Edição 293 | 18 Mai 2009

Prisão deve ser vista como exceção, e não como regra

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Márcia Junges

O penalista André Callegari explica que mesmo quem contrata um bom advogado pode ficar preso no Brasil, mas é preciso compreender que prisões não são regra, mas sim exceções. Pesquisas no Direito ajudam a demonstrar deficiências, contradições e desacertos, com boa repercussão

Para o penalista André Callegari, “o problema é que a prisão deve ser vista não como regra, mas como exceção, isto é, para os casos em que se justifique como necessária, principalmente enquanto não houver o julgamento definitivo do processo. A Constituição Federal presume que todo cidadão é inocente e o Supremo Tribunal Federal tem resguardado este direito”. As declarações foram dadas, por e-mail, na entrevista concedida à IHU On-Line. Callegari afirma que não existem grandes diferenças entre o sistema prisional brasileiro e de outros países latino-americanos, já que todos têm os mesmos problemas: “superpopulação, ausência de trabalho para o apenado, condições de higiene e assistência à saúde”. Em seu ponto de vista, a pesquisa em Direito serve para dar “suporte para demonstrar as deficiências, contradições e desacertos em várias esferas da sociedade e acabam tendo uma repercussão excelente porque a pesquisa funciona como um fator multiplicador através da publicação de artigos, livros, entrevistas, participações em debates”.

Callegari é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais e especialista em Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Cursou doutorado em Direito Público e Filosofia Jurídica pela Universidade Autônoma de Madri, Espanha, com a tese Blanqueo de Capitales: Una Perspectiva entre los Derechos Español y Brasileño. Coordenador do curso de Direito da Unisinos e professor dos cursos de mestrado e doutorado da mesma instituição, é professor visitante da Universidade Externado de Colômbia, e vice-presidente acadêmico do Instituto Iberoamericano de Direito Penal. Escreveu, entre outros, Lavagem de Dinheiro - Aspectos Penais da Lei nº 9.613/98 (2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008), Teoria Geral do Delito e da Imputação Objetiva (2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009) e é um dos organizadores de Política Criminal, Estado e Democracia (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são as diferenças mais significativas entre o sistema prisional brasileiro e o de países latino-americanos como o México, por exemplo?

André Callegari - Não há grandes diferenças entre os sistemas prisionais nos países latino-americanos, pois, como no Brasil, todos têm os mesmos problemas, ou seja, superpopulação, ausência de trabalho para o apenado, condições de higiene e assistência à saúde. Ademais, falta um programa efetivo de assistência ao egresso, possibilitando a reinserção no meio social.

IHU On-Line - Quais são os principais problemas do sistema prisional brasileiro?

André Callegari - Os principais problemas no sistema prisional brasileiro são: superpopulação carcerária, presídios sem as mínimas condições de higiene, programas de trabalho e assistência ao apenado, controle dos presídios por facções criminosas, mistura de presos provisórios (sem julgamento) com presos já condenados, ausência de classificação e separação dos presos por delitos cometidos, além de lentidão na análise dos processos de progressão de regime prisional.

IHU On-Line - O Código Penal é adequado à realidade contemporânea brasileira? Por quê?

André Callegari - A Lei de Execução Penal é adequada à realidade contemporânea brasileira, aliás, é uma lei excelente em termos de direitos garantidos aos apenados, pois nela há uma previsão que contempla desde o espaço nas celas até a assistência que o preso necessita. O problema é que na prática a lei não é cumprida, pois, como sabemos, não há investimentos do Poder Executivo nessa área. Assim, temos uma lei excelente, porém, sem efetividade.

IHU On-Line - Alguém com um bom advogado vai preso no Brasil? Por quê?

André Callegari - É possível que uma pessoa que contrate um bom advogado também fique presa. O problema é que a prisão deve ser vista não como regra, mas como exceção, isto é, para os casos em que se justifique como necessária, principalmente enquanto não houver o julgamento definitivo do processo. A Constituição Federal presume que todo cidadão é inocente e o Supremo Tribunal Federal tem resguardado este direito. Há casos em que, mesmo com bons advogados, os tribunais têm mantido a prisão, mas é claro que o advogado que tem mais recursos do cliente à sua disposição poderá também contar com mais recursos para a defesa.

IHU On-Line - Nesse sentido, como compreender o direito de defesa dos presos que não tem recursos para contratar um bom advogado?

André Callegari - Os presos que não têm condições de contratar um advogado são assistidos pela Defensoria Pública, que tem realizado um trabalho excelente. O problema, novamente, é que o Poder Executivo não investe para que a Defensoria tenha os mesmos recursos (técnicos, administrativo, equipamentos, pessoal etc.) que o Ministério Público, ocorrendo, assim, um desequilíbrio em determinados casos.

IHU On-Line - De que forma a pesquisa no Direito pode contribuir com a melhoria do sistema prisional?

André Callegari - As pesquisas no Direito têm servido de suporte para demonstrar as deficiências, contradições e desacertos em várias esferas da sociedade e acabam tendo uma repercussão excelente porque a pesquisa funciona como um fator multiplicador através da publicação de artigos, livros, entrevistas, participações em debates etc. Como o pesquisador se envolve diretamente com um tema específico, alguns trabalhos estão sendo utilizados até mesmo para reformas legislativas, como é o caso do projeto Pensando o Direito do Ministério da Justiça, que busca a colaboração direta dos pesquisadores das universidades. No caso específico do sistema prisional, a pesquisa pode apresentar melhorias não só no sistema especificamente falando, mas, também, nas alternativas à pena de prisão.

IHU On-Line - O que é o Direito Penal simbólico? E de que forma ele pode atuar como controle social?

André Callegari - O Direito Penal simbólico é uma expressão utilizada no sentido de que efetivamente ele não pode cumprir o papel que o legislador destinou a ele, isto é, a lei servirá muito mais para dar uma resposta rápida (simbólica) para um tipo de crime que chocou a população ou para ondas de criminalidade. Noutros casos, aumenta-se a pena (simbólico) dizendo que os delitos diminuirão. Por isso, diz-se simbólico porque na prática esse Direito Penal não funcionará, ou seja, não impedirá a comissão de novos delitos, logo, ele não pode atuar como forma de controle social e as pesquisas demonstram esse fato. As medidas em matéria penal anunciadas pelo governo (aumento de penas, criação de novos tipos penais, recrudescimento nas regras de execução das penas) são simbólicas e revelam uma falsa situação de segurança, pois efetivamente não há uma constatação de diminuição de criminalidade.

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