Edição 309 | 28 Setembro 2009

Hinduísmo e a experiência de não-dualidade

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Moisés Sbardelotto e Patricia Fachin | Tradução: Benno Dischinger, Moisés Sbardelotto e Walter O. Schlupp

Na opinião do teólogo indiano Michael Amaladoss, a sociedade não está se encaminhando para a pós-metafísica. Para justificar, ele resgata o provérbio: “Só porque o gato fecha os olhos não significa que o mundo deixou de existir”

Na entrevista que segue, concedida, rapidamente, por e-mail, à IHU On-Line, Michael Amaladoss, jesuíta indiano, informa que na Ásia, em geral, “não há guerras religiosas e as pessoas estão vivendo em paz”. Para ele, para que diferentes tradições religiosas vivam em harmonia, “não há necessidade de as religiões estarem em contato recíproco”. No entanto, enfatiza, “teologia hoje somente pode ser inter-religiosa, uma vez que Deus também falou a outras pessoas”.  Na opinião de Amaladoss, assimilando métodos do Vedanta, o cristianismo pode ganhar uma experiência de Deus interior. “Esta é uma experiência da não-dualidade”.

Amaladoss é diretor do Instituto para o Diálogo com Culturas e Religiões, em Chennai, na Índia. É doutor em Teologia Sistemática pelo Institut Catholique de Paris, na França, além de professor de Teologia no Vidyajyoti College of Theology, em Nova Déli, na Índia. É autor de diversos livros sobre espiritualidade e diálogo inter-religioso, entre os quais citamos: Making harmony. Living in a pluralist world (Delhi: ISPCK, 2003), que foi traduzido e publicado pela Editora Unisinos na Coleção Theologia Pública sob o título Promover harmonia: vivendo em um mundo pluralista (São Leopoldo: Unisinos, 2006) e The dancing Cosmos. A way to harmony (Delhi: ISPCK, 2003). Também organizou juntamente com Rosino Gibellini, Teologia in Ásia, publicado pela Editrice Queriniana, Brescia, 2006.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - A teologia asiática se caracteriza pela diversidade religiosa. Como se inter-relacionam as tradições religiosas na Ásia? Existe alguma abertura e espaço para possíveis trocas entre elas?

Michael Amaladoss — Penso que deveríamos falar de pessoas pertencentes a diferentes religiões se inter-relacionando, não tanto as religiões se inter-relacionando. Religiões são meras instituições. No tocante a pessoas, todo grupo religioso apresenta fundamentalistas e outras pessoas que são abertas. Por toda a Ásia, muitas religiões estão convivendo. Ocasionalmente, acontecem tensões entre maiorias e minorias. Por vezes, acontecem até tumultos. Mas, no geral, não há guerras religiosas, e as pessoas estão vivendo em paz. Para quem quer viver em paz não há necessidade de as religiões estarem em contato recíproco. Mas as pessoas se reúnem quando há conflito para restaurar a paz. Não se deveria exagerar a necessidade de diálogo entre as religiões em si. Já é bom que estejam abertas uma para a outra. Mas, para se viver em paz, basta deixar os outros em paz.

IHU On-Line — Partindo de casos como a Palestina, Irlanda do Norte, Iraque, como você descreveria as atuações das religiões na Ásia? Os conflitos têm uma raiz religiosa ou são somente políticas?

Michael Amaladoss — Conflitos inter-religiosos muitas vezes têm causas políticas. Mas a força da religião é usada para juntar e fundir as pessoas. Religiões também tendem a ser exclusivas. Nem sempre são abertas para as outras. Assim, a religião pode ser usada para fins políticos. Mas religiões também contribuem para o conflito quando uma divisão entre “nós” e “eles” é vista como uma divisão entre “Deus” conosco e o “demônio” oposto a Deus no outro lado.

IHU On-Line — O senhor diz que o pluralismo religioso é um problema social, político e religioso para as religiões metacósmicas. Em sua opinião, quais são as condições e o sentido para o diálogo inter-religioso? Ele emerge nessa perspectiva para aprofundar a fé independentemente da religiosidade e da crença?

Michael Amaladoss — Como as religiões metacósmicas apresentam reflexão e veem Deus como transcendente, elas podem achar espaço para outras religiões dentro das suas próprias perspectivas. Deus está além da religião como instituição e pode ser comum a muitas religiões. Isto pode promover o diálogo, se as pessoas quiserem.

IHU On-Line — Nas religiões que pregam a existência de Deus, Ele se manifesta de maneiras diferentes. Que reflexão o senhor faz a partir disso? Por que há tanta diversidade em um só Deus?

Michael Amaladoss — Deus está livre para manifestar a Si mesmo de diferentes maneiras para diferentes pessoas. Mais além da liberdade de Deus, a diversidade também é possível porque Deus Se manifesta a diferentes pessoas em diferentes condições históricas e culturais. Em liberdade, as pessoas respondem a Deus de várias maneiras. É a liberdade de Deus, a liberdade humana e as diferenças entre culturas e situações históricas da automanifestação de Deus que tornam possível a diversidade. Somente uma abordagem estritamente racionalista e exclusivista consideraria isto um problema.

IHU On-Line — A que o senhor atribui o conflito e a dialética entre o islamismo e o hinduísmo?

Michael Amaladoss — Os reis muçulmanos tinham governado os hindus por seis séculos, do século XII até o século XIX. Os hindus eram tratados como cidadãos de segunda classe, pagando impostos para ser hindus. Parece que santuários hindus foram destruídos. Os muçulmanos também consideram os hindus infiéis. Também dividiram o país entre Índia e Paquistão. Por outro lado, os hindus querem afirmar sua dominação no país como maioria, e consideram a Índia em termos de cultura e religião como sendo hindu, embora os muçulmanos e cristãos sejam bem-vindos para ficar como minorias. Tudo isto pode levar a tensões.

IHU On-Line — Como é que o sistema filosófico hindu (Vedanta) lida com o cristianismo? Neste sentido, qual é a relação entre a experiência espiritual hindu e a mística cristã?

Michael Amaladoss — O cristianismo pode ganhar com a assimilação de métodos do Vedanta para ganhar uma experiência de Deus interior, uno conosco, de modo que, em termos vedânticos, Deus e eu somos não-dois. Esta é uma experiência de não-dualidade, ou advaita.

IHU On-Line — Qual é a relevância do cristianismo entre os hindus? Como recebem esses ensinamentos e como os combinam com suas crenças naturais?

Michael Amaladoss — A expressão “suas crenças naturais” é objetável. O hinduísmo também é sobrenatural como é o Espírito de Deus presente e ativo neles, como foi afirmado por João Paulo II em Redemptoris Missio 28. Os hindus aceitariam Cristo como manifestação divina e o veem como um grande líder moral e guru. Apenas objetam as pretensões de exclusividade do cristianismo.

IHU On-Line — O senhor concorda que a sociedade se encaminha para a pós-metafísica? Em caso positivo, que são as religiões e o sentido religioso nesse novo contexto?

Michael Amaladoss — Não concordo que estejamos indo em direção a uma sociedade pós-metafísica. Nosso idioma tem um provérbio: “Só porque o gato fecha os olhos não significa que o mundo deixou de existir.”

IHU On-Line — O que a vida e a experiência na Índia lhe ensinaram sobre a fé, a religião e o diálogo inter-religioso? Isto modifica sua maneira de ver e fazer teologia?

Michael Amaladoss — Teologia hoje somente pode ser inter-religiosa, uma vez que Deus também falou a outras pessoas além de mim.

IHU On-Line — Hans Küng propõe uma ética global para a construção da paz planetária. O senhor concorda com esta posição? Quais ações são imprescindíveis para se construir a paz planetária?

Michael Amaladoss — Diferentes grupos religiosos precisam se reunir para defender e promover valores humanos e espirituais comuns, embora cada qual possa justificá-los com base em seu próprio ponto de vista. Os indianos e João Paulo II o disseram muito antes de Hans Küng.

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Amaladoss esteve na Unisinos, proferindo a conferência A teologia das religiões e a teologia na universidade no Simpósio Internacional O lugar da teologia na universidade do século XXI, organizado pelo IHU, em 2004. O encontrou gerou o livro A teologia na universidade contemporânea (Org. Inácio Neutzling. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p. 117-39). Ele é autor do Cadernos Teologia Pública n. 10, sob o título O Deus de todos os nomes e o diálogo inter-religioso.

O teólogo indiano já concedeu entrevista à IHU On-Line. O material está disponível na nossa página eletrônica (www.ihu.unisinos.br).
* Jesus e os avatares na compreensão hindu. Publicada em 17-02-2008.

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