Edição 303 | 10 Agosto 2009

Não ceder de nosso desejo: responsabilidades do dizer e do fazer

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Maria Marta Heinz

“O enunciado Não ceder de nosso desejo”, escreve a psicanalista Maria Marta Heinz em artigo produzido especialmente para a IHU On-Line, “aponta para a questão da responsabilização do que se diz e do que se faz diante do outro, no laço social”

Refletindo sobre o questionamento introduzido por Lacan, ela diz “se pensarmos o desejo como diferente da vontade consciente, mas expresso em nossas ações e palavras, em nossos atos falhos e escolhas, introduzimos em nossa pretensa autonomia sua dimensão ilusória”. E explica: “Não ceder de nosso desejo seria responsabilizarmo-nos pelo que dizemos e fazemos, mesmo que nossos atos e palavras ultrapassem nosso controle consciente ou nossa vontade”. No texto a seguir ela adianta aspectos que serão abordados no Colóquio Internacional A ética da psicanálise: Lacan estaria justificado em dizer “não cedas de teu desejo”? [ne cède pas sur ton désir]?, quando coordenará a mesa 6, com a conferência de Hubert Ricard, O questionamento das aporias da ética.

Maria Marta Heinz possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialização em Cllinicien de l'enfance et de l'adolescence pela Université Paris VII e mestrado em Educação pela UFRGS. Atua como psicanalista na equipe interdisciplinar da Fundação de Atendimento de Deficiência Múltipla (FADEM) e é membro da Escola de Estudos Psicanalíticos (EEP), onde desenvolve atividades de ensino e de pesquisa.

Confira o artigo.

A questão ética que a psicanálise introduziu e em torno da qual sua prática se sustenta é aquela que diz respeito ao ser humano como ser desejante, determinado por sua verdade inconsciente, como Freud nos ensinou. E, ainda, como aprendemos com Lacan, uma ética referente ao parlêtre, sujeito constituído pela linguagem e cuja fala é enunciada de um lugar singular.

O enunciado Não ceder de nosso desejo, parece-me apontar para a questão da responsabilização do que se diz e do que se faz diante do outro, no laço social. Se pensarmos o desejo como diferente da vontade consciente, mas expresso em nossas ações e palavras, em nossos atos falhos e escolhas, introduzimos em nossa pretensa autonomia sua dimensão ilusória. Não ceder de nosso desejo seria responsabilizarmo-nos pelo que dizemos e fazemos, mesmo que nossos atos e palavras ultrapassem nosso controle consciente ou nossa vontade. Ante as contrariedades e os constrangimentos da vida social, ante as leis que a regem, e - como nos fala Charles Melman em relação a uma nova economia psíquica – ante o apelo do consumo e do gozo sem limites, que marcam tão fortemente a sociedade em que vivemos, o sujeito posiciona-se com seu agir e suas palavras e tem responsabilidade, por isso, ante os outros.

Sujeito singular

De acordo com a ética da psicanálise, estamos sempre diante de um sujeito singular e de uma enunciação singular dirigida a outro, e nós mesmos também encontramo-nos nesta posição. Decorre disso uma dissimetria constitutiva na relação entre os seres que têm a linguagem como possibilidade de expressão e de representação e como acesso a essa alteridade que funda o sujeito.

O trabalho com a subjetividade para aqueles que intervêm no campo da saúde, segundo a ética da psicanálise, abre-se na via da singularidade que a escuta psicanalítica implica, subvertendo o discurso científico médico que se apoia nos diagnósticos sempre generalizantes e que podem levar-nos a deixar de fora o sujeito singular. A responsabilidade em questão coloca-se no lado daquele que fala de seu sofrimento, mas igualmente no lado daquele que “se dá o trabalho” de escutar seu paciente em sua alteridade.

Penso que o colóquio em torno da questão da ética da psicanálise é central para nós hoje, pois nos deparamos com a dificuldade generalizada das pessoas para se responsabilizarem por seus atos e palavras, para comprometerem-se com suas escolhas. Quando trabalho com crianças e seus pais, ou ainda com professores, por exemplo, vejo que lhes oferecer a possibilidade de falar sobre o que vivem e de suas dificuldades para sustentar seus lugares traz consequências importantes em suas vidas.

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