Edição 305 | 24 Agosto 2009

Socioanálise e intervenção nas cidades: cultivando entornos

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Eduardo Andrés Vizer

Coluna do grupo de pesquisa CEPOS

A Modernidade gerou processos de expansão espacial (ocidentalização, globalização, mundialização) e de aceleração crescente do tempo. Tempos regulados primeiro por relógios mecânicos, logo elétricos e finalmente por meio de dispositivos cibernéticos de controle; estes últimos não só da produção e da circulação dos processos econômicos, como também das relações
e práticas da vida cotidiana. Temos deixado de viver em ambientes naturais. Nossos ambientes são construídos industrialmente, mantidos e controlados por dispositivos que geram uma Cultura Tecnológica. Os processos de informação e de comunicação estão transformando as relações com nossos ambientes sociais, culturais, simbólicos e imaginários. Não somente se transformam as realidades materiais e as práticas sociais, como também nossas percepções do meio ambiente e da realidade, mediatizadas pelos meios de comunicação e por dispositivos de produção e acesso às informações. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) sustentam uma infraestrutura sobre a que se constroem as bases para a formação de novos processos de relacionamento social (como as redes sociais), a formação e recriação de vínculos e representações de todo tipo, assim como os sentidos e valores da cultura, ou seja, estruturas fundamentais para o que chamamos de capital social. 

Podemos dizer que nossa modernidade tardia se reconstrói e se mantém tanto através de tecnologias como por meio das representações sociais que temos sobre nossos ambientes físicos. E estes são regulados tanto através de dispositivos informacionais como simbólicos. Nossos ambientes e cidades estão construídos por meio de trabalho tanto físico como intelectual, e pelos usos que a sociedade e os indivíduos dão às tecnologias. Nossos entornos ambientais são “cultivados” por todos nós, seja de modo consciente ou inconsciente. As cidades, comunidades, bairros e até nossas moradias particulares são organizadas e cultivadas – bem ou mal - pelo que fazemos nelas, com elas e dentro delas. Cada um de nós – ou cada família - elege o modo como são organizados nossos lares e, coletivamente, até nossas cidades. Organizamos as moradias como cultivamos nossos jardins: alguns os abandonam, outros somente regam a grama e outros cultivam flores ou até mesmo plantas comestíveis. Mas, o segredo de um bom entorno ambiental – desde o próprio lar até o bairro - encontra-se no valor e no sentido que atribuímos ao que é percebido e vivido como “nosso”. Esse termo não implica uma posse de objetos ou de entorno, senão uma compreensão de que estamos permanentemente construindo – cultivando - nossos ambientes. O “nosso” implica a consciência e a responsabilidade sobre nossas ações – e inércias - na re-construção dos entornos.   

Barbero (2008, p.18) comenta o exemplo da campanha exitosa, realizada para a transformação de Bogotá por Mockus, candidato a prefeito no ano de 1995: “o tema de governo de Mockus era formar cidade. Esse tema significava três coisas: a verdadeira forma de uma cidade não é dada por suas arquiteturas ou seus engenheiros, mas pelos cidadãos. Para isso, os cidadãos devem se reconhecer na cidade. Esses dois processos se apoiam um no outro, para tornar visível a cidade como um todo, ou seja, em sua condição de espaço/projeto/tarefa de todos. Buscou-se mudar o foco de visão para que as deficiências deixem de ser percebidas como um fato isolado e inevitável, e passem a ser vistas como característica de uma figura deformada em seu conjunto” (...), e foi assim que a cidade começou a tornar-se visível, com uma série de estratégias comunicativas de ruas e lugares públicos, provocando os transeuntes a observar e ver. 

Devemos fazer a diferença entre as tecnologias de engenharia que constroem os objetos e os entornos físicos que habitamos e as tecnologias dos processos de informação e comunicação que mediatizam as relações entre os atores sociais, as instituições e as representações simbólicas, tanto em nível macrossocial como subjetivo. Somente assim se logra dar um novo significado e valor ao espaço geográfico que nos circunda: desde a cidade, o bairro e o lar. 

Socioanálise, diagnóstico e transformação social 

Para iniciar um projeto de intervenção/transformação em uma comunidade, devemos começar por saber não como a mesma é, mas sim como “funciona”, como se inter-relacionam seus membros e como a mesma se reproduz. Segundo a metodologia de Socioanálise, devemos conhecer as formas de trabalho e as práticas de uma sociedade, de acordo com diferentes ‘dimensões’ de análise, a saber: a) as técnicas e tecnologias (o trabalho como ação instrumental); b) a organização política se dá através de instituições organizadas tanto em forma “vertical” (poder, representação e decisão); assim como c) formas “horizontais” de mobilização (normas e valores de pertencimento, igualdade e diferença); d) vínculos de afetividade e “continência” (família, amizade, amor e reprodução); e) Uma distribuição do espaço e das práticas sociais em tempos regulados (trabalho, circulação, ócio); f) Por último, devem-se conhecer os processos simbólicos e imaginários pelos quais os cidadãos reconstroem as representações sociais de sua ‘ecologia’ sociocultural. Ou seja, pesquisar a comunicação como processo fundamental onde as narrações, cerimônias e rituais articulam e certificam a coerência – ou ao menos certa congruência - entre o mundo “objetivo” e as percepções subjetivas. Uma ecologia simbólica (crescentemente mediatizada e virtual) que recria as relações entre os indivíduos e os processos coletivos em cada um dos aspectos e das dimensões mencionadas.

Intervir sobre as dimensões de reconstrução de uma comunidade a fim de modificá-la, implica tomar conhecimento dos processos e das práticas que são desenvolvidas consciente ou inconscientemente. Consciência de que uma comunidade está realmente “reconstruindo” de forma coletiva seus ambientes, entornos e modos de vida. Para o “êxito”, é indispensável produzir uma transformação nos modos de perceber os entornos, e a própria relação com eles. Isto é o que propomos com a metodologia de Socioanálise.

Referências:

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Novas visibilidades políticas da cidade e visualidades narrativas da violência. In: COUTINHO, Eduardo Granja (org.). Comunicação e contra-hegemonia: processos culturais e comunicacionais de contestação, pressão e resistência. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2008.

VIZER. Eduardo A., La trama (in)visible de la vida social: comunicación, sentido y realidad. 2. ed. Buenos Aires: La Crujía, 2006. Próxima versão em português a ser publicada pela Editora Sulina.  

_________. Midiatização e (trans)subjetividade na cultura tecnológica. A dupla face da sociedade midiatizada. In: FAUSTO NETO, Antonio (org.); GOMES, Pedro Gilberto (org.); BRAGA, J. L. (org.); FERREIRA, Jairo (org.). Midiatização e processos sociais na América Latina. São Paulo: Paulus, 2008.

 __________. Investigar en comunicación. Teorías y estrategias de intervención y socioanálisis. Buenos Aires: La Crujía, (no prelo, para ser editado).

VIZER, Eduardo Andres . Paradigmas y estilos de conocimiento. Revista Eletrônica da Universidade Federal da Bahia, Bahia, p. 1 - 23, 02 nov. 2005.

 __________. Socioanálisis, acción colectiva e intervención social estratégica. Savia No. 5. Public. Dept. Trabajo Social. Universidad de Sonora, México, 2008.

* Eduardo Andres Vizer, Instituto Gino Germani, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade de Buenos Aires e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.; é doutor em Sociologia. Tem quatro pós-doutorados pelas seguintes instituições:

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, University of Massachusetts at Amherst - UMass, Universidade de Bonn e Mc Gill University, Montréal. CNPq. categoria 1, Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) Universidade Federal Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente é Professor Consultor (emérito) da Universidad de Buenos Aires - UBA, professor titular da Universidade Nacional de La Pampa, Professor Visitante da Universidade Católica da
Argentina - UCA. É autor de nove livros.

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