Edição 302 | 03 Agosto 2009

Deus faz parte do desenvolvimento humano

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Moisés Sbardelotto e Patrícia Fachin

Segundo o rabino Ruben Najmanovich, o Judaísmo aspira a uma sociedade com igual acesso à dignidade e à esperança

O diálogo do Judaísmo com as outras religiões monoteístas “não quer dizer trocas ou negociações”, escreve o rabino Ruben Najmanovich à IHU On-Line, por e-mail. Na sua visão, “não se pode negociar valores tão fundamentais, que deram, em muitos momentos da história da humanidade, uma visão de respeito, de ética, de amor e de compreensão”.

Na entrevista que segue, concedida por e-mail, ele analisa a tradição judaica e reflete o futuro do Judaísmo na sociedade pós-moderna. Retomando a história, Najmanovich recorda que muitas foram as tentativas de eliminar Deus, de negar “aquilo que é primordial para poder crescer”. Nesta época de pós-modernidade, ele aconselha as religiões a se dedicarem à reflexão. “É tempo de refletir (...) a possibilidade de deixar conhecer a religião através do pragmatismo e de suas concepções”.
Najmanovich é mestre em Ciências Sociais e Humanidade pela Universidade Nacional de Quilmes, Argentina. É membro diretor da Sinagoga da União Israelita de Porto Alegre.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que aspectos históricos e culturais específicos o senhor destaca para a constituição, ao longo do tempo, dos valores centrais da ética do Judaísmo?

Ruben Najmanovich - Primeiramente a entrega da Torá no Monte Sinai, isso inclui a Tora escrita (shebichtav), os cinco livros de Moisés (Pentateuco), e a Torá oral (Mishnáh) com 63 tratados. Por sua vez, os valores dos fundadores do povo de Israel: Abraão – Isaac – Iahacov (Jacó), imprimiram na identidade do povo um conceito importante, que foi uma marca indelével na constituição e construção do povo de Israel.

O pensamento dos sábios da época pós-primeiro exílio até pós-segundo exílio levou a criar paradigmas que enfrentassem os desafios requeridos. A jornada que se iniciou mediante a saída de Abraham de Ur de Casdim (Ur de Caldeia), propiciou que as trajetórias estivessem acompanhadas de uma profunda elevação ética que foi difícil de compreender para um mundo tão canibal como o de então. A concepção vital das ideias aprofundou conjugações verbais que estavam sempre adiantadas. Sem dúvida, esta forma de enfrentar a vida baseada em um modelo chamado Torá, despertou sentimentos de inveja que deram lugar à judeufobia. A falta de respostas para os paradigmas da vida foi uma das complexas situações que deu lugar às frustrações do mundo não judaico. Frustrações são situações opostas aos comportamentos éticos.

IHU On-Line - O que o Judaísmo tem de específico em sua constituição interna que, sem isso, a religião se descaracterizaria?

Ruben Najmanovich - Existem três fundamentos vitais:
1- Amarás a Teu D’us  com todo o coração;
2 - Amarás ao próximo, como a ti mesmo;
3 - Estudar, investigar e aprofundar faz parte do desenvolvimento do conhecimento.

IHU On-Line - Como o Judaísmo se relaciona com as demais tradições religiosas? Há abertura e espaço para possíveis negociações ou troca de valores?

Ruben Najmanovich - O Judaísmo respeita as demais tradições religiosas e as crenças. Existe abertura para explicar, desmistificar, esclarecer. Isso não quer dizer trocas ou negociações. Não se podem negociar valores tão fundamentais, que deram, em muitos momentos da história da humanidade, uma visão de respeito, de ética, de amor e compreensão, para obter o quê? Para que as pessoas me conheçam ou aprendam não necessito deixar de ser eu, para poder ser ele. Tenho que seguir sendo eu e explicar ao próximo o que me levou a ser de um determinado jeito.

IHU On-Line - Qual é a contribuição específica que o Judaísmo pode dar para uma possível solução à crise fundamental que vivemos hoje, a crise da economia global, da ecologia, da política?

Ruben Najmanovich - Começar a olhar para os valores sociais, ecológicos e econômicos que a Torá, sendo Divina, em sua sabedoria, dá às respostas para os questionamentos. O ano sabático  e o ano jubilar  são duas respostas aos desafios socioeconômicos e ecológicos que hoje o mundo pede.

Observar a lei de Orláh é dizer como se deve podar uma árvore, como respeitar as leis de desenvolvimento do trabalho agrário, cuidando do equilíbrio animal. Isso faz parte de um melhor olhar ecológico para nosso mundo. Entretanto, temos outros olhares: a distribuição da riqueza, o conceito do dizimo (Maaser), a justiça social (Tsedakáh), doações voluntárias (terumáh) são vitalmente fundamentais, para uma melhor convivência do ser humano com a natureza e o desenvolvimento socioeconômico.

O Judaísmo não tem uma teoria política, mas duas. Não apenas tem sua própria teoria sobre o Estado, provavelmente a primeira do gênero, mas também uma teoria política da sociedade, algo bastante raro na história do pensamento e, até hoje, não superada em sua simplicidade e humanidade.

Uma das formas que explica o conceito internalizado pelo judeu e pelo judaísmo é a palavra Tsedek, contrastando-o com duas outras teorias políticas: o capitalismo e o socialismo. O capitalismo tem como objetivo a igualdade de oportunidades, e o socialismo, a igualdade de resultados. A visão judaica aspira a uma sociedade com igual acesso à dignidade e à esperança. Diferente do socialismo, ela acredita no mercado livre, na propriedade privada e na mínima intervenção governamental. Diferente do capitalismo, acredita que o mercado livre, isento de redistribuições periódicas cria desigualdades que, com o tempo, se tornam insustentáveis, pois privam indivíduos da independência e da esperança.

Tsedek está construído sobre a ideia de que posse e propriedade são coisas distintas.

IHU On-Line - Qual é a sua opinião sobre o ecumenismo e o diálogo inter-religioso atuais para a construção da paz? Como é possível uma aproximação de fato do Judaísmo com outras religiões?

Ruben Najmanovich - A pergunta tem uma resposta muito fácil. Quando não existir mais esse questionamento, já se deu o primeiro passo para começar a dialogar, a intercambiar. Contudo, as outras religiões não deveriam se aproximar do Judaísmo? O Judaísmo foi a única fé, crença, conhecimento, filosofia de vida que concedeu à humanidade riquezas de ordem cultural, científica, social e que, principalmente, nunca sofreu uma hecatombe, como sofreram as demais religiões. Para culminar desejo expressar que a maior paz existe entre aqueles que discordam.

IHU On-Line - Em uma sociedade moderna (pós-moderna ou até mesmo ultramoderna), como fica o papel da religião? Estamos em uma sociedade pós-religiosa também?

Ruben Najmanovich – Alguns disseram que a religião atrofia as mentes, e outros, como Karl Marx, que a religião é o ópio do mundo. Todos esses achavam que eliminar D’us da relação homem com seu próximo, consigo mesmo e com o Criador, se poderia fazer com uma simples declaração ou até mesmo com uma atitude hipócrita, negando aquilo que é primordial para poder crescer e manifestar por atos. Eles passaram pela história, deixaram movimentos que, vistos de uma ótica objetiva, produziram o caos. Tolice humana não deixar D’us ser parte do desenvolvimento humano. Enquanto foi elaborado isso, fizeram-se em nome de D’us atrocidades. É tempo de refletir nesta época de pós-modernismo a possibilidade de deixar conhecer a religião através do pragmatismo e de suas concepções. Algumas crenças terão de introspectar dentro de sua teologia e observar valores equívocos, conceitos errados e didáticas sem fundamentos.

O Judaísmo tem uma riqueza tão profunda que tudo tem uma explicação, uma concepção e existem didáticas pedagógicas para transmitir. Finalmente expresso: Educação é aquilo que ficou depois de haver-me esquecido de tudo aquilo que aprendi.

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