Edição 308 | 14 Setembro 2009

IHU Repórter - Vera Schmitz

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Patricia Fachin

Nesta semana, a IHU On-Line conversou com uma das organizadoras do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin e do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica, a professora do curso de Relações Públicas e coordenadora do Programa Publicações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e do Programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários – Tecnosociais-Unisinos, Vera Schmitz. Natural de Encantado, no Rio Grande do Sul, ela mudou para São Leopoldo um ano após aprovação no vestibular, e trouxe consigo, além das características herdadas da família italiana e alemã, o sonho de se formar em Relações Públicas e ser independente. Hoje, doutora recém-formada, Vera deseja que seu trabalho possa contribuir para a construção de um mundo melhor. Entre as novas aspirações, almeja o mesmo que todos os seres humanos: “formas de me sentir inteira na vida”. Na entrevista que segue, ela sintetizou alguns anos de sua história, revelou o amor pela família e se emocionou ao recordar a trajetória profissional na universidade. Confira.

 

Origens – Nasci em Encantando, uma cidade que tem cerca de 20 mil habitantes e fica na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. A família do meu pai era descendente de alemães, e a da minha mãe, de italianos. Mesmo tendo um sobrenome de origem alemã, Schmitz, tenho muitas características italianas, até porque fui criada numa região de italianos. O meu ambiente familiar foi marcado pelo estilo italiano de convivência, de gente falando alto.

Descendentes - Meu avô paterno era professor, maestro, líder comunitário em Roca Sales (na época pertencente a Estrela) e se preocupava com a realidade social e econômica da região. Ele sempre trabalhou muito pelo cooperativismo e ajudou a organizar e a fundar, juntamente com várias outras pessoas, a Caixa de Crédito Rural e a Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda - Cosuel. Nessa época, meu pai, José Odilo, que também residia em Roca Sales, mudou para a cidade vizinha e iniciou seu trabalho na cooperativa. Em seguida, casou com a minha mãe, Aurora, e preservaram os costumes e a relação com as famílias que ficaram em Roca Sales.

Família – Tenho três irmãos. A mais velha se chama Ana Maria. Ela trabalha na Receita Federal, em Encantando; a Ângela Maria dedica-se mais a atividades de artesanato; o irmão mais novo, Daniel, é engenheiro agrônomo, tem um escritório de consultoria em Encantado e também é professor na Universidade de Caxias do Sul – UCS.

Meu pai faleceu em 2006 e minha mãe tem, hoje, 88 anos. Ela é a matriarca da família, aquela italiana matrona que deseja ter todos os filhos por perto. Ao mesmo tempo, é uma pessoa muito interessante, moderna. Ela consegue olhar a vida de maneira diferente, mesmo conservando seus valores. Sempre digo que Dona Aurora é uma vitoriosa, ela foi operária na década de 40, trabalhando, durante alguns anos, em um frigorífico em Roca Sales. Meu pai trabalhou a vida inteira na Cosuel, em Encantado. Atuou por muitos anos no setor financeiro e depois também participou de alguns projetos de educação junto aos associados, na época em que essa cooperativa tinha uma estrutura bastante grande. Havia sempre muito envolvimento com iniciativas da comunidade e, além disso, era um pouco artista, pois sempre cantou em corais. Teve uma época que cantava em três corais, um na cidade de Encantado e dois nos arredores, porém não era de ficar cantarolando na rotina do dia-a-dia.

Infância – Desse período da infância e adolescência, lembro da preservação da vida familiar. A relação com os meus avôs era tradicional. Como dito, meus pais são naturais da cidade de Roca Sales e todos os domingos eram reservados para visitar os avôs. Atravessávamos o rio Taquari de barca, porque não existia ponte que ligasse os municípios. Então, todo final de semana vivenciávamos uma mistura de diversão e apreensão. Ao mesmo tempo em que nos divertíamos com o passeio, sentíamos medo porque enchiam a barca de carros. Chegando ao município, primeiro visitávamos a família do meu pai, no interior, e, em seguida, passávamos à tarde na casa da família da minha mãe, na cidade. Nessa época, o convívio com os primos era muito interessante e divertido.

Estudos - Estudei sempre em Encantando, no Colégio Madre Margarida e depois no Ginásio Estadual de Encantado, único existente na época. Cursei o segundo grau na Escola São Pedro, também no município.

Sonho de independência x faculdade – Quando fiz o vestibular, não sabia muito qual caminho seguiria no futuro. Durante o período que cursei a faculdade, trabalhei no então Banco Sul Brasileiro, que posteriormente transformou-se em Meridional. Em Encantado, já trabalhava como bancária e, meses depois que ingressei na Unisinos, fui transferida para uma Agência de Canoas. Lembro que vim morar para São Leopoldo numa situação bastante difícil, com pouca estrutura, praticamente não conhecia ninguém na cidade. Talvez, na época, meus pais não compreenderam direito o que significava uma mudança dessas para uma jovem, em termos de infra-estrutura necessária. Instalada na cidade, fui aos poucos construindo um estilo de vida diferente da que eu estava acostumada, que envolvia mais responsabilidades. Foi um período muito bom, de aprendizagens, do surgimento de novas amizades, das quais até hoje são mantidas.

Curso de Relações Públicas - No final do curso de Relações Públicas começou a despertar o desejo de desenvolver trabalhos com cooperativas, inclusive o tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC foi voltado para pensar em instrumentos de comunicação para um público rural. Nesse período, comecei a me enxergar trabalhando na mesma cooperativa em que meu pai trabalhou, na cooperativa de Encantando, no setor de comunicação e educação. Então, projetando esse futuro, dois semestres antes de concluir a graduação, pedi demissão do banco. Assim, finalizei a faculdade desempregada, com a perspectiva de voltar para minha cidade natal. Quando me formei, retornei para o município e não consegui trabalhar lá. Lembro que foi uma decepção grande.

Trajetória profissional - Voltei a São Leopoldo com a expectativa de que teria maiores oportunidades, já estava acostumada com outra realidade, tinha feito novas amizades. Nesse retorno, enfrentei dificuldades porque estava desempregada e não encontrava nada na minha área. Fui trabalhar, então, em uma empresa calçadista, onde fiquei por seis meses. A jornada iniciava às 7h e acabava no final do dia, por volta das 18h30min. Foi uma experiência diferente. Depois desse emprego, minha meta era ter a experiência de trabalhar em uma multinacional. Consegui, então, um emprego na Oxigênio do Brasil, em Porto Alegre. Fui contratada como assistente de diretoria, mas na verdade atuava como secretária. O ambiente de trabalho era terrível, com pressão diária, mas foi um lugar onde aprendi bastante. Depois de um ano, me decepcionei com as multinacionais e iniciei um novo trabalho, no Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de São Leopoldo, que atendia inclusive funcionários da Unisinos e funcionava na antiga sede da universidade. A partir daí, comecei a observar a Unisinos de outro jeito. Eu ia com frequência no Centro de Documentação e Pesquisa -CEDOPE, principalmente na biblioteca. Lembro de vários cartazes afixados sobre cooperativismo na América Latina e no Caribe.

Carreira na Unisinos - Um dia, a Bernadete (já falecida), que trabalhava na biblioteca, com quem eu conversava bastante, me avisou que tinha uma vaga para secretaria no CEDOPE. Participei da seleção e fui contratada. Com o tempo, passei a enxergar outras áreas, ligadas principalmente aos movimentos sociais, e também a compreender a importância do trabalho que o CEDOPE desenvolvia academicamente sobre o cooperativismo. Teve um tempo, quando estava trabalhando no CEDOPE, que a cooperativa de Encantando então me convidou para trabalhar lá. Esse foi um dilema para mim, porque fiquei com muita dúvida, mas optei por continuar na Unisinos, apostar nos estudos e buscar alternativas financeiras para poder sobreviver com condições mais adequadas.
O CEDOPE foi um lugar que me abriu muitas portas, onde tive muitas oportunidades e incentivo. Um ano após ter entrado lá, fiz uma especialização em cooperativismo e, em seguida, comecei a ajudar nos cursos de especialização, apoiando as coordenações. Após, assumi a coordenação adjunta e, posteriormente, quando já tinha mestrado, coordenei, por um tempo, estes cursos. Teve tempos que a universidade tinha dificuldades de entender isso, o meu envolvimento, até porque eu não era professora e estava desempenhando essa atividade.

Em 1992 fiz a seleção para professora e num primeiro momento dei aulas para o curso de secretariado. Trabalhei um ano e meio nessa área, até o momento em que surgiu uma vaga para ser professora no curso de Relações Públicas. Lembro que o semestre já tinha iniciado, e eu assumi uma disciplina de Relações Públicas e Recursos Humanos. A partir daí comecei a lecionar no curso e, algum tempo depois, abandonei a área de secretariado. No ano de 1999, conclui o meu mestrado em Comunicação, na Unisinos, onde desenvolvi uma dissertação voltada à comunicação nas cooperativas. Depois do mestrado assumi outras atividades, como a Coordenação da Extensão do Centro de Ciências Humanas e também tive a possibilidade de trabalhar, por um ano e meio, como pesquisadora na universidade.

Transição na universidade – A Unisinos passou por várias transformações. Nessa transição começou a se estruturar o IHU, e o CEDOPE foi abarcado nesse novo projeto. Quando o Instituto se formou, ele trouxe projetos que eram desenvolvidos pelo CEDOPE, Pastoral e disciplinas do Humanismo Social Cristão. Lembro que, nessa passagem, o padre José Ivo Follmann estava empenhado em montar o regimento interno do IHU e solicitou que eu assumisse a coordenação adjunta do IHU. Esse foi um período difícil no sentido de começar algo novo na universidade, sem uma perspectiva definida do que iria acontecer. Muitas das atividades que chegaram no IHU começaram a ser reestruturadas, e o Instituto teve o papel de repensar tudo o que assumiu; muitos projetos foram sumindo nessa reestruturação. Isso demonstra que também houve um enxugamento de projetos e de pessoas.

Algum tempo depois deixei a coordenação adjunta. Assumi, então, a coordenação do Programa Publicações, as atividades na área de RP - talvez de uma forma simplória -, e a organização dos simpósios do IHU, além da coordenação do programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários – Tecnosociais, uma incubadora de empreendimentos de economia solidária, programa anteriormente vinculado ao IHU, mas hoje diretamente ligado a Diretoria de Ação Social da Universidade. Foi nesta época que também iniciei o doutorado em educação.

Doutorado – A conclusão do doutorado foi um momento de muita alegria, pois, por vários motivos, em algum momento, achei que não conseguiria, ou até que levaria mais tempo para conseguir concluí-lo. O período do doutorado foi para mim muito importante, de amadurecimento intelectual e, principalmente, de descobertas. O seu término simbolizou o vencimento de mais uma etapa, para mim, grandiosa.

Unisinos – A Unisinos é uma instituição séria, organizada, que prima pela excelência e que mesmo em tempos de crise exercita com clareza a sua missão de ser universidade. E é neste sentido que me sinto comprometida. Além disto, é onde fiz minha formação e solidifiquei minha carreira profissional.

IHU – É difícil falar do IHU quando se vive o IHU. Historicamente, ele já passou por várias fases, mas em nenhum momento afastou-se do seu propósito e jeito de ser. O Instituto está sempre em movimento e é nesta ebulição que ele busca realizar um de seus grandes desafios, que é o de ser fronteira. Em suas diferentes iniciativas, traz subsídios para a construção e/ou desconstrução de conceitos e provocar análises e reflexões sobre temas que levem a pensar uma sociedade mais humana, justa e solidária. Neste sentido, complementa os propósitos da Universidade. Além disto, posso dizer que trabalhar no IHU é aceitar desafios, é estar alerta e “antenada” o tempo inteiro, é estar disponível para vivenciar a sua dinamicidade. Aliás, acho que este é o “estilo IHU”!

Independência x Família – A família é um eixo, nos mostra alguns caminhos, nos acolhe nas dificuldades e também nos proporciona alegrias. Continuo muito apegada à minha família, temos uma relação de união e companheirismo. Isso reflete o jeito de como meus pais nos educaram.

Sempre fui independente e o fato de eu sair de casa cedo mostra também uma coragem e um filete de querer essa independência. Mas essa não é uma independência solitária, no sentido de querer ser independente de tudo. Eu posso administrar a minha vida, mas isso inclui outras pessoas. Tenho muitos amigos, pessoas que considero especiais, como, por exemplo, a turma que construí ao longo da faculdade, com os quais tenho uma convivência intensa e fraterna. Ainda tenho meu ritual de ir para Encantando. Enquanto minha mãe estiver viva, penso que tenho de abraçá-la ao máximo. Também nos falamos por telefone com frequência e quando acho que preciso desse afeto, corro para lá.

Lazer – Nos últimos tempos, a opção pelo doutorado me tirou muito espaço de lazer. Sempre gostei de cinema, bate-papo com amigos, receber pessoas na minha casa. Também gosto de ler, passear, fazer caminhadas. Estou retomando essas atividades, agora com mais frequência. A vida não é só o estudo, o trabalho; ela tem outros momentos, necessita de um equilíbrio, de um espaço saudável, de distração, de apreciação e de convivência com o que está ao nosso redor. Também gosto muito de viajar. Durante esse período na universidade, viajei muitas vezes a trabalho. Conheci muitos lugares na Europa, na América Latina, no Brasil como um todo. Tenho planos de viajar mais nas férias e nos finais de semana.

Sonho – Gostaria de ver um mundo melhor, mais justo, mais ético. Também tenho minhas metas de vida, de convivência. Não busco coisas materiais, mas formas de me sentir inteira na vida. Desejo outras realizações além das que encontro no trabalho que faço, ou seja, coisas que são relativas ao ser humano.

Religião – Fui criada em uma família muito religiosa. Meus pais sempre foram católicos praticantes e compromissados com a igreja. Com o tempo, fui tentando encontrar meu lado espiritual sem a necessidade de ter de frequentar a missa todo domingo. Faço a minha reflexão, rezo, agradeço, sem sentir essa obrigatoriedade. Acredito que posso fazer isto, vivenciar valores ligados à religião ou sentir Deus em diferentes espaços, inclusive no trabalho que faço.

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