Edição 305 | 24 Agosto 2009

Uma análise sociológica do direito

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Graziela Wolfart

Na opinião de Lenio Luiz Streck, professor no PPG em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, a Constituição incorporou em seu texto tudo aquilo que se queria nas décadas de 1970 e 1980. Hoje a luta é concretizar a Constituição e não buscar alternativas a ela, defende ele

“Nesta quadra da história, não é mais possível colocar-se de forma ‘alternativa’ buscando um direito que ‘esteja na rua’ ou, simplesmente, no cotidiano. Vivemos sob a égide de uma Constituição democrática que, aliás, é prenhe em direitos fundamentais”. A contundente opinião é do professor Lenio Luiz Streck, do PPG em Direito da Unisinos. Ferrenho defensor da Constituição Federal, Streck afirma, na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line, que a “luta atual é criar condições para que a legalidade tenha um terreno fértil para produzir seus frutos. Ser crítico hoje é concretizar a Constituição. Em outras palavras, não há mais como falar em direito achado na rua, direito alternativo ou pluralismo jurídico. A Constituição é muito mais avançada que qualquer uma destas bandeiras”.  

Lenio Luiz Streck possui mestrado e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, além de professor da Unisinos, é colaborador da Unesa e visitante da Universidade de Coimbra; presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica; e membro da comissão permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Estado, atuando principalmente nos seguintes temas: direito, hermenêutica, constituição, jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Entre seus livros publicados citamos Hermenêutica Jurídica E(m) Crise (8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008) e Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas - da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito (3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009). Seu site pessoal é http://www.leniostreck.com.br/

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que podemos entender por direito achado na rua? Qual sua origem?

Lenio Streck - Trata-se de um movimento e não uma teoria sobre ou do direito. Seu criador foi o jusfilósofo Roberto Lyra Filho, jurista marxista, que foi uma espécie de ícone das teorias críticas do direito na década de 1970.

IHU On-Line - Qual a fundamentação filosófica do direito achado na rua?

Lenio Streck - Penso que a principal influência filosófica seja a do materialismo dialético, temperado por algumas das teses das teorias críticas frankfurtianas, enfim, trata-se daquilo que, classicamente, era chamado de pensamento de esquerda. De todo modo, embora o próprio Roberto Lyra não admitisse, também havia, mormente nos seguidores do direito achado na rua, uma pitada daquilo que, em teoria do direito, chamamos de “positivismo fático” (por todos, Alf Ross ). Afinal, o corolário do movimento era uma análise sociológica do direito, com o que passavam a depender do ativismo judicial, criando, assim, um parentesco com o direito alternativo. 

IHU On-Line - Que novas perspectivas hermenêuticas da realidade e da lei são apontadas pelo direito alternativo?

Lenio Streck - Você perguntou primeiro sobre o direito achado na rua. Agora, pergunta sobre direito alternativo. Advirto, desde logo, que os dois movimentos tratam de coisas diferentes. Mais do que isso, os dois movimentos possuem matrizes diversas, embora, como já dito, teleologicamente possam apontar para a mesma direção, isto é, os fatos sociais é que determinam a normatividade. Na especificidade, o direito alternativo é um movimento – portanto, também não se trata de uma teoria sobre ou do direito – político, surgido na Itália, nos anos 1970. Mas note-se: na Itália havia por parte dos assim chamados “juízes alternativos”, um ferrenho compromisso com a Constituição, com o que usavam o direito alternativo como uma “instância normativa” contra o direito infraconstitucional e, para isso, usavam a Constituição como um instrumento de correção e filtragem. Já no Brasil, no contexto em que surge o alternativismo, não tínhamos – propriamente – uma Constituição (lembro que vivíamos sob a égide de um regime de exceção, ditatorial). O movimento do direito alternativo se colocava, então, como uma alternativa contra o status quo. Era a sociedade contra o Estado. Por isso, em termos teóricos, era uma mistura de marxistas, positivistas fáticos, jusnaturalistas de combate, todos comungando de uma luta em comum: mesmo que o direito fosse autoritário, ainda assim se lutava contra a ditadura buscando “brechas da lei”, buscando atuar naquilo que se chamam de “lacunas” para conquistar uma espécie de “legitimidade fática”. Achávamos – e nisso me incluo – que o direito era um instrumento de dominação e da reprodução dos privilégios das camadas dominantes. Buscávamos, assim, tirar “leite de pedra”. 

IHU On-Line - Em que medida o direito achado na rua pode ser visto como um instrumento de erradicação da pobreza e de redução das desigualdades?

Lenio Streck - Considerando que há pontos comuns entre o direito achado na rua e o direito alternativo, é possível responder que, nesta quadra da história, não é mais possível colocar-se de forma “alternativa” buscando um direito que “esteja na rua” ou, simplesmente, no cotidiano. Vivemos sob a égide de uma Constituição democrática que, aliás, é prenhe em direitos fundamentais. Para ser mais simples: a Constituição incorporou, em seu texto, tudo aquilo que queríamos nas décadas de 1970 e 1980. Hoje a luta é concretizar a Constituição e não buscar alternativas a ela. Ou seja, para preservação das instituições democráticas – conquistadas a tão duras penas – não cabe hoje falar em uma “legalidade alternativa” ou em “pluralismo normativo”, como, por exemplo, coisas velhas como o “direito da favela” de que falava Boaventura de Sousa Santos. Nossa luta atual é criar condições para que a legalidade tenha um terreno fértil para produzir seus frutos. Ser crítico hoje é concretizar a Constituição. Em outras palavras, não há mais como falar em direito achado na rua, direito alternativo ou pluralismo jurídico. A Constituição é muito mais avançada que qualquer uma destas bandeiras. 

IHU On-Line - Quais os limites e entraves do direito achado na rua? Quais são as principais críticas feitas a ele?

Lenio Streck - A resposta a essa pergunta está entrelaçada com a da pergunta anterior. Como disse, em nosso contexto atual, não faz mais sentido defender bandeiras como o direito achado na rua ou o direito alternativo. Isso pelo simples motivo de que temos uma Constituição democrática compromissória que estabelece as condições para o resgate daquilo que venho chamando de promessas incumpridas da modernidade. Ora, nossa batalha atual passa pela concretização dessas medidas que foram introduzidas pela Constituição que representa o grande marco da legalidade. Não pela construção de espaços alternativos a ela. Pelo contrário, defender um tal posicionamento pode enfraquecer as conquistas democráticas dos últimos anos, na medida em que, ao fim e ao cabo, tais posturas acabam por apostar demasiadamente no poder dos juízes. É por isso que na última edição de minha obra Verdade e Consenso (Lumen Juris, 2009) procuro demonstrar a possibilidade e a necessidade de respostas corretas em direito. Resposta correta entenda-se: adequadas à Constituição.
 
IHU On-Line – Como entra nesse debate a questão da democracia?

Lenio Streck - Até 1988, aqueles que militavam em alguma corrente crítica do direito apostavam numa espécie de “democracia judicial” pela qual se buscava fortalecer as posturas acionalistas acerca do direito. Em termos simples: na ausência de uma democracia “de direito”, apostávamos na vivacidade dos fatos, na infraestrutura que determinasse a superestrutura. E, portanto, queríamos que os juízes não fossem a “boca da lei”. Com a vitória da democracia, não é necessário mais fazer esse tipo de aposta. Aliás, se eu fosse fazer uma escolha, no atual momento, melhor mesmo é que os juízes sejam a “boca que pronuncia a Constituição”.

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