Edição 299 | 06 Julho 2009

Relatos da força indígena da América Latina

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IHU Online

Em testemunhos reais, alguns líderes indígenas latino-americanos falam sobre a realidade de seus povos. A IHU On-Line convidou algumas lideranças indígenas de países da América Latina a escreverem breves depoimentos sobre a força que motiva a luta dos povos indígenas latino-americanos. Em testemunhos reais, alguns líderes indígenas latino-americanos falam sobre a realidade de seus povos. Confira

 

Lei de Titulação Coletiva de Terras para os povos indígenas do Panamá

“Nos últimos 20 anos, os povos indígenas Ngöbe, Buglè, Kuna, Emberá, Wounaan e Naso y Bri-bri têm tido uma permanente demanda diante das autoridades governamentais, pelo reconhecimento, respeito e aplicação de seus direitos, e o desenvolvimento das normas constitucionais e legais especiais que a eles concernem. Com efeito, os povos indígenas do Panamá tentam consolidar suas aspirações históricas em legitimar e proteger seus territórios, o que está ligado intrinsecamente à proteção de seus recursos naturais e ao ambiente que os rodeia, assegurando sua herança ancestral e o seu legado cultural. Com a aprovação da Lei nº 411, de 28 de novembro de 2008, que é a Lei de Titulação de Terras Coletivas, os povos indígenas também consolidam a aplicação de instrumentos jurídicos nacionais e internacionais que garantem os seus direitos, fortalecendo suas estruturas sociais e políticas de administração tradicional, definindo a identidade étnica de acordo com a sua cosmovisão. É nossa tarefa agora, de povos indígenas, levarmos adiante o processo de fortalecimento das instituições próprias de seus povos, assim como a recuperação dos valores tradicionais, sustentados sobre a vivência histórica. Portanto, para nosso país, se define uma nova política de relação entre os povos indígenas e o Estado, deixando para trás a política equivocada do passado, que em nosso tempo se traduz em desconhecimento e desinformação sobre os direitos dos povos indígenas, negação e violação de seus direitos, e assumindo a integração indígena como política de Estado.”
Arelys Midi, líder indígena do povo Ngöbe (Panamá)

A força e a novidade que impulsiona os povos indí¬genas da América Latina

“Inicialmente, gostaria de fazer uma breve descrição histórica dos Direitos Humanos. Em 1789, tivemos a Declaração de Direitos de Homem e de Cidadão, na qual se proclamaram a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Em 1940, no México, foi realizado o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, onde os estados emitiram 72 acordos e declarações, impulsionaram o Convênio de Patzcuaro e estabeleceram o Instituto Indigenista Interamericano. Em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ‘considerando que a liberdade, a justiça e a paz no mundo têm por base o reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana’. Em 1957, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) aprovou o primeiro instrumento jurídico internacional sobre os povos indígenas, que foi reformulado no Convênio 169 da OIT e foi adotado em 1989. Em 1988, foi escrito na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos que ela ‘busca consolidar um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos essenciais do homem, com os direitos humanos, e que busca fazer das sociedades livres de todas as formas de segregação e discriminação racial’.

Falar de direitos coletivos dos povos indígenas e afrodescendentes é falar de seu reconhecimento no marco jurídico; é aceitar que a obrigatoriedade inscrita em tais direitos, denota, pois, não somente um reconhecimento teórico, como também prático, com um caráter universal, alcançando a todos os afro-descendentes e indígenas do mundo. É aceitar a condição social da pessoa afro/indígena pelo que entendemos que, sem este reconhecimento, dificulta mais a convivência humana, porque tal negativa significa opor-se explicitamente à sociabilidade dos mesmos direitos dos povos indígenas como pessoa.

Falar da força e da novidade que impulsiona os povos indígenas em todos os países da América Latina é reconhecer a força vinculante do movimento e das instituições indígenas frente à colonização, assimilação e ao discurso mono-étnico e monolinguístico em sua pretensão de seguir invisibilizando os povos indígenas. Afirmar o direito de autodeterminação dos povos indígenas pretende introduzir uma opção multicultural na construção deste direito, que se constrói a partir da experiência e da vivência da identidade. Todos os indígenas da Abya Yala (América) devem ter o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, devem ter acesso aos recursos naturais, a um desenvolvimento com identidade, ao desenvolvimento do bem viver. Nisto consiste a força inovadora do movimento indígena em toda a América Latina: de ser emancipador para todos os povos indígenas, que os coloca como sujeitos de direito e de desenvolvimento, protagonistas de uma história verdadeiramente liberadora.”
Matías Mejia Miguel, do povo Garífuna de Honduras, especialista em povos indígenas, direitos humanos, governabilidade e cooperação internacional da Universidad Carlos III, de Madrid.

A importância do movimento indígena na América Latina

“Apesar de ser vítima de uma prolongada colonização ocidental, mediante a qual se tentou os fazer desaparecer física, cultural e historicamente, o movimento indígena da América Latina tem demonstrado grande força e capacidade de resistência, que tem emergido com propostas políticas contra-hegemônicas frente ao poder do colonialismo. A partir desta perspectiva, o movimento indígena tem sido um dos suportes ideológico e político fundamental na construção de novos modelos de estados e poder, baseado na multiculturalidade e interculturalidade. Por exemplo, a proposta de Estados Plurinacionais constitui uma categoria teórica e política para a transformação dos estados modernos. A mesma que foi desenvolvida pelo movimento indígena equatoriano e hoje está incorporada na Constituição, transcendendo a fronteira étnica e geográfica para que os povos da América e do mundo enfocassem a reconstrução dos Estados. A Bolívia, de maneira oficial, se declara hoje como Estado Plurinacional. Estes e outros aportes constituem evidências objetivas de que, historicamente e de maneira criativa, os povos indígenas têm desenvolvido propostas inovadoras e adequadas de: novas formas de convivência da humanidade, boas formas de se relacionar com o cosmos, novas formas de exercer o poder, novas formas de desenvolvimento etc. Ou seja, eles têm tido abordagens que pretendem deter a destruição da mãe terra e das relações sociais da humanidade gerada pelo capitalismo e pelo neoliberalismo.”
Dra. Mariana Yumbay, equatoriana de nacionalidade Kichwa - Povo Waranka, juíza provincial de trânsito no Equador.

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