Edição 306 | 31 Agosto 2009

IHU Repórter - Edelberto Behs

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

Coordenador do curso de Jornalismo da Unisinos desde 2003, o professor Edelberto Behs abre o livro da sua vida e conta à IHU On-Line os aspectos mais marcantes da sua trajetória pessoal. Saiba mais sobre o pai de Mateus e Micael e de alguém que procurou construir uma ponte entre Teologia e Comunicação, que gosta de pescar, ler, ouvir música e que tem na prática do jornalismo um prazer que transcende os muros institucionais. Confira a entrevista.

Origens – Nasci em Lajeado, em 1949. Meu pai era sócio de uma empresa da cidade que vendia jóias, óculos e relógios. Meu avô, pai da mãe, tinha uma loja, na cidade vizinha de Estrela. Quando meu pai casou com minha mãe, ele comprou um quarto da loja do meu avô e se associou a ele. Nessa loja, eles vendiam de tudo: jóias, calçados, relógios, tecidos, confecções, cobertores, porcelanas... Ou seja, era uma loja, guardadas as proporções, de departamento do interior. Nós morávamos ao lado da loja e lembro que, quando criança, ficava “peruando” para ver as novidades trazidas pelos viajantes. Até hoje tenho essa característica, gosto de passear nos shoppings, nas ruas para ver vitrines.

Família – Conheci minha mulher em Estrela. Sou de família evangélica-luterana e minha mulher, Anelise, é católica, o que na época, de avanços ecumênicos pouco solidificados, era um problema. O pai dela era muito ligado à Igreja e solicitou uma autorização a Dom Vicente Scherer  para que pudéssemos então casar no templo luterano. Casamos, mas cada um continuou seguindo a sua religião. Nessa época eu já trabalhava em São Leopoldo e nos mudamos para a cidade. Temos dois filhos: Mateus tem 30 anos, estudou na Unisinos e, quando nos mudamos para Joinville, ele ficou morando com meus pais, em Estrela. O Micael tem 26 anos, começou a estudar jornalismo em Santa Catarina e terminou o curso na Unisinos. Ele era bolsista do professor Antonio Fausto Neto  e um dia resolveu fazer um projeto de mestrado, foi aprovado e agora está lecionando na Univates  e também é assessor de imprensa da Escola Superior de Teologia, aqui de São Leopoldo. 

Formação – Esse percurso começou em Estrela, no jardim de infância do Colégio das Irmãs. Cursei o primário e o ginásio no colégio Martin Luther, também na cidade. Em 1963, fui estudar no Instituto Pré-Teológico, no Morro do Espelho, em São Leopoldo. Fiquei na cidade até 1965 e em 1966 voltei a Estrela para terminar o científico. Fiz vestibular para Arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mas nunca consegui superar, em três tentativas, a barreira do desenho livre, então exigido nas provas. Decidi, pois, começar Teologia em São Leopoldo e no ano seguinte passei a estudar também Jornalismo na Famecos. Sou bacharel em Teologia, integrei o quadro de pastores da Igreja Evangélica Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), mas na qualidade de jornalista. Três anos depois, pedi desligamento do quadro de pastores. A IECLB sempre pautou o ecumenismo. Lembro do professor de grego e de filosofia, pastor Bertholdo Weber.  Ele e o padre Laufer foram pioneiros no diálogo ecumênico, entre luteranos e jesuítas do Seminário Cristo Rei, e isso bem antes do Concílio Vaticano II. Sempre estive bastante integrado na área ecumênica, seja com protestantes históricos, seja com católicos.

A vertente pelo jornalismo surgiu em casa. Na hora do almoço, acompanhava as notícias do Repórter Esso, programa da Rádio Farroupilha que meu pai sintonizava diariamente no horário do meio-dia. Eu admirava estrelenses que trabalhavam no rádio, seja na emissora local, a Rádio Alto Taquari, seja em emissoras da capital, como a Guaíba e a Farroupilha. Também acreditava, na época, que através do jornalismo poderia mudar algumas coisas no mundo. Mas foi a Teologia que me abriu os olhos para a dimensão social, para a importância da justiça na construção da paz, para o socialismo de Jesus. Procurei fazer uma ponte entre Teologia e Comunicação. Eu lia aquelas histórias de profetas, como Natã, que apontou o dedo para Davi, culpando-o da morte de Urias. O rei mandara o seu oficial à frente de batalha para ficar com a mulher dele, Bate-Seba. Ou o profeta Amós, que alertou as mulheres de Samaria, a quem comparou com as gordas vacas de Basã. “Vocês maltratam os necessitados, exploram os pobres e ficam sempre pedindo aos maridos que lhes tragam mais vinho para beber”, denunciou. Bom, era a “novela” da época. Achei, então, que jornalismo tinha muito a ver com profetismo, não no sentido de prever o que vai acontecer, mas no de denúncia.

Trajetória profissional – Fiz um ano de estágio no Jornal Evangélico, da IECLB, e depois de formado no jornalismo assumi o cargo de redator. Sempre fui muito inquieto e achava que tinha de fazer mais coisas. Trabalhava comigo na época a Christa Berger.  Ela me disse que tinha uma vaga no jornal Folha da Manhã, jornal da Caldas Júnior. Eu me apresentei, fiz uma entrevista e me contrataram. Assim, passei a trabalhar nesses dois veículos. Depois trabalhei na Folha da Tarde e no Jornal do Brasil. Minha vida era uma loucura: acordava às 6 horas, trabalhava das 7h até o meio dia, almoçava correndo, pegava um ônibus às 13h para chegar no jornal às 14h. Dependendo da situação, voltava para casa às 19h, às 21h. Enquanto editor do Jornal Evangélico, tive a oportunidade de viajar por países da América Latina, América Central, África, Estados Unidos e Europa. Também foi lá o espaço no qual mais aprendi da profissão, porque, além de editor, a gente era repórter, diagramador, fotógrafo, secretário gráfico. Ainda assim, aquela inquietude voltou a me atacar e passei a buscar novas oportunidades. Passei a trabalhar, então, no Diário do Sul, um jornal vinculado à Gazeta Mercantil, fiz assessoria de imprensa para a IECLB e mais tarde para o Consulado Geral da República Federal da Alemanha, na capital gaúcha. 

Pós-Graduação – Essa trajetória no jornalismo sofreu uma guinada de 180º quando fui convidado, em 1998, a assumir a direção do curso de Comunicação Social que o Colégio Bom Jesus, de Joinville, passou a implantar naquele ano. Fui responsável pela montagem dos estúdios de rádio e de televisão, do laboratório de fotografia, dos laboratórios de informática e pela contratação de professores. Esse foi um período extremamente desafiador. Quando passei a exercer a função, a direção geral do Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina (Ielusc) pediu que eu fizesse pós-graduação. Acabei cursando mestrado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Com um corpo docente estruturado, qualificado e engajado na proposta do curso senti, depois de um tempo, que o Instituto não tinha condições de evoluir por causa de uma direção geral muito amadora. Comecei a pensar em alternativas. Quando começamos o curso lá, trazíamos professores de Porto Alegre e entre eles estava Jacques Wainberg, ex-professor da Unisinos. No dia do aniversário dele, em fevereiro, telefonei para cumprimentá-lo e ele me disse que a professora Ione Bentz  estava procurando um coordenador para o curso de Jornalismo da Unisinos. Eu conhecia a Ione de Estrela, telefonei para ela e combinamos, na semana do carnaval, de nos encontrarmos na praia. Conversamos e ficou combinado que eu deveria visitar o então as instalações do curso e conversar com a então direção do Centro 3. Assim também ocorreu, e combinamos que em uma semana daria uma resposta se retornaria a São Leopoldo. Decidi, então, em 2003, aceitar mais esse desafio e assumi a coordenação do curso de Jornalismo.

Autor - Zygmunt Baumann, Eduardo Galeano, Gabriel Gárcia Márquez, Elio Gaspari.

Livro – A infiel, de Ayaan Hirsi Ali, A coragem de ser, de Paul Tillich.

Filmes – Vermelho como o céu, As mulheres de Rosenstrasse, Um grito de liberdade, A garota do brinco de pérola. Filmes estão muito relacionados a momento. Também gosto de documentários.

Nas horas livres – Ler, escutar música, pescar, conversar com colegas e amigos.

Um sonho – Conhecer a Turquia e a Grécia.

Política brasileira – Estou decepcionado com a política. Esperava mais do PT. O partido, desde sua criação, primava pela ética, pela moralidade. Depois que assumiu o poder perdeu a aura e passou a articular a política como sempre se fez nesse país. A mesma decepção sinto em relação ao governo do RS, com a situação do Sarney no Senado. Essas pessoas deveriam ter a hombridade de dizer “estou deixando o cargo para que possam investigar com toda a tranquilidade” os fatos. Não sei que poder tem essa tal da mosca azul que pica as pessoas e tanto as amarra ao poder. Está faltando coerência na política. 

Unisinos – Identifico-me completamente com a missão e a visão da Unisinos. Trata-se de uma instituição séria, que busca a excelência, reconhecida no país. Ela é uma instituição de caráter público, comunitária e confessional, o que é muito diferente de uma instituição privada e particular, cujo fim é o lucro com a educação. Esse DNA da Unisinos deve ser ressaltado.

IHU – É um esteio na Unisinos e faz um trabalho maravilhoso. Lamento não poder acompanhar mais as ofertas de eventos, palestras e publicações do Instituto. Dentro da universidade ele tem um papel fundamental, principalmente no que se refere à importância de reafirmar as humanidades. 

O jornalismo no Brasil hoje – Avançou muito nos últimos anos e isso se deve, também, às faculdades de Comunicação. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 17 de junho, de eliminar a exigência do diploma para o exercício profissional é um retrocesso que terá reflexos na sociedade. Li na revista Imprensa, de agosto, que o MEC classificou a pedagogia, o direito, a medicina e o jornalismo como as quatro formações fundamentais para a democracia do país. É complicado, então, entender o posicionamento do ministro Gilmar Mender, relator do processo, que derrubou uma conquista de 40 anos. Acredito que essa decisão ainda vai gerar muito imbróglio. O jornalista era o único profissional que tinha assegurado na Constituição o direito de manter o sigilo da fonte. Nem advogado tem essa prerrogativa. Num debate que teve a participação do deputado Paulo Pimenta, do PT do Rio Grande do Sul e autor de PEC que restaura a exigência do diploma, ele relatou que no Rio de Janeiro o pessoal do crime organizado buscou informações a respeito dos encaminhamentos para ser reconhecido como jornalista. Passados mais de 70 dias da decisão do STF, até agora o acórdão não foi publicado. Assim, sequer sabemos o que, afinal de contas, o STF decidiu além da não-obrigatoriedade do diploma. Nas conversas em sala de aula com estudantes – e todos os professores e professoras o fizeram – argumentamos que isso não é o fim do jornalismo e nem do jornalista. As empresas continuarão contratando jornalistas formados, e seriam muito atrasadas se não o fizessem. Temos que ganhar essa parada pela qualidade e é preciso mostrar que os egressos da faculdade fazem a diferença. 

ALC – Um jornalista, independente da função que executa, é sempre um repórter. E eu procuro, na medida das minhas possibilidades, continuar o exercício da profissão através da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação, fazendo a edição online da parte em português. Não tenho o tempo que gostaria para me dedicar com mais fôlego à tarefa, mas continuo redigindo notícias, comentários, entrevistas, todos os dias. Essa é uma prática saudável para não perder o pique, ficar atento aos movimentos no mundo e fazer as leituras de realidades.

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