Edição 312 | 26 Outubro 2009

“A vida é feita de perdas necessárias que estão ligadas ao nosso crescimento”

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Graziela Wolfart

Thaís Roloff entende que a religião e a fé podem ajudar muito no momento do luto, “se ela for coerente e puder responder aos anseios paradoxais que o luto nos coloca. Mas o que entendemos por fé?”, questiona

“Crescemos tendo que desistir, precisamos abrir mão do velho para dar lugar ao novo. A vida é feita de perdas necessárias que estão ligadas ao nosso crescimento. Somos apegados ao que batalhamos tanto para conseguir e ficamos apavorados com o que não conhecemos. O conflito se instala e tentamos jogar para um futuro distante esse medo da morte. Nos agarramos aos filhos, a uma meta de enriquecermos, de ficarmos famosos, mergulhamos nos rituais religiosos. É inevitável, carregamos a ferida da mortalidade. Quanto mais bem vivida for a vida, melhor pode ser a nossa morte”. Quem defende essa ideia é a psicóloga Thaís Monteiro Roloff, em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Para ela, os rituais na Igreja Católica em relação à morte “não se atualizaram com a mesma velocidade como os jovens de hoje, não dão conta nem das questões sociais, como o sexo e o aborto, quem dirá com relação à morte”.
 
Thaís Monteiro Roloff é psicóloga, especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações, com formação em Terapia Sistêmica. É coordenadora do Grupo de Espera do Programa Clínica Social da Associação Instituto Movimento, de Florianópolis, Santa Catarina.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como a senhora analisa a forma dos jovens de viver o luto? Qual o papel da religião e da fé nesses momentos?

Thaís Roloff - Penso que a questão começa com a reflexão sobre como os jovens vivem as suas vidas. De que maneira exercem a responsabilidade e o autocuidado. Esse ponto fala sobre uma consciência de ser, de estar conectado consigo. Que bases emocionais a família possibilitou a esse jovem ao longo desse tempo até chegar à juventude? O luto pode ser a perda de um ente querido, pode ser a mudança de cidade, a separação dos pais ou de amigos, o fim de um namoro. É uma fase crítica, pois ainda são imaturos do ponto de vista da experiência de vida. Claro que não podemos generalizar, mas o luto pode ser feito a partir de algumas fugas para evitar a dor, como, por exemplo, entrar nas drogas. Pode ser que a religião e a fé ajudem muito se ela for coerente e puder responder aos anseios paradoxais que o luto nos coloca. Mas o que entendemos por fé?

IHU On-Line - Em que sentido a morte representa um desafio na sociedade contemporânea marcada pela autonomia e pelos avanços científicos e tecnológicos que buscam retardar o envelhecimento de todas as formas?

Thaís Roloff - Crescemos tendo que desistir, precisamos abrir mão do velho para dar lugar ao novo. A vida é feita de perdas necessárias que estão ligadas ao nosso crescimento. Somos apegados ao que batalhamos tanto para conseguir e ficamos apavorados com o que não conhecemos. O conflito se instala e tentamos jogar para um futuro distante esse medo da morte. Nos agarramos aos filhos, a uma meta de enriquecermos, de ficarmos famosos, mergulhamos nos rituais religiosos. É inevitável, carregamos a ferida da mortalidade. Quanto mais bem vivida for a vida, melhor pode ser a nossa morte.

IHU On-Line - Existe alguma diferença em relação à concepção da morte entre jovens que vivenciam a fé nos grupos de jovens e aqueles que não estão integrados nessas comunidades religiosas?

Thaís Roloff - Pode ser que sim, como também pode ser que não. Penso que o ponto de partida seja a forma como as pessoas se relacionam com a religião. A princípio, tudo leva a pensar que sim, afinal, existe uma proposta de consciência maior, de preocupação com o outro, com a vida de uma forma geral.

IHU On-Line - Qual a contribuição da fé para a compreensão da morte por parte dos jovens, principalmente quando se trata da morte de alguém jovem também?

Thaís Roloff - O que significa ter fé? Para mim, é algo que me diz que tudo segue uma ordem maior, tudo tem uma razão para ser ou para acontecer. Precisamos confiar na vida e buscar aprender com as adversidades. Mas, quando eu tinha 18 anos, isso não estava amadurecido dentro de mim. Hoje, vivenciando minha gravidez, aos 36 anos, eu ainda consolido essa compreensão.

IHU On-Line - Como a senhora analisa a reação dos jovens diante dos rituais que envolvem a morte já tradicionais dentro da Igreja Católica? Sentem-se identificados?

Thaís Roloff - A partir do meu mundo interno de crenças, acredito que não. Os rituais na Igreja Católica não se atualizaram com a mesma velocidade como os jovens de hoje, não dão conta nem das questões sociais, como o sexo e o aborto, quem dirá com relação à morte.

IHU On-Line - Em que sentido a morte desperta no jovem a vontade de viver?

Thaís Roloff - Partindo do princípio da compreensão de que a morte teve espaço para ser realmente sentida e vivenciada como dor, ela pode despontar como possibilidade de se olhar a vida que está sendo vivida no presente, de que forma ela está sendo consumida. Experiências marcantes podem servir como catalisadores de mudanças. O jovem pode dar mais valor ao que tem, cuidar melhor de si, estar mais perto da família, cultivar os amigos, buscar outras perspectivas.

IHU On-Line - Como se caracteriza, entre os jovens, a questão da vida eterna, da ressurreição?

Thaís Roloff - Não acredito na força dessa questão. Atualmente, todos os jovens têm acesso a uma infinidade de conceitos diferentes, seja pela televisão ou mesmo por amigos. É possível encontrar, numa sala de aula, jovens com diferentes crenças sobre vida e morte, trocando essas informações e experiências. Além disso, essa é a fase dos questionamentos, da curiosidade, da experimentação, da busca de um sentido.

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