Edição 291 | 04 Mai 2009

Por um pacto mundial do emprego

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

A expectativa de Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, é de que a crise, apesar de todo o ônus que traz, possa trazer com ela a possibilidade de repensarmos nosso futuro

Construir na sociedade brasileira a visão de direito ao trabalho e de direito ao emprego é um desafio muito grande que ainda temos pela frente, na opinião de Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese. “A busca do pleno emprego, a inserção econômica através do trabalho, é um objetivo que a sociedade e a política econômica de todos os países devem ter”. Ele concedeu, por telefone, à IHU On-Line, a entrevista a seguir, sobre os impactos da crise financeira internacional no mundo do trabalho. Clemente argumenta que “a economia brasileira tem capacidade de sair mais rápido da crise do que as demais economias do mundo, porque estamos mais bem estruturados nesse momento para isso”. E, se isso ocorrer, continua ele, “poderemos ter um nível de gravidade dos problemas que se rebatem sobre o mercado de trabalho também menor”.     

Clemente Ganz Lucio é diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) desde 2004. É também professor na PUC-SP e diretor do Observatório Social. Na Universidade Federal do Paraná, graduou-se em Ciências Sociais.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Diante da crise do desemprego, fala-se, entre outras coisas, na redução da jornada de trabalho e nas transformações na estrutura trabalhista. A partir da crise internacional, podemos vislumbrar a emancipação da classe trabalhadora ou sua rendição ao capital?

Clemente Ganz Lúcio – Estamos diante de uma crise bastante grave, talvez semelhante à crise de 1929, que trouxe para a economia dos países centrais uma mudança substantiva do ponto de vista da sua estratégia de longo prazo. Tivemos, fundamentalmente na Europa, a constituição de uma economia e de uma organização social e política compatível com uma concepção social democrata, onde o trabalho passou a ter uma participação que não tinha até então. Portanto, temos aqui uma sociedade menos desigual do que aquela que emerge, por exemplo, no pós-guerra dos Estados Unidos. Estas opções políticas que as crises suscitam, por trazerem por terra uma série de crenças, visões e concepções acerca da sua economia, da política e da sociedade, num momento de crise, podem estar sendo questionadas e revistas. Esta é a nossa expectativa: de que a crise, apesar de todo o ônus que traz, possa trazer com ela essa possibilidade de repensarmos o nosso futuro. Outra coisa é acharmos que essa crise poderá suscitar uma elaboração de uma sociedade igualitária, fundada nos princípios da justiça social. Esse é um ideário do qual, dadas as desigualdades que percebemos no mundo, estamos longe. Encontramos-nos em um nível de desigualdade muito grande, que exige um investimento e um desejo político muito rigoroso. Nesse momento, percebe-se que é necessário termos uma organização econômica, social e política que gere menos desigualdades. Se conseguirmos chegar a este acordo político mundial, teremos dado um passo enorme, apesar de acreditar que a luta pela justiça e pela igualdade é uma luta que não devemos nunca deixar de perseguir.     

IHU On-Line - Segundo as previsões, em 2009 o Brasil irá conviver com o aumento do desemprego. Isso representa uma crise do mercado de trabalho como um todo?

Clemente Ganz Lúcio – A crise do desemprego é mundial. Ou seja, estamos tendo, nos vários países, um impacto grande em termos de desemprego. A Europa sofre menos porque tem um mercado de trabalho mais regulado, mas também há uma pressão forte pela queda na taxa do emprego. O Brasil, que tem um mercado altamente flexível, já está sofrendo e sofrerá as consequências de uma queda na atividade econômica. Ou seja, o Brasil cresceu acima de 5% em 2008 e este ano, se crescer, será muito pouco. Isso sem falar nas consequências para o mercado de trabalho: vamos ter um aumento do desemprego, com certeza, no Brasil. Esse aumento é grave no sentido de que estamos revertendo uma tendência, que vínhamos tendo nos últimos quatro anos, de aumento da formalização, de redução da informalidade. Nesse momento, a crise poderá trazer um aumento da informalidade e uma diminuição da formalidade e tudo depende de quanto tempo vamos levar para sair dessa crise internacional. E a economia brasileira tem capacidade de sair mais rápido do que as demais economias do mundo, porque estamos mais bem estruturados nesse momento para isso.

IHU On-Line - A crise econômica internacional tem afetado menos o Brasil se fizermos uma comparação com outros países, por exemplo, da Europa. As consequências na área do trabalho também tendem a ser menores no país? 

Clemente Ganz Lúcio – Se tivermos uma saída mais rápida da crise do que provavelmente ocorrerá nos países centrais, é possível imaginarmos que a consequência do conjunto da crise na economia brasileira, depois que tivermos saído dela, seja um número menor de problemas sob seu mercado de trabalho. O que não quer dizer que não teremos desafios sérios a serem enfrentados, que não tenhamos desemprego e aumento da pobreza. Agora, considerando que nós não estamos no centro da crise, e que o Brasil tem a possibilidade de viver do mercado interno e construir relações comerciais mais diversificadas, temos a oportunidade de sair um pouco mais rápido do que os demais países desta crise. E, se isso ocorrer, poderemos ter um nível de gravidade dos problemas que se rebatem sobre o mercado de trabalho também menor.    

IHU On-Line - Em que medida o desemprego no Brasil está relacionado com a crise internacional ou com a decisão interna brasileira de baixar tão lentamente a taxa de juros?

Clemente Ganz Lúcio – O fato de o Banco Central ter retardado a queda de juros é um elemento que provavelmente aprofundou a queda no nível da atividade econômica, com consequências para o emprego. Naquele momento, diante das incertezas, o Banco Central mirou na inflação, e, na nossa opinião, mirou errado, porque não tínhamos mais pressão inflacionária, e não olhou para a questão do mercado de trabalho e para o nível da atividade econômica. Ao retardar a queda na taxa de juros, que já era muito elevada, provavelmente se agravou a queda no nível da atividade econômica, agravando, por consequência, o rebatimento negativo sobre o mercado de trabalho. Então, a taxa de juros é, sem dúvida, um instrumento importante da política econômica para que tenhamos uma retomada do crescimento econômico de forma mais rápida e é até uma oportunidade que temos. Ou seja, o Banco Central deve continuar reduzindo substantivamente a taxa de juros no Brasil para que possamos ter uma retomada da atividade econômica com um rebatimento positivo para o mercado de trabalho.  

IHU On-Line - Em que sentido a crise internacional surge como oportunidade para transformar a atual situação social dos brasileiros no que se refere à distribuição de renda?
Clemente Ganz Lúcio
– A crise internacional pode contribuir na medida em que ela configure um novo arranjo político internacional; a presença do Brasil neste arranjo seja revigorada; os países em desenvolvimento, como o Brasil, a China, a Índia, a Rússia e outros, passem a ter mais voz nessas organizações internacionais, e, portanto, o fluxo do comércio e de investimentos possam também ser melhor distribuídos e essa distribuição gerar um crescimento econômico maior, mais vigoroso, mais sustentável.

IHU On-Line - Os gastos públicos representam importância significativa no comportamento da economia brasileira e do emprego?

Clemente Ganz Lúcio – Com certeza, os gastos dos governos municipal e estadual compõem uma grande parcela do consumo que a sociedade brasileira realiza e têm um impacto importante no nível da atividade econômica. Agora, tão importante quanto, ou pensando a médio e longo prazo, mais importante do que isso, é o gasto do recurso destinado ao investimento, ou seja, aquele recurso que o governo aloca para ampliar a capacidade produtiva, para ampliar nossas estradas, ampliar portos, aeroportos, ou seja, toda aquela infraestrutura que dá suporte ao crescimento econômico. Então, garantir a continuidade do investimento público, além de gerar emprego, gera ampliação da capacidade produtiva, o que significa capacidade de produzir mais em função do crescimento e da demanda que possa vir a aumentar.

IHU On-Line - Que mudanças na estrutura trabalhista se tornam necessárias nesse momento de crise internacional?

Clemente Ganz Lúcio – O mundo inteiro está discutindo o que vem sendo chamado de pacto mundial pelo emprego. Na medida em que formos a fundo nessa questão, iremos observar que a sociedade precisa avançar na compreensão política de que a busca do pleno emprego, a inserção econômica através do trabalho, é um objetivo que a sociedade e a política econômica de todos os países devem ter. Nós podemos ter avanços na legislação trabalhista com essa finalidade. Por exemplo, poderia haver o fortalecimento da regulação das relações de trabalho através da negociação coletiva; ou a exigência de que as empresas precisem dar uma justificativa social para fazer demissões; formular políticas mais integradas na área da qualificação social e profissional, como tantas outras que podem estar associadas a uma regulação das relações de trabalho mais compatível com a concepção do direito ao trabalho e ao emprego.  

IHU On-Line - Em outra entrevista que o senhor nos concedeu no final do ano passado, disse que, de 2004 para cá, os resultados de desempenho econômico que as empresas estão obtendo batem recordes. A partir disso, em que sentido os efeitos da crise são utilizados como justificativa para reduzir o quadro de funcionários das empresas e consequentemente os direitos trabalhistas, deixando os trabalhadores novamente reféns do capital?

Clemente Ganz Lúcio – Essa é uma questão difícil, porque ela implica em discutirmos a responsabilidade social das empresas, e o que elas fazem com o recurso que acumularam em época de expansão econômica. Mas isso é diferenciado de empresa para empresa. Existem algumas que nesse momento até aumentam a sua receita. No entanto, em geral, há uma redução no nível de atividade. E nós acreditamos que deve ser colocado em discussão o direito ao trabalho e a responsabilidade social da empresa. 

IHU On-Line - Como percebe as relações capital-trabalho entre sindicatos e empresas para suavizar o desemprego? A experiência de três décadas de negociação coletiva pode ajudar a classe trabalhadora a sair fortalecida da instabilidade vivenciada atualmente?

Clemente Ganz Lúcio – O movimento sindical brasileiro amadureceu muito nestas três décadas, do ponto de vista político. Se tem uma coisa que o movimento sindical brasileiro sabe fazer é negociar. Nós passamos a década de 1990 inteira num cenário de baixo crescimento econômico, fazendo mobilização e negociando. Já na época do crescimento econômico, o movimento sindical fortaleceu suas negociações, foi atrás dos direitos salariais, da jornada de trabalho, ampliou direitos. Não é fácil fazer este enfrentamento, mas o movimento sindical brasileiro está preparado para fazê-lo e inclusive para sugerir perspectivas de crescimento econômico, projetos de desenvolvimento para o país, que ataquem os problemas da desigualdade, das injustiças, criando condições para que o país possa ter uma economia menos desigual e mais solidária estruturalmente.

IHU On-Line - O senhor vislumbra novas possibilidades para os trabalhadores a partir da conjuntura atual? Quais são os desafios para os próximos anos?

Clemente Ganz Lúcio – O primeiro desafio para os trabalhadores é participar de forma mais ativa na construção do projeto de desenvolvimento, ou seja, a dimensão do trabalho constituindo-se como elemento estruturante das políticas de desenvolvimento do país. Existe um segundo desafio: a elevação continuada do nível de qualificação e escolaridade dos trabalhadores, que é um direito à cidadania. Um terceiro grande desafio é construirmos na sociedade brasileira a visão de direito ao trabalho, de direito ao emprego. O quarto grande desafio é constituirmos mecanismos que permitam uma distribuição menos desigual da renda e da riqueza através de instrumentos da negociação coletiva e das políticas públicas. Esses são desafios de longa duração, que, uma vez enfrentados e superados, permitiriam podermos vislumbrar, para gerações futuras, um país diferente, positivamente, onde a riqueza e a renda estariam mais bem distribuídas. Espero que toda a sociedade assuma como desafio um país que tenha um equilíbrio socioambiental correspondente a uma sustentabilidade econômica e ambiental, que é algo que precisamos para todo o Planeta em termos de equilíbrio ecológico. O desafio é fazer isso tudo combinando com uma estrutura econômica que recupere e que preserve o meio ambiente. Esse é um desafio do mundo, que está na agenda dos trabalhadores. E estes devem dar sua contribuição para que essas questões estejam na agenda política mais geral.

Leia mais...

>> Confira outra entrevista concedida por Clemente Ganz Lúcio. Acesse nossa página eletrônica (www.unisinos.br/ihu)

Entrevista:

• O momento é de repartir os ganhos que as empresas vêm obtendo – publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 12-09-2008.

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