Edição 312 | 26 Outubro 2009

A morte como imagem forte na visão dos jovens contemporâneos

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Graziela Wolfart

Para Silvia Borelli, a dimensão da morte traz uma fragilidade muito maior diante da vida moderna e cotidiana

Silvia Helena Simões Borelli é antropóloga, pesquisadora e professora de Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Fez graduação em Ciências Políticas e Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e mestrado, doutorado e livre docência na PUC-SP. É pesquisadora nas áreas de antropologia, comunicação e culturas contemporâneas (culturas urbanas e juvenis, produção e recepção midiáticas, televisão e telenovelas, livros e mercado editorial) e co-autora de Jovens na cena metropolitana: percepções, narrativas e modos de comunicação (São Paulo: Paulinas, 2009). A obra é fruto de uma pesquisa coordenada por ela sobre a identidade cultural de jovens de diferentes classes sociais das zonas Sul e Oeste de São Paulo. E uma das etapas da investigação foi justamente sobre as concepções dos jovens urbanos sobre a vida e a morte. E foi a partir desta pesquisa que a IHU On-Line entrevistou a professora Silvia Borelli por telefone. Na entrevista, Borelli explica as diferenças entre jovens da periferia, que vivem o que ela chama de “morte anunciada” e os jovens com mais alto capital cultural, que vivem a “morte inesperada”. Ela entende que, “se o medo de morrer, o medo da sua própria morte e o medo de perder pessoas queridas atinge a todos como uma referência mais universal, com certeza, estes jovens de periferia vão ter um primeiro contato com a morte bastante diferenciado de outros jovens que estão menos expostos a ela”. A partir dos resultados da pesquisa, a professora identificou que a dimensão cultural de celebração da vida pelos rituais familiares e institucionais (lazer, baladas, consumo) funciona como um “contraponto para a dimensão da angústia com a morte”. E concluiu que, para os jovens, hoje, “a questão da exposição à morte está muito ligada a essa ideia de uma vida mais frágil, descartável. Tem a ver com a compreensão do tempo, com a velocidade da vida cotidiana, que nos expõe muito mais a riscos”. 
 
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual a concepção de morte que os jovens urbanos possuem de modo geral?

Silvia Borelli – O trabalho de pesquisa que fizemos, publicado no livro Jovens na cena metropolitana – percepções, narrativas e modos de comunicação, não estava centrado na questão da vida e da morte, mas num conjunto de referências e dimensões da vida cotidiana que levavam para a reflexão sobre a morte. Muitas vezes, tanto as políticas públicas quanto a própria academia tendem a conceber a juventude como criminalizada, o jovem como violento. Nós estamos construindo uma reflexão que vai na contramão dessa visão do jovem criminalizado. É como se essa ideia já levasse a uma articulação entre a concepção de juventude e uma proximidade maior em relação à morte, ao medo da morte, à morte de jovens nas periferias dos grandes centros urbanos. Então, em primeiro lugar, está o debate que levantamos sobre uma concepção de juventude vinculada à essa criminalização, à violência e à questão da morte. Depois, trabalhamos também com a ideia da violência em si, e como essa reflexão sobre a violência inevitavelmente leva a uma articulação com a questão da morte. Temos jovens, ao mesmo tempo, vítimas e protagonistas da violência nas grandes cidades. E quando pegamos as periferias dessas grandes metrópoles, veremos claramente o que seria uma morte anunciada, uma morte muito próxima da vida cotidiana desses jovens. Os jovens das periferias morrem muito próximos das suas casas, das instituições onde participam.

IHU On-Line - Como os jovens relacionam morte e religiosidade?

Silvia Borelli – Ao mesmo tempo em que há um contexto de negação pelos coletivos juvenis, está muito presente entre eles a força da religiosidade. Como consequência dessa relação com as religiosidades, vem a ideia de como eles concebem a vida para além da morte. Óbvio que não é uma temática tão constante como poderia ser para mais velhos, porque há uma certa onipotência juvenil, e a morte parece mais distante, mas, com certeza, para esses jovens da periferia, essa reflexão sobre a vida além da morte está muito presente. 

IHU On-Line – O jovem demonstra medo de morrer?

Silvia Borelli – Nossa pesquisa trabalhou com dois segmentos de jovens da cidade de São Paulo. Um deles comporta os jovens situados na zona sul da cidade, ou seja, com carência de infra-estrutura, saúde, educação e lazer, que vivem muito essa condição da morte anunciada, próxima à sua casa. Com certeza, a tematização da vida para além da morte, o medo de morrer e a morte em si aparecem como uma referência dentro da vida cotidiana. Isso também aparece, de certa maneira, no outro segmento pesquisado, que são jovens de outras regiões da cidade, com acesso a lazer e a consumo. Não são propriamente jovens de renda alta, mas com capital cultural muito alto. É óbvio que essa questão da morte dentro da vida é um pouco mais distante para esses últimos, mas numa cidade como São Paulo, certamente, essa vertente do medo de morrer perpassa tanto jovens que vivem a morte no cotidiano, como jovens que estão menos expostos a ela. 

IHU On-Line – O que é mais forte para eles, o medo da própria morte ou da morte das pessoas que amam?

Silvia Borelli – Isso é importante. Muitos dos relatos que coletamos têm a ver com o tema do primeiro contato com a morte. Para muitos jovens, o primeiro contato com a morte passa exatamente por essa relação com os mais velhos que morreram: avós ou mesmo os que perderam o pai ou a mãe. Para muitos deles, a primeira aproximação com a morte diz respeito à perda dos mais velhos e das pessoas vinculadas à família. Esse medo da perda dos entes queridos, dos familiares ou dos amigos está muito evidente nos relatos deles. Para esses jovens que vivem a morte anunciada, com certeza, o primeiro contato com ela não se dá obrigatoriamente pela relação com os mais velhos. Por vezes se dá pela perda de jovens da sua própria idade. Se o medo de morrer, o medo da sua própria morte e o medo de perder pessoas queridas atinge a todos como uma referência mais universal, com certeza, estes jovens de periferia vão ter um primeiro contato com a morte bastante diferenciado de outros jovens que estão menos expostos a ela. 

IHU On-Line - Que sentimentos em relação à vida e à morte são despertados nos jovens que experimentam a violência no dia-a-dia?

Silvia Borelli – Com certeza, diante da manifestação das angústias, da tentativa de encontrar saída e perspectivas para o entendimento daquilo que, para muitos jovens, parecia ser a fatalidade, que eles racionalmente não podem e não conseguem explicar, entram muito na dimensão do que significa a celebração da vida como algo extremamente importante. É como se essa dimensão cultural de celebrar a vida, pelos rituais familiares e institucionais e pelo próprio cotidiano (lazer, baladas, consumo), fosse um contraponto para a dimensão da angústia com a morte.

IHU On-Line - O que marca a concepção da morte por parte dos jovens na época atual? Qual a marca da sociedade contemporânea em relação à questão da morte?

Silvia Borelli – Há uma série de mitologias contemporâneas, mitos modernos, que tentam apontar a dimensão da morte como uma referência na tradição, na história. Mas, sem dúvida, eu diria que hoje, para os jovens, a questão da exposição à morte está muito ligada a essa ideia de uma vida mais frágil, descartável. Tem a ver com a compreensão do tempo, com a velocidade da vida cotidiana, que nos expõe muito mais a riscos. Com certeza, a dimensão da morte traz uma fragilidade muito maior diante da vida moderna e cotidiana. 

IHU On-Line - O que explica o fascínio que alguns jovens têm pela morte?

Silvia Borelli – Foi exatamente essa a hipótese que trabalhamos em nossa pesquisa, na relação entre morte e consumo. A questão da morte de jovens está muito posta hoje. Quando pensamos em como isso aparece na história, temos o cinema, onde marcaram muito personagens que se tornaram símbolos, como James Dean,  com a ideia de vidas que vão sendo ceifadas muito prematuramente. Isso é uma característica do viver nas grandes cidades, ou seja, os jovens reconhecem estar dentro dessa dimensão imaginária do mundo contemporâneo, e que a morte pode estar próxima, e não mais inserida numa cadeia de tradições (nascer, crescer, amadurecer, envelhecer e morrer). Essa dimensão do moderno trouxe a questão da morte para muito mais perto dos jovens. Nesse sentido, uma forma de lidar com isso é transferir essas imagens todas – penso na Internet, nas camisetas que eles usam e produzem, nas capas de CDs e discos que colecionam - como referencial em que, para além de todas as referências de vida e consumo, a morte aparece também, como uma imagem muito forte nessa visão de mundo dos jovens contemporâneos.

IHU On-Line – Qual a particularidade do jovem na apropriação da questão da morte, comparando com outras etapas da vida?

Silvia Borelli – A questão da morte é apropriada pelos jovens de uma maneira específica, entretanto, não podemos esquecer que ela perpassa toda a condição humana. A morte é universal para a condição humana e ela acaba mexendo com o imaginário tanto de jovens que vivem uma condição melhor de vida cotidiana na grande cidade quanto de jovens que vivem em condições muito mais precárias nas periferias das grandes cidades. Ela é uma dimensão universal, mas, obviamente, assume uma particularidade muito mais forte na vida cotidiana de jovens que têm que conviver com a morte muito prematuramente na esquina da sua própria casa.

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