Edição 284 | 01 Dezembro 2008

Lemon tree

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André Dick

O filme comentado nessa edição foi visto por algum/a colega do IHU e está em exibição nos cinemas de Porto Alegre.

Título original: Etz limon
Gênero: Drama
Tempo de duração: 106 minutos
Ano de lançamento (Israel/Alemanha/França): 2008
Direção: Eran Riklis
Elenco: Hiam Abbass (Salma), Rona Lipaz-Michael (Mira), Doron Tavory (ministro), Tarik Kopty (empregado de Salma), Ali Suliman (advogado de Salma)
Sinopse: Viúva palestina luta na justiça para continuar com sua plantação de limão, pois seu novo vizinho, o Ministro da Defesa de Israel, o considera uma ameaça, por poder encobrir ataques terroristas. Ela acaba indo à Suprema Corte e se envolve com seu advogado de defesa.

Diferenças em nome da infância

Um dos filmes mais comentados a entrar em cartaz este ano, Lemon tree, dirigido por Eran Rikles, enfoca, a princípio, o cotidiano de uma viúva palestina, Salma Zidane (Hiam Abbass), que cuida de uma enorme plantação de limão deixada pelo pai na região da Cisjordânia. No entanto, quem vem morar, ao lado de sua casa, é o Ministro da Defesa israelense, Israel Navon (Doron Tavaroy). Aconselhado pelo Serviço Secreto, ele quer que o limoal seja derrubado para que não encubra nenhum ataque terrorista ou algum atirador. Como o limoal traz a Salma lembranças do pai, que trabalhava nele, e, além disso, é sua única fonte de renda, ela decide entrar na Justiça contra o Ministro da Defesa, pedindo para que ele não seja derrubado. Para isso, conta com a ajuda do jovem advogado Ziad Daud (Ali Suliman), que decide enfrentar o caso com o objetivo realmente de manter o lugar pelo qual Salma tem mais afeição.

A história de Lemon tree é, portanto, bastante simples e acessível. No entanto, ela encobre o conflito entre israelenses e palestinos, fazendo-o com uma discrição irreparável. Isso porque o diretor Eran Rikles decide conduzir a história preferindo poucos gestos e falas, alternando o silêncio com olhares entre os personagens. Sob esse ponto de vista, trata-se de um filme que concentra toda a sua energia no encaminhamento do roteiro, escrito em parceria pelo diretor e por Suha Arraf, não abrindo demais o foco para a parte política, embora ela também se faça presente e tenha uma elaboração sofisticada, sobretudo na maneira como acontece a discussão em relação ao limoal na Justiça, revelando melhor as perspectivas de cada lado. Ao mesmo tempo, a língua acaba sendo um obstáculo na comunicação: o hebraico e o árabe acabam revelando a dificuldade delimitada pela cerca que separa a casa do Ministro da plantação de limão de Salma. Por isso, as divisões, ao longo do filme, acabam sendo mais metafóricas do que realmente concretizadas em algum tipo de atrito mais evidente. Em alguns momentos, isso prejudica um pouco o andamento da trama, ou seja, parece não haver uma costura mais delimitada, por exemplo, entre a mãe e o filho que mora nos Estados Unidos — que poderia render uma outra espécie de conflito cultural. Por outro, acaba mostrando uma certa frieza que corresponde à maneira como o diretor quis filmar a história. Isso porque, mais do que o presente, o diretor quer traçar uma linha paralela com o passado de Salma, prendendo-a a uma certa infância, representada tanto pela ausência  do marido, já morto, quanto a do filho — que mora nos Estados Unidos. É a infância que move a personagem central de Lemon tree, sobretudo os focos de sol em meio aos pés de limão, entre os quais ela era carregada por seu pai. É também a infância que faz com que ela reveja sua vida pessoal, ao se interessar pelo advogado, que tem uma filha que mora a distância, enfrentando a saudade apenas com algumas fotos. Esta menina — filha de Ziad Daud com uma russa — aproxima os personagens, pois ambos estão distantes de figuras basilares para a construção de sua vida, as quais, não por acaso, remetem à infância.

Ao mesmo tempo, existe uma tendência do diretor a privilegiar a alma feminina. Isso porque, além de Salma, a personagem principal, há, na história, a presença de Mira Navon (interpretada com exatidão pela estreante Rona-Lipaz Michael), que interpreta a mulher do Ministro da Defesa. Ela, ao ver o desespero de Salma, resolve, contra o marido, se posicionar ao lado de Salma — mesmo que esta atitude fique no plano da compreensão mútua entre as duas por meio do olhar. Ou seja, a condição de ambas é responder, no filme, seja ao passado, no caso de Salma, que está viúva e não pode ter seu envolvimento com o advogado revelado, seja ao presente, no caso de Mira, que precisa explicar ao marido suas atitudes. O diretor enfoca essa semelhança e, ao mesmo tempo, diferença entre as duas de maneira bastante interessante. A figura de Salma, presa ao passado — por meio das figuras do pai e do marido mortos, e do filho que partiu para os Estados Unidos —, de certo modo sintetiza o silêncio da mulher num universo em que se põe em dúvida a segurança em razão de conflitos que pertencem ao campo das religiões e culturas distintas. Em determinado momento, enquanto Salma está deitada, no silêncio de seu quarto, na casa do Ministro há uma festa, e as pessoas cantam — o silêncio, nesse caso, se intensifica. O embate entre a figura feminina e o Serviço Secreto israelense é mediado sobretudo pela cerca e pelo vigia que fica cuidando a movimentação que acontece em meio aos pés de limão.

No entanto, mesmo nessa distinção — e parece ser o objetivo do diretor de Lemon tree destacar tal elemento —, há uma espécie de encontro, que permanece subjetivo, na cobertura do caso. Mesmo quando acontece algum conflito entre os personagens, ele sempre é mediado mais por olhares do que por palavras ou agressões transparentes. A fotografia de Rainer Klausmann, sob esse ponto de vista, com seu tom amarelado, é impactante e ajuda a delinear melhor a relação e o ambiente em que se passa Lemon tree. Até por isso mesmo, fica claro que o cineasta Eran Riklis aponta para a resolução de diferenças num conflito metafórico, às vezes concentrando mais a narrativa num espaço restrito. A ambientação, com isso, ganha ares de mais clareza, o que corresponde ao próprio delineamento dos personagens. Isso faz com que Lemon tree se torne um filme que apresenta, mais do que um conflito, uma visão sobre o que é estar dividido, mesmo em pequenos espaços, sem saber realmente o motivo.

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