Edição 306 | 31 Agosto 2009

Movimento Tradicionalista Gaúcho na consecução do direito à cultura

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Patricia Fachin

No tradicionalismo, o mais importante é a possibilidade de convívio social baseado em valores de grupos locais, como “a confiança, o mutirão, o compadresco e a participação familiar”, assinala Manoelito Carlos Savaris

“O MTG é um movimento conservador! Ele trabalha com tradição, com folclore, com princípios consagrados no mundo ao longo da história da humanidade”, frisa Manoelito Carlos Savaris, presidente do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore do Rio Grande do Sul e mestre em História. Embora seja conhecido por manter as tradições, explica Savaris, o MTG não está isolado do processo evolutivo. As mulheres, por exemplo, que antigamente desempenhavam apenas atividades domésticas, estão incorporadas em “tarefas de gerência e mando (...). Como acontece em nossas casas, as mulheres dividem o mesmo espaço de direção dos homens e esses passaram a contribuir nas tarefas ‘domésticas’ de uma forma efetiva e natural”. Em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Savaris, lembra que o sucesso dos CTGs está naquilo que ele oferece aos participantes: convivência harmoniosa. Ele explica: “No CTG, a família convive pacificamente. É isso que atrai as pessoas, assim como as regras de convivência em que o respeito é fundamental”.

Savaris estará no Auditório Maurício Berni, na Unisinos, na próxima quarta-feira, 02-09-2009, às 20h, apresentando uma palestra sobre o papel do Movimento Tradicionalista Gaúcho na consecução do direito à cultura e valorização da identidade regional.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é o papel do movimento tradicionalista gaúcho na consecução do direito à cultura e valorização da identidade regional?

Manoelito Carlos Savaris - Por se tratar de uma iniciativa popular, o movimento tradicionalista gaúcho democratiza naturalmente o acesso à cultura típica sul-rio-grandense, não somente dando oportunidade de o cidadão ser expectador - como na maioria dos casos -, mas de ser protagonista, ou seja, nos CTGs, as pessoas fazem cultura, praticam, no dia-a-dia, as atividades atinentes à cultura regional. A questão da valorização da identidade regional está inserida no contexto. Por se tratar de espaço democrático de prática da tradição, há naturalmente a reprodução de elementos que valorizam a identidade regional, seja nos usos e costumes, seja nos princípios e valores.

IHU On-Line - Como o estilo de vida tradicionalista é cultivado entre os gaúchos?

Manoelito Carlos Savaris - Trata-se de uma escolha de convivência social. Os CTGs são locais de convivência harmoniosa entre as gerações, isso implica em participação familiar integral. Não há atividade que exclua pela idade ou pelo sexo. Os tradicionalistas são cidadãos comuns que acreditam na força e no valor dos aspectos tradicionais, o que não significa desconhecer, rejeitar ou relegar o uso da tecnologia, da comunicação, de ferramentas avançadas etc.

IHU On-Line - É possível seguir, nos dias de hoje, o tradicionalismo como um estilo de vida? Ou ele adquiriu, ao longo dos anos, um caráter mais festivo?

Manoelito Carlos Savaris – A festa, a comemoração, a atividade lúdica, os rodeios, os fandangos fazem parte do sistema como forma de estímulo à participação. Porém, o mais importante e o que realmente interessa é a possibilidade de convívio social calcado em valores próprios dos grupos locais como a confiança, o mutirão, o compadresco e a participação familiar.

IHU On-Line - Como compreender a participação das mulheres no MTG tendo em vista as mudanças sociais ocorridas ao longo dos anos e a amplitude concedida às mulheres na sociedade?

Manoelito Carlos Savaris - Por se tratar de uma iniciativa social de base, o MTG incorporou as mulheres em tarefas de gerencia e “mando”, tal qual ocorreu na sociedade brasileira a partir do aprofundamento da industrialização. No início do movimento, as mulheres cuidavam de tarefas "domésticas" dentro dos CTGs. Hoje, porém, como acontece em nossas casas, as mulheres dividem o mesmo espaço de direção dos homens e esses passaram a contribuir nas tarefas "domésticas" de uma forma efetiva e natural.

IHU On-Line - O MTG é considerado por muitos como um movimento conservador. O senhor concorda com essa ideia? Em que medida o MTG reflete aspectos da sociedade gaúcha? 

Manoelito Carlos Savaris - O MTG é um movimento conservador! Ele trabalha com tradição, com folclore, com princípios consagrados no mundo ao longo da história da humanidade. Isso não significa isolamento ou exclusão do processo evolutivo. A incorporação de novos conceitos (em todas as áreas) se dá de forma lenta, gradual e com a garantia de que essa incorporação não venha destruir ou distorcer a tradição (tradição tida como o ato de transferência de valores, crenças, princípios, usos, hábitos e costumes de uma geração para outra).

IHU On-Line - Como o senhor vê o duelo entre o tradicionalismo e os grupos representados pelo tchê music, por exemplo?

Manoelito Carlos Savaris - As coisas são tradicionais não porque alguém quer que elas sejam, mas porque se mantêm imutáveis na passagem de uma geração para outra. A questão da música se enquadra nesse conceito. Quando alguém toma um ritmo ou um gênero musical tradicional e o altera com a inclusão de outros gêneros e ritmos "importados" de culturas diferentes, estará fazendo uma nova música que pode ter semelhança com a música tradicional, mas não mais poderá ser qualificada como tal.

IHU On-Line - Como entender a disseminação dos MTGs pelo mundo? A que o senhor atribui tanta popularidade?

Manoelito Carlos Savaris - O segredo está no que o CTG oferece ao ser humano. Uma das necessidades psicológicas mais importantes do homem moderno que quer ser social é a de convivência harmoniosa entre avós, filhos e netos. No CTG, a família convive pacificamente. É isso que atrai as pessoas, assim como as regras de convivência em que o respeito é fundamental. A hierarquia e a disciplina também ajudam. As questões da tradição e do folclore são ganhos paralelos.

Leia mais...

>> Sobre o tradicionalismo gaúcho, leia as seguintes entrevistas no sítio do IHU: 

* Historicamente, o Rio Grande é multicultural e multi-étnico. A íntegra do Manifesto contra o Tradicionalismo, publicada nas Notícias do Dia de 16-04-2007;

* O Movimento Tradicionalista Gaúcho em discussão. 'A missa crioula é uma ode ao mundo estancieiro'. Entrevista com Tau Golin, publicada nas Notícias do Dia de 16-04-2007;

* Uma conversa sobre gauchismo, Sepé Tiaraju e Simões Lopes Neto. Entrevista com Agemir Bavaresco e Luís Borges, publicada nas Notícias do Dia de 22-09-2006;

* Pelos caminhos do gauchismo. Entrevista com Maria Eunice Maciel, publicada nas Notícias do Dia de 14-09-2006;

* Ser Gaúcho em tempos de globalização. Revista IHU On-Line número 35, de 16-09-2002;

* A invenção do gaúcho. Revista IHU On-Line número 75, de 15-09-2003.

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