sempre se escreve muito sobre esses dois, mas há mais livros sobre Wallace do que quaisquer outros, incluindo Mendel,  Huxley  e as outras pessoas desse período.

Wallace no Brasil

Podemos falar o mesmo a respeito da situação do estudo de Wallace no Brasil. Há diversas pessoas aqui que estudam Wallace tanto regularmente quanto ocasionalmente. Há algumas pessoas no México que são bem interessadas, mesmo que ele nunca tenha ido a esse país. Ele esteve no Brasil por quatro anos, na Amazônia, o tempo inteiro, diferentemente de Darwin, que ficou no litoral Sul e Leste. Wallace nunca foi para essa parte. Então eu acredito que os seus caminhos nunca se cruzaram geograficamente. Ele ficou na Amazônia Central e na área do Rio Negro. Sempre tem havido algum interesse, no Brasil, sobre Wallace. Artigos e livros foram publicados vez ou outra ao longo dos anos. Mas, nos últimos anos, houve interesse bem maior.

IHU On-Line - Você acha que, hoje em dia, a importância desse autor é reconhecida?

Charles Smith - Bem, eu diria que, para a população em geral, ainda nem tanto. Mas, por outro lado, ninguém mais é reconhecido, a não ser os maiores nomes da ciência. Os cientistas simplesmente não são conhecidos pelas pessoas comuns, até mesmo por quem é mais instruído. Essas foram pessoas muito importantes para a comunidade científica, para a história da ciência, e deram continuação à influência de Darwin, especialmente, que é muito significante na sociedade de hoje, de muitas maneiras.

Wallace é uma pessoa bastante diferente de Darwin. Seus trabalhos indicam que ele tinha algumas posições filosóficas diferentes, assim como humanitárias, de crítica social. Darwin fez muito pouco em prol do pensamento humanitário ou, digamos, para as ciências sociais. Ele era um cientista por inteiro. E isso foi basicamente o que fez. Ele tentou não especular, onde ele pensava que a especulação não estava garantida. Tentou produzir ideias embasadas em evidência factual. Algumas pessoas talvez o chamem de plotter, querendo dizer que ele ia “plotando” de uma forma muito conservadora e lenta. Se não fosse Wallace ter escrito para ele naquela ocasião, com o seu próprio ensaio sobre a ideia da seleção natural, talvez Darwin teria esperando muitos anos mais antes de dizer qualquer coisa sobre esse assunto. Na verdade, talvez ele teria até morrido antes de publicar.

Wallace não era, nem um pouco, uma pessoa conservadora. Ele tinha ideias e, dentro de poucos dias, escreveria algo e mandaria para pessoas, como fez com Darwin, por exemplo. Alguns anos atrás, descobri um pequeno artigo que Wallace escreveu aos 20 anos de idade, sobre uma ótica com telescópio, um assunto que ninguém teria sonhado que ele tivesse escrito. Mas foi uma ideia que ele teve e mandou para um famoso fotógrafo pioneiro, um dos inventores da fotografia.

Aparentemente, ele nunca recebeu uma resposta desse homem. Mas a carta com o artigo foi guardada e, eventualmente, veio à tona e eu consegui encontrá-la. Então, já aos 20 anos, ele escrevia coisas e mandava para pessoas famosas. E não tinha quaisquer reservas em fazer isso.

IHU On-Line - Poderia explicar, com mais detalhes, a ideia que desenvolveu em outra entrevista à nossa publicação, sobre o porquê de Wallace pensar que a consciência não era um produto específico da evolução biológica do cérebro?

Charles Smith – Isso é algo difícil de explicar, porque eu não acho que Wallace tinha uma teoria completa. A sua ideia era de que o consciente, ou a corrente de consciência, seja o que for, era algo um tanto separado da biologia. Então, assim que uma estrutura biológica tivesse evoluído – as ideias darwinistas, mesmas ideias de Darwin –, uma vez que um ser, um ser humano, tivesse um cérebro complexo evoluído o suficiente, que a consciência seria naturalmente atraída ou naturalmente direcionada para essa consciência. Portanto, ele basicamente tinha uma visão de que isso não era um acidente, de que a evolução inclui tanto um processo para evolução material quanto a entrada da consciência numa estrutura biológica.

Wallace e o espiritismo

Naquela época, não havia os estudos que hoje conhecemos como psicologia. A psicologia como disciplina, como um ramo do saber, não se desenvolveu realmente até o final do séc. XIX, com pessoas como Wilhelm Wundt  e Freud.  E Wallace se prendeu à ideia de que o movimento espírita existente pudesse ser um meio de compreender a consciência e como começou a fazer parte da evolução humana. Então ele se tornou espírita. Apenas alguns anos depois do seu artigo sobre a seleção natural, ele começou a investigar sessões espíritas. Também leu tudo o que havia sido escrito por pessoas espíritas.

Wallace, particularmente, não estava interessado no espiritismo como uma religião. Seu interesse parece ter sido principalmente científico. Também ético-moral, mas, para ele, essas duas coisas eram uma só. Ele acreditava que a evolução incluía, no nível humano, uma evolução na direção de uma sociedade mais ética e moral. Então todas essas coisas, para ele, eram a mesma coisa. Já Darwin, por exemplo, acreditava em Deus, aparentemente... Ele manteve a sua religião de certa forma separada da sua ciência, ou totalmente separada. Darwin era ou relutante ou incapaz de reconciliar as duas coisas.

Wallace, por outro lado, apesar de ser um pouco “antirreligião-organizada”, não pertencia a igrejas. Ele acreditava que o espiritismo era uma forma de obter conhecimento da melhoria na sociedade e nos humanos, uma forma dos humanos progredirem. Uma das formas como o espiritismo influenciou a evolução nas pessoas, é que supostamente os espíritos eram capazes de se comunicar (espíritos de pessoas mortas) diretamente conosco. E fazem isso ou de forma muito sutil, de maneiras que não percebemos, de minuto a minuto, ou especialmente através de coisas como sonhos. A ideia é de que, fazendo isso, nos dão tipos de informações que ajudam a tomarmos decisões. Agora, talvez, não tomemos sempre as decisões certas ou talvez não demos atenção ou não estamos cientes. Mas a ideia era de que, em geral, esse tipo de comunicação ajudaria as pessoas a melhorar ética e moralmente. Tudo isso que ele acreditava, fazia parte da natureza. Havia uma parte da natureza que era material, o corpo e assim por diante. E havia uma parte da natureza que era não-material. Eu o chamo de a-espacial, significando não-espacial. Porque tudo que matéria é espacial, está no espaço.

IHU On-Line - No seu ponto de vista, qual é o maior legado, contribuição, de Wallace para a biologia moderna ou para a ciência moderna?

Charles Smith - Eu presumo que, mesmo que eu não goste de dizer isso: a sua carta para Darwin. Aquela carta foi tão importante para fazer a teoria da seleção natural se tornar pública! Quem sabe o que teria acontecido se ele não tivesse escrito para Darwin, e simplesmente mandasse para publicação o seu trabalho? O que, como eu disse, era o tipo de coisa que ele faria. Ele costumava escrever o que achava ser uma boa ideia, mesmo sem receber resposta das pessoas. Pois, na maior parte do tempo, ele estava no campo, estava pesquisando, coletando. Então, se ele tivesse simplesmente enviado para publicação, poderíamos muito bem estar falando de wallacismo. Darwin seria considerado o pobre coitado que estudou por vinte anos, não publicou e acabou posto de escanteio. Eles foram capazes de obter as informações mais rapidamente, de modo que as pessoas puderam começar a pensar sobre isso. Agora, além disso, eu apontaria seus estudos em biogeografia, especialmente zoogeografia, que é geografia animal. Wallace é reconhecido como o pai da ciência de zoogeografia e talvez biogeografia em geral, que inclui plantas. Antes de Wallace, já houve gente de peso fazendo um trabalho importante em geografia botânica. Mas o que Wallace fez, e isso foi importante para os geógrafos de plantas, também foi interpretar a distribuição geográfica dos animais e plantas através de um modelo, um modelo evolutivo. Ele introduziu tantos elementos ecológicos desse estudo quanto o fato de que havia uma profunda história do assunto, envolvendo espécies, especiação, divergência nas espécies ao longo do tempo.

Biogeografia moderna

Wallace foi capaz de compreender que o registro dessas divergências está nos fósseis. Ele foi capaz de compreender que as formas mais relacionadas entre si pareciam ser próximas uma da outra, na questão do espaço, no registro dos fósseis, nas rochas, bem como acima ou abaixo da coluna geológica. Quando você tem esse tipo de informação, é uma evidência muito forte da progressão evolutiva, de algum tipo. Pois, nas rochas mais abaixo, você tem as formas mais antigas, mais primitivas. E, quanto mais acima, há ambos os tipos fósseis, perto um do outro, diferente de aqui embaixo, e também mais recentemente no tempo. Uma vez no topo, você está na superfície, e você está no período presente. Então ele escreveu um artigo sobre este tópico três anos antes de ter enviado a famosa carta para Darwin. E isso, para alguns, o começo da ciência da biogeografia moderna. Ele não falou de evolução. Ele já estava pensando na evolução, mas não tinha nenhum mecanismo. Ele não tinha a ideia da seleção natural. Então tudo que ele poderia dizer é... ele nem disse que isso se parecia com evolução, ele apenas escreveu de uma forma que era óbvio o bastante que ele pensava que a evolução estava acontecendo. Mas ele evitou usar efetivamente a palavra, eles não usavam essa palavra na época, o conceito. Eles usavam palavras diferentes. Na verdade, eles não usavam a palavra evolução naquela época. Apareceu um pouco mais tarde. De qualquer forma, essas eram as duas coisas mais importantes, mas ele fez um monte de outras coisas interessantes. No campo da biologia, fez muita coisa com mimetismo, que é o fenômeno através do qual uma coisa se assemelha a outra, ou melhor, uma espécie se assemelha a outra, para obter proteção, porque essa espécie é venenosa, então o negócio é deixá-la em paz. Assim, com o tempo, as coisas que se pareciam com aquilo obtiveram proteção por não serem atacadas e tendem, ao longo de muitas gerações, acabar se assemelhando com a coisa que é venenosa. Ele trabalhou nisso. Também fez trabalhos com algumas áreas estranhas como astrobiologia, o estudo da vida no espaço.

Um geógrafo interessado em evolução

No final de sua vida, havia um homem nos Estados Unidos que alegou ter descoberto estruturas em Marte que se assemelhavam a canais. Ele era um astrônomo e interpretou como sendo canais de verdade e que havia marcianos vivendo lá. Isso foi no inicio do séc. XX, nem tanto tempo atrás. Wallace tentou desacreditar a ideia, baseando-se, sobretudo, em princípios de geografia física. Eu sempre me refiro a ele como sendo um geógrafo que passou a se interessar por evolução, esse é Wallace. Darwin era formado, principalmente, em geologia. Tinha muito conhecimento histórico. Wallace era mais interessado ou tinha mais conhecimento sobre processos atuais. Ele sabia alguma coisa de geologia, mas não era uma pessoa com formação em geologia. De qualquer forma, com a questão de Marte, ele tentou demonstrar que não tinha uma atmosfera que fosse grande suficiente para ser quente o suficiente para os seres, e deduziu que um dos pólos, que sabiam ser branco, pois, tinham telescópio, não poderia ser água, tinha que ser gás carbônico, e na verdade é. Então ele usou princípios básicos de ciência, geografia física, geologia e física para dizer que a ideia desse astrônomo era loucura. E era mesmo.

IHU On-Line - Que desafios você vê hoje para as questões ambientais nos países em desenvolvimento como o Brasil, por exemplo?

Charles Smith - Parece-me, em geral, que lugares como Brasil, talvez especialmente nesse país, e talvez em alguns países africanos também, que algum tipo de modelo de ordenamento do território deve ser aceito, permitindo controlar o desenvolvimento para que não dizimem o meio ambiente. Ao mesmo tempo, penso que deve ser permitido o uso da floresta em diferentes formas, com ênfase no desenvolvimento médico e no ecoturismo. Claramente, um modelo puro de capitalista (estou parecendo o Wallace agora, ele era um socialista) – um modelo capitalista puro não parece funcionar muito bem, pois, as pessoas vão e tomam tudo o que conseguem. Claro que a floresta vai crescer de novo, mas nunca vai voltar a ser como era antes. E teremos perdido muitas espécies. Tenho uma visão um pouco diferente em relação à importância dos trópicos, diferente da maioria, pois isso é um tipo de pensamento de renegado: na minha impressão, na verdade foram as áreas latitudinais médias que provavelmente mais contribuíram para a evolução a longo prazo. As áreas tropicais seriam mais como que receptáculo do resultado da evolução. Mas a questão é que agora as pessoas estão mais concentradas em resolver os problemas das áreas tropicais, e não estão pensando tanto sobre as áreas de latitude média. Todas as partes da Terra são importantes. E, basicamente, essa é a ideia. Só porque algo possui muitas espécies, como a floresta tropical, não significa necessariamente de que seja mais importante evolutivamente do que outro lugar que tenha menos espécies. Nesta questão, acredito que muita gente me veria um pouco como marginal (fringe), provavelmente. Mas, não obstante, eu acho que esse seja o caso. E em termos de proteger a floresta tropical, algum tipo de modelo de ordenamento da utilização do território regulado pelo governo parece uma afirmação muito vaga, mas é o que eu posso dizer.

IHU On-Line - No início da nossa conversa, você estava me falando sobre as suas origens. Então, onde você nasceu? Você poderia nos dar alguma informação?

Charles Smith - Eu nasci no estado de Connecticut, nos Estados Unidos, mais ou menos a meio caminho entre a cidade de Nova Iorque e Boston, em uma cidade muito pequena. Frequentei uma escola pública e fui para a faculdade. Seria justo dizer: uma das melhores pequenas faculdades dos Estados Unidos. Formei-me em geologia. Enquanto eu era um major em geologia fiz a minha única outra viagem para a América Latina até agora. Passei um semestre em Honduras. E lá eu me dei conta de que eu não tinha o feitio para ser um geólogo. Eu não tinha um bom senso de campo. Um geólogo precisa ser capaz de ver a história no solo, das formações rochosas, e eu não era muito bom nisso. Então eu decidi não continuar mais com a geologia. Eventualmente, decidi que a geografia seria mais adequada. Fiz meu mestrado e doutorado em geografia. Como eu tinha uma combinação incomum de interesses, não consegui encontrar trabalho como geógrafo acadêmico. Depois de alguns anos ruins, fiz um curso em biblioteconomia. E descobri que eu seria um bibliotecônomo de ciências. Isso levou um ano, não seria algo que tomaria o resto da minha vida. Conclui em um ano e logo depois de ter terminado, arrumei um emprego onde estou empregado agora, há quinze anos. Sou professor lá em tempo integral, bibliotecários são considerados acadêmicos na Western Kentucky University.

Leia mais

>> Charles Smith já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Ela está disponível na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br)

As conexões entre Wallace e Darwin. Entrevista publicada na edição 306 da Revista IHU On-Line, de 31-08-2009.

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