Edição 282 | 17 Novembro 2008

Perspectivas e limites de uma Educação Cooperativista Solidária

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Bruna Quadros

Tema será discutido durante a próxima edição do evento IHU Ideias, no dia 20 de novembro

“Acredito que a denominada educação formal, direcionada ao emprego e ao vestibular já esta saturada. Sendo assim, abre-se espaço para novas formas de pensar uma educação que se proponha a ser cidadã.” Esta nova proposta, apontada pelo professor Carlos Daniel Baioto, Mestre em Ciências Sociais, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e integrante do Instituto PalavrAção, é a Educação Cooperativista Solidária. O tema, que será debatido por ele durante o evento IHU Idéias, foi antecipado, em uma entrevista concedida por e-mail à revista IHU On-Line, na última semana. Segundo Baioto, os meios de comunicação tentam desenvolver um trabalho que proponha um elo entre a solidariedade e a cooperação. No entanto, não é o suficiente para que haja, de forma efetiva, uma educação para uma nova forma de trabalho em sociedade. “Os canais para efetivar esta mediação passam primeiro pela formação do professor, pelos projetos educacionais das secretarias de educação, para poderem alcançar a escola, a sala de aula e o cotidiano do jovem.” Na visão de Baioto, há um desperdício das potencialidades do meio escolar para se efetivar uma educação cooperativa e solidária adequada às necessidades da sociedade contemporânea.

A entrevista a seguir foi elaborada em parceria com o programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários, desenvolvido junto ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

IHU On-Line - A partir dos paradigmas em que se acha imerso o mundo contemporâneo, alicerçado basicamente em um sistema de produção capitalista, como o senhor percebe a viabilização um processo educacional cooperativista solidário, fundamental na consecução democrática dos objetivos dos associados, e do alinhamento e atualização da entidade no contexto macro do cooperativismo contemporâneo?

Carlos Daniel Baioto - O processo paradigmático contemporâneo transpassa o modo de produção desenvolvendo-se nas mais diversas instâncias da vida em sociedade. Neste sentido, quando as metas narrativas e as fórmulas desenvolvimentistas características da racionalidade modernista são questionadas, abrem-se canais de visibilidade e credibilidade a outras formas de perceber a vida em sociedade. Acredito que hoje a proposta de educação cooperativa representa uma forma mais adequada para responder as demandas desta sociedade, que se vê aberta a novas formas de organização. No entanto, há necessidade de se mensurar os resultados desta formação, junto ao corpo social da cooperativa, para pensarmos um alinhamento da proposta cooperativa com seu contexto. Faz-se urgente repensar o sentido da cooperativa, resgatar valores e significados, tanto para os trabalhadores associados como para o desenvolvimento local sustentável na comunidade em que se insere. O questionamento emergente é como os cursos de formação cooperativista estão trabalhando ou avaliando a dimensão social desta formação.

IHU On-Line - Percebe-se que existe uma tendência a antagonizar a prática com a teoria, ou seja, quando uma é vista como prioridade, a outra é relegada a um segundo plano. Dessa forma, se está considerando que uma é mais importante que a outra. Como se poderia pensar a educação cooperativa solidária de modo a que estas duas perspectivas não adquiram este status diferenciado?

Carlos Daniel Baioto - Acredito que o antagonismo, teoria e pratica na estrutura cooperativista, esteja associado aos sentidos que são dados a um paradoxo implícito na proposta. Sendo a proposta cooperativista representada por uma dupla função aos associados, ao mesmo tempo em caráter social e econômico, a forma como estes cooperados percebem ou tem por representação vai delimitar a prática desta junto à cooperativa. Em outras palavras, vai depender de como estes sujeitos se entendem em sociedade, quais os sentidos que construíram em suas trajetórias de vida do que vem a ser responsabilidade social. De outro lado, o fator econômico também passa por sentidos de representação, por exemplo: como é trabalhado com o cooperado o sentido de gestão cooperativa, gestão democrática, compartilhada, planejamento estratégico de impacto socioeconômico, questões como gestão dos resíduos da produção, inter-cooperação sentidos de eficiência e eficácia e tantas outras questões relacionadas a uma gestão cooperativa de um de um empreendimento que se propõe a ser cooperativa. Nesta instância é que entra a educação cooperativa solidária como ferramenta para trabalhara sentidos de representação e prática junto ao corpo social do empreendimento.

IHU On-Line - No campo educacional, que caminhos podem ser apontados para os jovens brasileiros para a manutenção dos valores e princípios orientadores do cooperativismo, com base na solidariedade?

Carlos Daniel Baioto - Acredito que a denominada educação formal, direcionada ao emprego e ao vestibular já esta saturada. Sendo assim, abre-se espaço para novas formas de pensar uma educação que se proponha a ser cidadã. As possibilidades de se trabalhar educação cooperativa e solidária junto a jovens necessitam ser pensadas e trabalhadas na formação dos professores. A possibilidade de contemplar questões relacionadas a práticas de vida em sociedade mais saldáveis e sustentáveis, voltadas à proposta de cooperação e solidariedade, vai de encontro à proposta conteúdista das salas de aula lotadas, de escolas violentas e do isolamento da escola do local onde esta inserida. Encontram-se varias experiências de escolas onde o convívio com a sociedade local tem demonstrado resultados positivos na redução da violência escolar e na comunidade. Experiências de professores que transformam seus conteúdos em momentos lúdicos de pensar intervenção no meio e na vida dos alunos e família. Mas estas iniciativas são isoladas e vão alem da formação acadêmica. Acredito que formação cooperativa e solidária para poder gerar efeitos consistentes os jovens passa por repensar este tipo de formação nos bancos acadêmicos, e repensar de forma urgente o que se entende por escola. 

IHU On-Line - De que forma os instrumentos de comunicação podem servir como mediação pedagógica para a efetiva educação cooperativa solidária?

Carlos Daniel Baioto - Existem vários instrumentos de comunicação tanto na programação da TV como em revistas das mais diversas áreas, programas e artigos, que trabalham questões de forma criativa, sobre desenvolvimento local a partir da cooperação e solidariedade. São vários os exemplos da movimentação e o interesse de profissionais da comunicação, sobre estes temas, mas estes continuam distantes do cotidiano da vida escolar, como forma de mediação pedagógica. A revista Escola de setembro traz uma pesquisa apontando pontos críticos na formação acadêmica dos professores e destaca que há lacunas na compreensão do “que” e do “como” ensinar o que limita a efetividade da ação deste profissional no campo de trabalho. Além disso, é mencionado um distanciamento da prática acadêmica da realidade escolar. Sendo assim, mesmo que os meios de comunicação desenvolvam programas relacionados à solidariedade e à cooperação, os canais para efetivar esta mediação passam primeiro pela formação do professor, pelos projetos educacionais das secretarias de educação, para poderem alcançar a escola, a sala de aula e o cotidiano do jovem. Acredito que haja um desperdício das potencialidades do meio escolar para se efetivar uma educação cooperativa e solidária adequada às necessidades da sociedade contemporânea.

IHU On-Line - Através das suas percepções nas ações cotidianas do Instituto PalavrAção, como seria possível potencializar a inserção das pessoas nas cooperativas, através do auto-reconhecimento de seu papel, não apenas como sócio, mas como dono de um empreendimento que tem uma perspectiva social intrínseca, muito além da econômica e financeira?

Carlos Daniel Baioto - Quando os pioneiros do cooperativismo se fizeram esta mesma pergunta, a conclusão deles foi que a educação seria o canal a ferramenta desta transformação. Mas eles já identificaram que teria que ser uma educação diferenciada, não uma educação bancária que só reproduz conhecimento de forma desconectada de sua realidade. Para os primeiros que pensaram uma educação cooperativa solidária, esta teria por princípio um processo endógeno, voltado a uma perspectiva sobre o desenvolvimento humano e local, uma educação voltada aos trabalhadores jovens e adultos. Por isto, o desenvolvimento de uma educação voltada a este fim necessitava ter suas especificidades. A partir de então, surge a base do que entendemos por Educação Cooperativa Solidária.

Instituto Palavração

A prática e o sentido de ser do Instituto PalavrAção estão diretamente relacionados a esta perspectiva. Dedicamos-nos à pesquisa e à formação de trabalhadores agentes públicos e privados, além da formação de jovens. Acreditamos no trabalho em forma de redes de cooperação, com forma de potencializar conhecimentos e desenvolvimento sustentável. Por atuarmos com pesquisa e formação, trabalharmos com ferramentas de várias áreas do conhecimento e, assim, aprendemos que, quando se fala em educação como forma de desenvolvimento humano, social e econômico, se faz necessário trabalharmos com ferramentas de mensuração de resultados. Para este fim, existem indicadores, tanto na área da educação específica voltada a jovens adultos e trabalhadores, com conhecimentos na administração. Na prática, desenvolvemos ações de formação de professores e de trabalhadores em empreendimentos solidários. Trabalhamos com seminários e consultoria em parceira com o poder público e privado em projetos de desenvolvimento local sustentável, que vão desde hortas comunitárias até inclusão pelo esporte, projetos de incubadoras sociais e organização de cooperativas.

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