Edição 283 | 24 Novembro 2008

A influência das Ciências Sociais na Pedagogia

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Graziela Wolfart

Para o professor Amaury César Moraes, sem uma constante autocrítica ou reflexão sobre seus pressupostos, a Sociologia e demais Ciências Sociais não teriam avançado tanto

Lançar um debate sobre o ensino da sociologia no ensino médio é outro dos enfoques desta edição da IHU On-Line. Sobre esse tema, o professor da USP Amaury César Moraes nos concedeu a entrevista que segue, por e-mail, na qual declara que “a história do ensino de sociologia é bastante diversa da história das outras disciplinas: há uma intermitência da presença da disciplina no ensino médio que é responsável, em boa parte, pela situação em que a disciplina se encontra hoje: um atraso nos debates sobre conteúdos, livros, formação de professores, etc.”. E lamenta: “De cerca de 100 anos de existência da disciplina, apenas 17 (1925 a 1942) foram de obrigatoriedade”. Em relação à contribuição das Ciências Sociais para outras áreas, Amaury Moraes afirma que “o assim chamado discurso pedagógico é ‘colonizado’, no bom sentido, pelas categorias, conceitos, teorias e pesquisas empíricas das Ciências Sociais”.

Amaury Cesar Moraes possui graduação em Filosofia e em Ciências Sociais, mestrado em Ciência Política e doutorado em Educação, sempre pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professor na Faculdade de Educação da mesma instituição e membro do conselho editorial da Revista do Centro de Educação da UFSM. Tem experiência na área de sociologia, com ênfase em sociologia do conhecimento. Atuando principalmente nos seguintes temas: discurso pedagógico, retórica, construtivismo e metáfora. É autor de Filosofia: exercícios de leitura (São Paulo: De Leitura, 1998).

IHU On-Line - Qual a importância do ensino de disciplinas como a sociologia e a filosofia no Ensino Médio?

Amaury César Moraes - Considero importante a presença dessas disciplinas por dois motivos: 1) porque elas, em si, têm muito a contribuir, quer porque trazem informações que os alunos não recebem de outras disciplinas (nem história, nem geografia, nem língua portuguesa – considerando aquelas que são as humanidades); quer porque elas oferecem modos de pensar - argumentos, perspectivas, metodologias - diversos de outras disciplinas. São disciplinas que conjugam uma tradição (filosofia mais longa, sociologia mais recente) e tratamento direto da realidade em que os alunos estão envolvidos: política, sociedade, artes, ética, economia, mídia, etc.; 2) porque a simples idéia de elas poderem estar nos currículos chega a provocar todo um debate sobre o currículo. Infelizmente, no entanto, esses debates no Brasil não acontecem com honestidade, nem dentro, nem fora da escola. Assim, sociologia e filosofia acabam parecendo intrusas e seus defensores corporativos, mas ninguém discute o que estão fazendo pela formação dos jovens estas outras disciplinas que, pelo que dizem os resultados de exames nacionais e internacionais, não têm contribuído muito. Eu esperava que fosse esta a oportunidade de todos discutirem o tal do currículo e não ficarem guardando o seu latifúndio improdutivo armados até os dentes.

IHU On-Line - Quais as principais contribuições da sociologia do conhecimento para os avanços na área das Ciências Sociais?

Amaury César Moraes - Esta é uma questão muito específica, pois a sociologia do conhecimento é um dos ramos da sociologia e tem acompanhado o próprio desenvolvimento das Ciências Sociais, podendo dizer-se que, de certa forma, a sociologia quase que se confunde com a sociologia do conhecimento, pois sempre a sociologia se manteve dentro de um espírito autocrítico, mesmo uma sociologia que se poderia chamar de conservadora. Veja que todo o trabalho realizado por Durkheim,  na definição (das regras) do método sociológico, em boa medida era um trabalho de sociologia da sociologia. Não era apenas uma discussão metodológica ou estritamente de filosofia da ciência. Durkheim estava debatendo com a psicologia, com a biologia, etc. e debatendo também com os ainda precursores da sociologia, como Comte, Tarde, Spencer etc., discutindo a necessidade de uma reflexão sobre o que era pensar e pesquisar sociologicamente. Mas podemos ir mais longe e ver que toda a pesquisa sobre intelectuais é uma sociologia do conhecimento, a exemplo de Pierre Bourdieu  na França ou Sérgio Miceli  no Brasil. Pode-se ler a importante obra de Thomas Kuhn,  A estrutura das revoluções científicas, como uma obra de sociologia do conhecimento. Entendo que, sem uma constante autocrítica ou reflexão sobre seus pressupostos, a sociologia e demais Ciências Sociais não teriam avançado tanto.

IHU On-Line - Qual a importância das Ciências Sociais e da sociologia para a construção do atual discurso pedagógico nas escolas brasileiras?

Amaury César Moraes - Primeiro, a sociologia brasileira se valeu do debate sobre a educação entre os anos 1950 e 1960 no Brasil - a luta pela escola pública, particularmente capitaneada por um sociólogo, Florestan Fernandes - e havia um interesse enorme pelo tema “educação”, porque se entendia mais profundamente do que se entende hoje (que talvez não passe de discursos políticos ou de “bom mocismo”) a importância da educação para um país como o Brasil, pobre e com população com pouca escolaridade. Foram feitos muitos estudos que contribuíram, por exemplo, para mudanças, como o término dos exames de admissão no fim dos anos 1960 e depois a própria extensão da escolaridade de quatro para oito anos. Com o passar do tempo, no entanto, a educação deixou de ser um objeto importante para as Ciências Sociais e foi deixada para o campo da Pedagogia, da Sociologia da Educação feita nesse campo, mas com subsídios importantes procedentes do campo das Ciências Sociais: questões sobre minorias (mulheres, negros), questões sobre exclusão social, questões sobre infância etc. Muito do que é discutido hoje pela Pedagogia provém do campo das Ciências Sociais: sobre políticas públicas, por exemplo, ou sobre gênero, ou sobre multiculturalismo, com uma presença mais forte da antropologia e da ciência política, não somente da sociologia. O assim chamado discurso pedagógico é “colonizado”, no bom sentido, pelas categorias, conceitos, teorias e pesquisas empíricas das Ciências Sociais.

IHU On-Line - Qual o poder da imprensa, enquanto ator político, para a constituição das características sociais de um grupo, de uma comunidade?

Amaury César Moraes - Não é possível falar assim, sem uma pesquisa mais aprofundada ou um levantamento de dados sobre esse poder de influência. Podemos falar muito genericamente sobre os media, os meios de comunicação de massas, nem tanto sobre a imprensa escrita, talvez mais sobre a TV, especialmente no Brasil que, como dissemos, tem problemas com leitura. Podemos dizer, no entanto, que a mídia tem um poder de fazer-se presente muito maior do que leva em conta. Hoje vivemos a agenda definida pela mídia. É certo que estamos vivendo um momento de crise internacional, mas a mídia coloca essa questão muito maior do que parece ser; um exemplo é a cotação das bolsas: será que todo mundo deve ficar preocupado com o sobe e desce das bolsas internacionais e nacional? Todo mundo tem dinheiro aplicado nas bolsas? Está claro se teremos uma recessão, uma depressão ou inflação? Os mais variados comentaristas econômicos dizem, por exemplo, que quem tem dinheiro aplicado em bolsa não devo tirá-lo de lá, porque o investimento em bolsa é de longo prazo - a menos que seja um especulador. Por outro lado, qual terá sido o papel da imprensa, leia-se TV, no caso de Lindemberg e Eloá? Ele estava, pelo que se diz, ligado no que a TV passava sobre ele. Há quem ache que um caso desses deve ser tratado sem a presença da imprensa, para que não haja a espetacularização do fato e para que não se ampliem os resultados. Sei que se pode falar da liberdade de imprensa como elemento central na própria democracia: mas será que é a mesma coisa a imprensa ser livre para tratar questões políticas e questões cotidianas, crimes etc.? Ou por outro lado, por que haveria de interessar à imprensa um caso como esse? Será que é um caso que realmente interessa à população como um todo? Ou a imprensa “cria” essa necessidade?

Os pontos positivos da mídia

Mas a mídia não é só coisa ruim, há pontos positivos: mesmo algo discutível como a novela - discutível quanto ao seu caráter artístico - tem contribuído para mudar muitas coisas em nossa sociedade: antigamente, a menina que ficava grávida era expulsa da casa dos pais e hoje já tem havido mais conversa e acolhimento; o homossexualismo era visto como doença ou pura perversão, e hoje já temos uma maior compreensão social a respeito, o que tem provocado alterações na própria legislação e/ou justiça; o adultério era punido com a “justiça feita com as próprias mãos, para lavar a honra”, e creio que, depois da série “quem ama não mata”, isso mudou muito; a mulher teve muitos de seus direitos reconhecidos devido à presença cada vez maior da mulher na TV como profissional respeitada ou como tema do jornalismo ou teledramaturgia; tudo isso e tantas outras coisas - denúncias de corrupção etc. - devido “ao poder da imprensa”. Há pontos positivos e negativos, mas não se trata de neutralidade aqui, ao contrário, de buscar um controle social sobre a mídia. E isso passa pela democratização cada vez maior do país.

IHU On-Line - Como o senhor define o imaginário social brasileiro em relação à escola e ao professor, a partir do que é representado no cinema nacional?

Amaury César Moraes - Talvez essa pergunta tenha algo a ver com as minhas pesquisas sobre relações entre cinema e educação, ou cinema e escolas. Tenho feito pesquisas a que dei o nome de “A Escola vista pelo Cinema” e tenho usado filmes estrangeiros, muitos americanos, nenhum brasileiro. Até onde conheço não há sequer um filme brasileiro que se aproxime de Ao mestre, com carinho, Mentes perigosas, Nenhum a menos ou Quando tudo começa, nem mesmo de Os incompreendidos. Por que será? Minha pesquisa busca entender justamente isso: como o imaginário social representa a escola (alunos, professores, direção etc.). E essa era a pergunta que eu me fazia: por que não há nenhum filme nacional que se compare a “Ao mestre, com carinho”? Por que não temos nenhum filme brasileiro que tome a escola como espaço e as relações professores - alunos, tendo um/a professor/a como protagonista? Acabei chegando a uma resposta que, podemos dizer, virou hipótese da pesquisa, quando entrei em contato com uns textos franceses que diziam que os diretores franceses trataram da escola porque ela era fundamental na sua formação pessoal. O mesmo não se pode dizer do Brasil: aqui, parece, a escola não é tão importante assim, de tal modo que nem aparece no cinema. No Brasil, a escola, ou melhor, a educação aparece em todos os discursos, de políticos ao povo, nos jornais, na TV, entre o empresariado, todo mundo fala da importância da educação. Mas, na verdade, ninguém leva isso muito a sério. Pais de alunos querem vagas nas escolas para colocar seus filhos, mas não têm se preocupado com o que eles aprendem ou fazem na escola: no caso, o importante é que a escola seja um lugar para que os filhos fiquem - um depósito? Não há nenhuma pressão sobre a questão da qualidade do ensino: a democratização do ensino, que originalmente podia ser uma boa e justa proposta, virou apenas uma democratização do acesso. O imaginário brasileiro deixou de ver na escola um espaço de cultura, de formação e até de ascensão social. Com isso, a escola virou um ritual sem função, ou com duas funções aparentes: para as crianças, para resolver o problema econômico (de liberação das mães para o mercado de trabalho) e para os adolescentes e jovens, um problema de segurança (para retirar os jovens das ruas, deixando de ser sujeitos ou objetos da violência e criminalidade - o que não se realiza plenamente, pois a escola não está livre de ser espaço de uma e outra coisa -, mas aparentemente sentem-se todos mais seguros assim).

IHU On-Line - Quais os principais avanços e os maiores desafios em relação ao ensino da sociologia nas universidades brasileiras? O que o senhor pode falar no sentido de uma retrospectiva histórica do ensino da sociologia no Brasil?

Amaury César Moraes - Isso me deu motivo para uma palestra no Rio de Janeiro em recente evento da área de ensino de sociologia. Vou apenas enumerar os desafios: 1) melhoria do processo de formação de professores; 2) avaliação dos livros didáticos; 3) proposta única ou variada de ensino de sociologia; 4) número de aulas, definição de conteúdos; 5) situação geral da escola pública; 6) debate sobre o currículo da escola média; 7) definição dos fins para o ensino médio: vestibular, cidadania, mercado de trabalho. Essa agenda de desafios seria um avanço e, ao mesmo tempo, uma tarefa para as universidades brasileiras. Avançamos com a lei da obrigatoriedade, mas não avançamos muito ainda com relação aos outros termos dessa agenda. A história do ensino de sociologia é bastante diversa da história das outras disciplinas: há uma intermitência da presença da disciplina no ensino médio que é responsável, em boa parte, pela situação em que a disciplina se encontra hoje: um atraso nos debates sobre conteúdos, livros, formação de professores etc. De cerca de 100 anos de existência da disciplina, apenas 17 (1925 a 1942) foram de obrigatoriedade.

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