Edição 290 | 20 Abril 2009

“O suporte da internet mudou o processo social”

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Patricia Fachin

Para Raquel Recuero, os sistemas informáticos geram o afastamento entre as pessoas, ao mesmo tempo em que aumentam a confiança para expor a intimidade, além de proporcionarem o anonimato

Muito além de proporcionar a interação com pessoas do outro lado do mundo, redes sociais na internet como Facebook e Orkut buscam a socialização on-line com pessoas que dividem o mesmo território. “As pessoas procuram sim pelos vizinhos, ou seja, por pessoas que tenham a chance de conhecer pessoalmente”, assegura Raquel Recuero, professora do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ela, a “internet apenas possibilitou um espaço a mais de conversação, complexificando as conexões socais”. Sites de redes sociais, explica, “proporcionaram um espaço onde é possível ‘mostrar’ as conexões sociais, criando novos valores e novas formas de reputação”.

Na medida em que a acessibilidade à internet ganhar novas propulsões, a tendência, segundo a pesquisadora, “é que as pessoas comecem a usar mais as ferramentas móveis para acessar esses sites de redes sociais e que mais informações comecem a circular na rede”. Nesse novo cenário, surge um “espaço interessante para a função informativa das redes sociais”, na medida em que há “maior necessidade de filtrar as informações”, completa.

Raquel Recuero é graduada em Jornalismo, pela UCPel, e Direito, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Dedicada a pesquisas sobre redes sociais e comunidades virtuais na internet, conversação e fluxos de informação e capital social no ciberespaço e jornalismo digital, Raquel Recuero cursou mestrado e doutorado em Comunicação e Informação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professora e pesquisadora dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e do Programa de Pós-Graduação em Letras, com concentração em Lingüística Aplicada, da UCPel. Ela também mantém a página eletrônica Social Media, http://pontomidia.com.br/raquel/#.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que modelo de sociedade surge a partir das redes sociais de interação como o Facebook? Que novas formas sociais de grupos e comunidades são estabelecidas através das redes sociais?  

Raquel Recuero - Há uma mudança da questão local para o foco no interesse. Na internet, é possível encontrar pessoas que dividem os mesmos interesses que você, mesmo que não morem próximas. No entanto, vejo que a questão do território é muito importante e influente na socialização on-line. As pessoas procuram sim pelos vizinhos, ou seja, por pessoas que tenham a chance de conhecer pessoalmente. Assim, acho que a internet apenas possibilitou um espaço a mais de conversação, complexificando as conexões sociais, mas não exatamente mudando tudo. Sites de redes sociais, por exemplo, proporcionaram um espaço onde é possível “mostrar” as conexões sociais, criando novos valores e novas formas de reputação, mas não aumentaram o número de amigos “de verdade” que os indivíduos possuem.

IHU On-Line - Em que sentido as redes sociais na internet modificaram o modo das pessoas se comunicarem?

Raquel Recuero - Acredito que, na internet, os sistemas informáticos permitiram dois elementos diferentes para as relações sociais: primeiramente, geram um afastamento entre as pessoas que, muitas vezes, não se veem, o que aumenta a confiança para expor a intimidade. Segundo, proporcionam o anonimato, que permite que, quando mal-sucedidas, as pessoas possam retornar com um novo nickname. Assim, o suporte da internet mudou o processo social, podendo-se estabelecer laços sociais sem conhecer presencialmente o outro.

IHU On-Line - Em que medida as redes sociais na internet mudaram o sentido do que entendemos por intimidade? 

Raquel Recuero - Os sites de redes sociais proporcionaram uma maior exposição do indivíduo. É preciso se “construir”, passar determinadas impressões para os demais. Como há um maior controle nessas impressões que se quer dar do que no mundo off-line, as pessoas tendem a expor um pouco mais de si. Mas isso varia bastante de cultura para cultura. O que é considerado normal no Brasil, por exemplo, pode ser considerado uma superexposição na Índia. Assim, as pessoas escolhem grupos para entrar e colocam elementos nos perfis para dar uma determinada impressão aos demais, mostrando menos quem são e mais como querem que os outros as vejam.

Para mim, parece que o maior risco para a privacidade está nos “rastros” que são deixados pelos atores enquanto utilizam essas redes e enquanto expõem questões pessoais na internet. Pouca gente percebe que há um caráter de permanência nessas interações, que poderão ficar na rede por muito tempo. Mas, de certa forma, parece-me que há uma maior conscientização desse poder e que as pessoas estão um pouco mais preocupadas com as questões da privacidade.

IHU On-Line - A senhora, como outros pesquisadores e internautas, constata que o Facebook não fez tanto sucesso no Brasil, diferente de outros sites de relacionamentos como o Orkut. Qual é a explicação para isso?

Raquel Recuero - O Orkut chegou antes. Foi o primeiro site de rede social que chegou ao Brasil e se espalhou. Como tinha uma interface simples, mostrava as conexões dos demais usuários (um dos maiores valores do sistema), passou a ser apropriado aqui. Na época, apenas o Friendster  era (pouco) conhecido no Brasil e, mesmo assim, era um sistema mais difícil de usar que o Orkut. O Facebook, que aqui chegou bem depois (e há pouco tempo com uma versão em português), não trouxe nada novo e, com isso, acabou menos adotado que o Orkut.

IHU On-Line - Que atrativos compõe as redes sociais, porque há tantos adeptos desses ambientes virtuais?  

Raquel Recuero - Não sei se podemos falar em “atrativos”. Acho que a Internet tem uma função social muito forte devido a sua própria interatividade enquanto ferramenta.

IHU On-Line - Com a introdução do Facebook e do Twitter e maior acessibilidade da internet, que mudanças de hábito de navegação a senhora vislumbra para o futuro?

Raquel Recuero - A mobilidade das comunicações via internet parece ser um ponto interessante. A tendência, parece-me, é que as pessoas comecem a usar mais as ferramentas móveis para acessar esses sites de redes sociais e que mais informações comecem a circular na rede. Com mais informações circulando, há mais ruído, e maior necessidade de filtrar as informações. Então, acho que há um espaço interessante para a função informativa das redes sociais. Mas também me parece que os aspectos sociais serão igualmente ressaltados, com mais informações pessoais a respeito dos indivíduos circulando por aí. Talvez, com isso, as pessoas tornem-se mais cuidadosas e mais privadas.

IHU On-Line - Até que ponto ferramentas como o Twitter se prestarão ao exacerbamento de informações, dando notícias que não são relevantes ao público leitor?

Raquel Recuero - Há um limite, claro. O Twitter só se torna relevante se as pessoas o utilizarem para dar informações relevantes. Isso está acontecendo com sua adoção por redações de jornal e jornalistas, experts em determinados assuntos. Se as pessoas pararem de usar o Twitter deste modo, a apropriação deixa de ser relevante. A questão da relevância é dada pela dinâmica de seguidores/seguidos. Assim, a própria rede atua como filtro, auxiliando os indivíduos a ter acesso àquilo que é considerado importante. É isso que acontece hoje, mas, com uma adoção maior, esse uso pode mudar.

IHU On-Line - A senhora pode nos explicar por que razões redes de relacionamento como o Orkut podem cair no ostracismo? Isso também tende a acontecer com o Facebook?

Raquel Recuero - Principalmente pelo fato de deixarem de ter valor para os grupos que as utilizam. Por exemplo, no início, as comunidades do Orkut eram bastante usadas para interação e discussão. No entanto, com a popularização da ferramenta, o surgimento de spam e problemas do gênero acabou matando boa parte desses grupos. Isso aconteceu porque ficou muito difícil acompanhar as comunidades quando tanto spam e tanta propaganda aparecia no meio das mensagens que eram realmente úteis. Então, o custo de acompanhar uma comunidade ficou muito alto e várias caíram no ostracismo. Esse é um dos problemas que pode acontecer com qualquer ferramenta. Além disso, quando a ferramenta vai sendo apropriada por outros grupos, seu sentido vai sendo reconstruído e novos usos vão surgir e substituir usos antigos.

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