Edição 296 | 08 Junho 2009

Uma leitura bíblica libertadora e ecumênica a serviço da vida

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Graziela Wolfart

Para Francisco Orofino, do CEBI, a voz das igrejas cristãs terá maior repercussão se ela traduzir a proposta evangélica de vida em abundância para todos

Há 30 anos, foi criado o Centro de Estudos Bíblicos – CEBI. Para celebrar este aniversário, a IHU On-Line entrevistou por e-mail o biblista e assessor nacional do CEBI Francisco Orofino. Ele acredita que “a leitura ecumênica [da Bíblia] revela-se libertadora quando anima as comunidades a se organizar em defesa da vida ameaçada. (...) A Bíblia lida desta maneira revela a Palavra de Deus que convoca a todos e todas a criar comunidades e a participar nas lutas pelos direitos que são negados para a grande maioria do povo”.

Sobre as três décadas de trabalho no CEBI, ele aponta que a dimensão ecumênica nos trabalhos “foi sempre um grande desafio, principalmente naqueles estados em que a grande maioria dos participantes é da Igreja Católica Romana”. No entanto, constata: “É impossível pensar o trabalho do CEBI sem a dimensão do ecumenismo”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O CEBI está celebrando 30 anos de vida e sabemos que um dos eixos em que se baseia seu trabalho é o ecumenismo. Que pontos importantes o senhor destacaria nesta caminhada ecumênica do CEBI?

Francisco Orofino - O CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) entende a si mesmo como um serviço à caminhada bíblica de todas as Igrejas. Sempre buscamos promover uma leitura bíblica a serviço da vida. Propomos, em tudo aquilo que fazemos e publicamos, uma leitura que relacione Bíblia com vida e vida com a Bíblia, uma ajudando a interpretar a outra. Uma leitura bíblica neste sentido é, necessariamente, libertadora e ecumênica. O que temos de mais universal e ecumênico é a vida e a vontade de viver a vida na sua plenitude. Por isso, o povo das comunidades, quando faz este tipo de leitura bíblica, aprende a ser ecumênico, pois a defesa da vida sempre reúne pessoas das mais variadas Igrejas e confissões. As comunidades sentem na pele as ameaças das forças da exploração e da morte. Vivem em condições precárias, em constantes riscos. A leitura ecumênica revela-se libertadora quando anima as comunidades a se organizar em defesa da vida ameaçada. Os cursos e subsídios que fazemos querem justamente ajudar o povo na sua organização. A Bíblia lida desta maneira revela a Palavra de Deus que convoca a todos e todas a criar comunidades e a participar nas lutas pelos direitos que são negados para a grande maioria do povo.

Creio que, nestes 30 anos, a dimensão ecumênica nos nossos trabalhos foi sempre um grande desafio para o CEBI, principalmente naqueles estados em que a grande maioria dos participantes é da Igreja Católica Romana. Estamos aprendendo a ser ecumênicos em todas as nossas atividades, mesmo quando se fazem presentes representantes de uma única igreja ou confissão cristã. É impossível pensar o trabalho do CEBI sem a dimensão do ecumenismo. Por isso mesmo, considero a abertura de canais de diálogo com as Igrejas que fazem uma leitura fundamentalista da Bíblia como um grande desafio para esta dimensão dentro dos trabalhos do CEBI. Atualmente, no Conselho Nacional, temos representações da Igreja Católica Romana, da Igreja Luterana, da Igreja Presbiteriana e da Igreja Batista. Esta representação nos ajuda a estarmos sempre em sintonia com a caminhada das Igrejas aqui em nosso país.

IHU On-Line - O senhor pode explicar o significado do lema da semana ecumênica “Unidos na Tua mão” diante de tantos apelos sociais, ecológicos e religiosos?

Francisco Orofino - O lema da semana ecumênica deste ano se inspira numa passagem do profeta Ezequiel,  na qual ele questiona a quebra da unidade do reino de Israel a partir de querelas políticas internas. Surgiram dois reinos: os filhos de José ao norte e os filhos de Judá ao sul. Ora, lembra o profeta, antes de tudo José e Judá são irmãos. As intrigas políticas quebraram a fraternidade. Os dois irmãos, isto é, os dois reinos, devem aprender o caminho da reconciliação e buscar a união. Esta inspiração do profeta deve questionar as fraturas entre as igrejas cristãs. Quanto de nossas divisões e conflitos foram frutos de mazelas políticas, localizadas historicamente, e que agora perderam o seu sentido? Mas as divisões continuam ao longo da História porque muitas vezes buscaram fundamentos teológicos para as brigas políticas. Portanto, a partir de Ezequiel, temos de buscar a unidade num diálogo teológico aberto em que se valorize, antes de tudo, aquilo que nos une se quisermos superar e vencer aquilo que nos separa.

Creio que este é o grande apelo religioso proposto pela semana ecumênica. Vencendo este desafio de caminhar juntos, penso que as Igrejas podem e devem ajudar no debate social envolvendo questões que interessam a todo o povo de Deus. No próximo ano, teremos mais uma Campanha da Fraternidade ecumênica, cujo tema é Economia e vida, e o lema é Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro (MT 6, 24c). O objetivo desta Campanha é promover um debate sobre a economia. Diante de tudo o que estamos vendo, especialmente depois desta crise do sistema financeiro neoliberal, qual é a nossa proposta evangélica no campo econômico? A voz das igrejas cristãs terá maior repercussão se ela traduzir a proposta evangélica de vida em abundância para todos.

IHU On-Line - Que fundamentos teológicos e bíblicos o ecumenismo aponta para a construção da justiça social e da paz?

Francisco Orofino - A semana de orações pela unidade dos cristãos celebra toda a caminhada do movimento ecumênico desde 1910. Este movimento aponta para uma unidade na diversidade de carismas, dons e serviços das Igrejas na construção comum do Reino de Deus. Em função deste projeto maior, qualquer Igreja deve ser instrumento de Deus para que o Reino possa se tornar uma realidade. Ou seja, toda Igreja é transitória. Definitivo mesmo é o Reino de Deus. Assim, todas as pessoas cristãs têm uma missão coletiva que está para além de qualquer Igreja. Esta missão deve ser respaldada pelo testemunho da unidade fraterna e do serviço comunitário. É para isso que nos unimos em orações justamente na semana que antecede a solenidade de Pentecostes. Buscamos, desta forma, recuperar os três eixos da comunidade retratada em Atos dos Apóstolos: testemunho (martyria), serviço (diakonia) e comunhão de vida (koinonia).

Na América Latina, existem grandes desafios para as igrejas cristãs. Devemos tomar consciência dos grandes problemas que agitam a vida do povo de nossos países. Além disso, é preciso buscar a unidade entre as Igrejas e colocá-las a serviços destas causas populares, dando voz aos grupos esquecidos, explorados e marginalizados. Isso obriga a nós, pessoas cristãs, a acolher os apelos vindos das religiões indígenas e africanas. Para isso, precisamos ampliar nosso conceito de ecumenismo. Nossas Igrejas devem ser protagonistas num amplo diálogo com as mais diferentes propostas religiosas das diversas culturas latino-americanas e caribenhas, respeitando e acolhendo a contribuição de valores, relacionamentos evangélicos que estão presentes nestas propostas não-cristãs. Desta forma, estaremos colaborando ativamente na construção de sociedades mais justas e mais fraternas aqui em nosso continente.

IHU On-Line - O senhor considera que a recente visita do papa à Palestina traz avanços para o diálogo com o judaísmo e com o Islã?

Francisco Orofino - No meu entender é um bom sinal. O ecumenismo começa exatamente assim. Através da visita aos que oram e celebram diferente de nós, vamos criando laços afetivos e manifestando interesse em superar os erros cometidos no passado e no presente. O ecumenismo é, antes de tudo, um sinal de amizade e de apreço por alguém que reza, pensa, trabalha e vive diferente de mim. Quantas pessoas são ecumênicas sem saber pelo fato de manterem amizade com pessoas de outras Igrejas ou crenças? Nos meios populares, isto é muito comum. Hoje, diante das diferentes propostas religiosas nas cidades, as pessoas estão aprendendo a ser ecumênicas dentro de sua própria casa. Diante de todas as tensões e críticas que a visita do papa acabou por revelar, acho que a imagem que ficará é aquela foto do papa de mãos dadas com judeus, muçulmanos e drusos. É uma imagem eloquente! Fala mais do que qualquer discurso que o papa tenha feito nesta sua visita à Terra Santa. Mas também temos que prestar atenção no que ele disse nos discursos, que são muito bons.

Aliás, no Sínodo da Igreja Católica sobre a Palavra, que aconteceu em Roma em outubro do ano passado, surgiram várias propostas de um amplo diálogo entre cristãos, judeus e muçulmanos a partir do que há de comum às três religiões do Livro. O que podemos aprender da visita do Papa é que ecumenismo é uma atitude madura, de gente que tem consciência daquilo que acredita e por isso está aberta ao diálogo com quem quer que seja, desarmada e sem medo.

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