Edição 303 | 10 Agosto 2009

IHU Repórter - Mario Fleig

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Graziela Wolfart

A interface entre a Filosofia e a Psicanálise é algo que perpassa a vida do professor e pesquisador da Unisinos, Mario Fleig. Morando em Porto Alegre com sua esposa Conceição Fleig, ele é muito grato a tudo o que os jesuítas lhe ensinaram e deram de bagagem. Da mesma forma, Fleig sabe agradecer por tudo o que aprendeu com seus alunos e com as pessoas que o procuraram, pedindo ajuda na área da psicanálise. Leia, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line, os pontos mais marcantes da trajetória pessoal do professor Mario Fleig, que é um dos responsáveis pelo Colóquio Internacional A ética da psicanálise: Lacan estaria justificado em dizer “não cedas de teu desejo”? [ne cède pas sur ton désir]?, que acontece esta semana na Unisinos. Confira

Origens - Sou natural de Santa Maria. Somos oito filhos. Eu sou o sétimo. Formamos uma família antiga, numerosa. Meu pai veio da Floresta Negra, Alemanha, para o Brasil em 1930, e minha mãe é originária de Hamburgo Velho. Tive uma educação católica. Meus pais e meus irmãos mais velhos me ensinaram tudo na vida. Aprendi muito com meu pai. Ele era mestre de obras, construtor, e me ensinou algo muito importante. Quando eu fiz minha escolha de vida, na adolescência, ele me fez uma pergunta: “É isso mesmo o que você quer?”. Quando eu disse que sim, ele respondeu “Então, está bem”. Ao passo que minha mãe sempre viu um futuro negro, com uma visão pessimista e temerosa do futuro. Mas isso tem uma explicação. Quando minha mãe era menina (ela nasceu em 1912), os pais dela, meus avós maternos, viajaram para a Alemanha. E ela ficou aqui com os parentes. Quando meus avós estavam lá estourou a Primeira Guerra Mundial. Então minha mãe é marcada por isso. As guerras são marcantes na minha família.  

Escolha de vida – Na adolescência eu tive que fazer uma escolha. Na minha família havia um traço, de empreendedores, especificamente no campo da mecânica, por isso eu pensava em fazer Engenharia Mecânica. Mas havia outro lado, que era o de trabalhar com pessoas. Eu fiz a segunda escolha e fui estudar com os jesuítas. É a eles que devo a minha formação básica. Cursei o científico no seminário em Florianópolis, depois cursei Filosofia e uma parte da Teologia. Foi quando abandonei esse caminho na Companhia de Jesus, mas devo a eles toda a minha base de formação, que é o que fica para toda a vida.

Formação – Comecei meus estudos em uma escola particular, dos maristas, em Santa Maria, mas como eu não estava me sentido muito bem naquele lugar, fui para o colégio estadual da cidade. E foi muito interessante, porque era uma escola mais aberta e naquela época as instituições de ensino estaduais tinham um nível idêntico, às vezes, até superior às escolas particulares. O ensino público era muito forte. Depois ingressei no Colégio Catarinense, em Florianópolis, onde concluí o científico. Em seguida, passei no vestibular para Filosofia na UFRGS, mas naquela época o curso lá havia sofrido muito com as cassações de alguns professores e, em vista disso, resolvi fazer Filosofia na Faculdade Nossa Senhora Medianeira, em São Paulo. Cursei três anos da faculdade de Teologia, na Faculdade de Teologia Cristo Rei, já aqui em São Leopoldo, que era ligada à Unisinos. Parei o curso e resolvi dar continuidade à minha escolha inicial, de trabalhar com pessoas. Formei-me em Psicologia na Unisinos e iniciei meu processo de contraponto à Filosofia em meu trabalho como psicólogo e depois como psicanalista. Hoje trabalho nessa interface entre Filosofia e Psicanálise. Nesse meio tempo, dei continuidade aos meus estudos em Filosofia. Fiz o mestrado em Filosofia na UFRGS, orientado pelo professor Ernildo Stein, e posteriormente continuei sob a orientação dele, na PUC-RS, no doutorado em Filosofia. 

Instituições de referência – Depois de um tempo no trabalho com a psicanálise, me liguei à Associação Lacaniana Internacional, que é minha instituição de referência. Muito tempo depois, mais recentemente, com outros colegas, fundamos a Escola de Estudos Psicanalíticos. Na Unisinos, coordeno o Laboratório de Filosofia e Psicanálise, que promove pesquisa e discussão sobre essa interface entre Filosofia e Psicanálise, desde 2000.   

Carreira de professor e pesquisador – Iniciei minha atividade de professor de Filosofia nas escolas de ensino médio, em São Leopoldo e Porto Alegre. Fui por vários anos professor do Estado. Sou muito devedor ao início do meu trabalho como professor, às escolas que me acolheram. Lembro com muito carinho meus alunos da Escola Estadual de Sapiranga, assim como os meus alunos do Colégio São José, aqui de São Leopoldo, e do Colégio Anchieta, de Porto Alegre. Um belo dia, fui convidado a substituir a professora Silvia Hoppe, que na época estava muito ocupada com a parte jurídica da Unisinos. Solicitaram-me que lecionasse a disciplina Introdução à Filosofia aqui na Universidade, em abril de 1977. Posteriormente, fui assumindo outras disciplinas. Paralelamente, formulava projetos de pesquisa. E alguns deles acabaram resultando em cursos de especialização. Atualmente, minha pesquisa se centra no tema da interpretação que Heidegger faz de Aristóteles. 

Psicanálise - Há um trabalho para mim que é apaixonante, ao lado da pesquisa e da Filosofia, que é o trabalho como psicanalista. Tenho uma paixão pelo trabalho prático e manual, que seria o lado da mecânica, que herdo da minha família, mas sou igualmente apaixonado pelo trabalho com as pessoas. Gosto de analisar as particularidades e o universo de cada um de nós, sempre tão surpreendente.

Colóquio A Ética da Psicanálise – A origem deste colóquio foi uma conversa com o professor e padre William Richardson.  Debatemos uma questão da ética na psicanálise, que é “como é possível que alguém seja responsável – e este ponto é importante, pois toda a ética é de responsabilizar alguém por seus atos – se a pessoa não tem conhecimento do que está fazendo?”. É isso o que Freud propõe, e Lacan também. Essa é a questão de fundo da ética, a partir da descoberta da formulação de Freud de que há um inconsciente. E como alguém pode ser responsável também pelo seu inconsciente? Esse é um paradoxo da ética proposta por Freud. 

Família – Tive um primeiro casamento, do qual nasceram três filhos. São dois rapazes e uma moça e já estão encaminhados na vida. O Gabriel, mais velho, é formado em Administração, trabalha em uma empresa e está voltado mais para a área de marketing, atualmente. O Eduardo se formou em Biologia e atualmente faz o doutorado nessa área. E a Rafaela se formou em Nutrição, e exerce essa atividade. Encontrei na minha vida uma pessoa muito importante, que é minha companheira de lazer, de vida, de trabalho: a Conceição. Ela tem um filho, o Caio, uma pessoa muito especial para mim. Eles fazem minha vida muito feliz e maravilhosa.  

Autor – Guimarães Rosa.

LivroGrande Sertão: Veredas.

Filme Fale com ela, de Almodóvar.

Lazer – Gosto muito de caminhar, nadar e cuidar das minhas plantas.

Um sonho – Construir um Brasil mais habitável no meu cotidiano, menos violento. E que nesse cotidiano possa se preservar o convívio com as diferenças. Meu sonho é poder resgatar o que já tivemos e está se degradando.

O ser humano – Eu tenho muita fé no potencial daquilo que cada ser humano tem de original e surpreendente. Acredito que, para além do mal, além do ódio e da crueldade que habita em cada um de nós, há esse potencial de querer mais e melhor.

Política brasileira – Eu escrevi um livro que me moveu, em parte, no sentido de contribuir com algo para a nossa vida em comum. Chama-se O desejo perverso. O desejo é o que nos move, mas se ele não tiver certas restrições, pode ser mortífero, destruidor. É nisso que eu aposto, que é possível ter uma vida em comum melhor. E essa seria a perspectiva da política. Nós nunca teríamos uma vida em comum isenta, sem o mal. O mal nos ronda. É preciso saber o que fazer com ele, como contê-lo. É isso o que a política precisa: um mecanismo para conter o mal, o que extrapola e destrói a vida em comum. O que se vê com frequência, como a corrupção, o abuso, a arbitrariedade são coisas que precisam de limites. Eu não desespero da vida política. Alguém poderia dizer que não há saída para ela. Mas penso que temos de lutar, mesmo que voltem a ter políticos maus, que não honram o voto que receberam.

Unisinos – Um local onde, mesmo sendo um ambiente de trabalho, me sinto em casa. A Unisinos sempre foi algo absolutamente importante. Sempre me sinto nela muito estimulado ao trabalho e muito gratificado. Eu não me imagino ter que renunciar ou abrir mão da Unisinos.

IHU – Sempre me senti muito convocado a trabalhar junto com o IHU, pela perspectiva que ele mantém, de uma abertura para a diversidade de temáticas, de estar atento aos temas emergentes e atuais, inclusive os considerados “intocáveis”. O IHU mostra uma abertura que raramente se encontra em outras instituições. A Unisinos está de parabéns por poder contar com o IHU.

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