Edição 288 | 06 Abril 2009

Perfil Popular - Nelson da Silva

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Graziela Wolfart

“Eu sou uma pessoa que gosta de batalhar.” Assim se define o entregador de revistas Nelson da Silva, de 49 anos. A entrevista que segue é fruto de um agradável bate-papo que nossa redação teve com este trabalhador porto-alegrense, que é pai de, nada mais, nada menos, 11 filhos. O interessante é que não são todos filhos da mesma mulher, mas das duas namoradas que Nelson teve paralelamente durante boa parte de sua vida. Realmente, é preciso suar a camisa para sustentar uma prole destas. Quer saber mais sobre essa história de vida? Leia o perfil popular desta semana:

 

A entrada no mundo do trabalho começou cedo, aos 16 anos. Para ajudar a família, Nelson da Silva, natural de Porto Alegre, começou a trabalhar e não parou mais, até hoje. Seu primeiro emprego foi na Loteria Esportiva, onde preenchia cartões da Loto. “A gente era entre cinco lá em casa: o pai, a mãe, minhas irmãs e eu, o mais novo. Meu pai era estofador e a mãe cuidava da casa. Fui crescendo e tive que parar com os estudos no primeiro ano do segundo grau para enfrentar o mundo”, conta, ao lembrar-se das dificuldades. Paralelamente a essa atividade, Nelson começou a jogar futebol, alcançando até a categoria juvenil do time do Cruzeiro, mas não recebia salário. Estava com 19 anos e tirava seu sustento do emprego na loteria esportiva, onde trabalhava até as 2 horas da manhã.

Quando completou 21 anos, seu presente de aniversário foi o nascimento da primeira filha. “Sabe como são essas coisas, a gente namora e acontece”, tenta explicar. Nelson teve que largar o futebol definitivamente e, na época, ele já jogava no time profissional do São José. Foi nesse período que alguns amigos o levaram para o ramo de entregas, em 1983, onde atua até hoje. “Como eu sempre gostei de me relacionar com as pessoas, me apaixonei pelo serviço de rua. Fui conhecendo muita gente, donos de restaurantes, pessoas que sempre me ajudaram”, relata. No começo, Nelson entregava documentos de bancos, como boletos, o que fez durante oito anos. Sempre trabalhou em empresas particulares que fazem entregas, como funcionário efetivo. Hoje, ele entrega revistas da Editora Abril, como funcionário da Sul Express, que é a empresa responsável pela distribuição destas publicações em Porto Alegre. Nelson geralmente faz a entrega de bicicleta e, às vezes, a pé. No dia da entrevista ele estava a pé, pois a bicicleta estava no conserto.

Um pai de duas mãos cheias

Hoje, a filha mais velha de Nelson, Zuleica, tem 25 anos. “Mas agora vem o melhor a festa”, avisa, ao anunciar que contará sua trajetória como pai. Ao todo, Nelson tem 11 filhos. E ele respira fundo para explicar. “Quando eu estava jogando no Juvenil, do Cruzeiro, tinha 19 anos e tive essa namorada, que é a mãe da Zuleica. Mas eu também fazia um trabalho de DJ na minha comunidade, a Vila Jardim, em Porto Alegre, onde moro até hoje. E sabe que as guriazinhas vêm, né? Então passei a ter duas namoradas, ao mesmo tempo. E ficava pai de duas crianças por ano, uma de cada mulher, com meses de diferença”. A dúvida é: as duas sabiam? E Nelson, bem tranquilo, responde “sabiam, sim, tudo certo”. E ele continua: “Mas o pior tu não sabe, tem mais ainda. Elas é que não queriam me largar. A minha mãe dizia que não era certo eu ter duas mulheres e ter filhas com elas, mas eu não ia abandonar nenhuma e elas também queriam continuar comigo”. As duas queriam lhe dar um filho homem. E foi aí que Nelson decidiu: a que lhe desse o filho homem primeiro seria a escolhida para tê-lo com exclusividade. O problema é que o filho homem não chegava. As duas continuavam engravidando de Nelson na tentativa de lhe dar um menino e só nasciam meninas. Nelson já tinha seis filhas mulheres, três de cada namorada. Ele mantinha duas casas, duas famílias. “Nunca abandonei nenhuma das duas. Era pesado, mas eu trabalhava bastante”. Antes de continuar a sua história, Nelson avisou: “O mais incrível é o que eu vou contar agora, e tu vai gostar. As duas estavam grávidas pela quarta vez. Quando uma delas foi ganhar, nasceu um menino. Três meses depois a outra foi ganhar e também nasceu menino, no mesmo ano. Os dois são um a cara do outro. Ninguém diz que são de mães diferentes, de tão igualzinho que eles são”, explica, todo orgulhoso. Ficou tudo empatado novamente, afinal as duas namoradas tinham cumprido a promessa de dar a Nelson um filho homem. No entanto, uma delas, pertencente a uma igreja evangélica, decidiu que aquela situação não lhe servia mais, não era correta. E ela largou Nelson, que ficou com uma namorada apenas. Mas o entregador nunca deixou de visitar os filhos dessa namorada que deixou dele. Com a mulher com quem ele passou a viver, teve mais duas meninas, depois do filho homem, totalizando seis crianças. “E agora estou casado há cinco anos com essa que é da igreja. Voltei para ela, porque no fim das contas eu escolhi que ela é a melhor pessoa pra mim”, justifica. “Casamos porque ela é da religião evangélica e não podia ser só juntado”. Antes de casar, Nelson teve mais um menino com a atual esposa. E hoje ele se declara feliz. “A gente se entende melhor, tem mais sintonia”. Mesmo assim, o contato com todos os filhos permanece o mesmo. Nelson paga pensão para aqueles que não moram com ele e almoça com toda a turma frequentemente. “Ficou tudo numa boa”, garante.

Perguntado sobre o que sempre ensinou aos filhos, Nelson destaca a importância do estudo. “Eu proibi meus filhos de rodar de ano na escola. Crio eles que nem eu fui criado. Rodar não tem nem cabimento. Nenhum deles até hoje rodou e alguns até já terminaram os estudos. A minha luta eles sabem e me respeitam por isso. A gente conversa muito e eles têm orgulho do pai. No Dia dos Pais eu saio com todos eles para almoçar. E provo para as pessoas que é possível criar tantos filhos hoje em dia se a gente tiver cabeça”.

Sobre os momentos mais marcantes da sua vida, Nelson recorda a perda do pai, aos 18 anos, e a recente perda da sua avó, falecida aos 100 anos de idade, há três meses. As experiências de fé e de contato com Deus que Nelson tem ele aprendeu com essa avó, que o levava para a igreja e ensinava coisas que ele já passou para os filhos. Entre esses ensinamentos, Nelson se lembra de um com carinho: “Tudo o que tu tiver conquistado, agradece a Deus. E tudo o que tu perder, também agradece, porque sempre pode ser pior”. Foi assim que Nelson aprendeu a nunca reclamar de nada na vida, pois sabe que pode ser pior.

A recomendação de Nelson para as filhas mais velhas é a seguinte: “Criem seus filhos como eu criei vocês e como eu fui criado”. Ele conta isso porque confessa estar decepcionado com as famílias hoje. “O que os filhos estão fazendo com os pais hoje em dia me dá uma ânsia. A culpa é das mães, principalmente, que passam muito a mão por cima, tem peninha. Vejo todos os dias que a família está em extinção. Por isso que eu não dei chance dos meus filhos me decepcionarem. Eu larguei na frente. E aviso minhas filhas ‘olha as amigas de vocês, sendo mãe aos 15 anos, não vão viver. Eu não criei vocês pra isso’. Uma está namorando, mas elas não pegam qualquer um. Eu sou homem e sei que os guris só querem usar pra falar na esquina depois”.

O grande sonho da vida de Nelson é conhecer o Rio de Janeiro. “Desde criança, eu ficava vendo nas novelas, as paisagens bonitas do Rio. E um dia eu vou realizar esse sonho. Parece uma bobagem, né?”, pergunta ele. Nas horas de folga, o lazer de Nelson é jogar futebol com os vizinhos da Vila onde mora, aos finais de semana, para relaxar.

Sobre a política brasileira e internacional, Nelson tem a seguinte opinião: “A política todo mundo sabe como é que está, basta ter um pouquinho de cultura. O que me deixou bem feliz na política é que o Lula abriu as portas para as pessoas olharem com mais respeito para as classes populares. Ele mostrou que é possível uma pessoa de classe baixa chegar à presidência da república. A mesma coisa foi agora com o Obama, nos Estados Unidos, que também abriu os olhos de muita gente, o que me deu alegria”.

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