Edição 282 | 17 Novembro 2008

Um poeta inserido no contexto social e religioso de seu tempo

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André Dick

Para o médico e padre Aníbal Gil Lopes, os poemas de Hopkins refletem de maneira marcante as posições da Igreja Católica de seu tempo e são uma referência inegável na construção da linguagem moderna

Gerard Manley Hopkins decidiu, em determinada fase de sua vida, antes de se tornar religioso, queimar todos os seus poemas “por considerar a prática da poesia demasiado individualista e auto-indulgente”. Esta é uma das lembranças do médico e padre Aníbal Gil Lopes, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, em relação à trajetória de Hopkins, um poeta que esteve à frente de seu tempo. Mais tarde, diz Aníbal, é no cardeal John Henry Newman “que Hopkins encontra o exemplo que procurava. É também ele quem, em 1866, recebeu o poeta na Igreja Católica”. Assim, lembra Aníbal, Hopkins, depois de se converter ao catolicismo, “direciona-se ao sacerdócio, ingressando logo depois na Ordem dos Jesuítas”. A sua poesia deve ser analisada, desse ponto de vista, “no contexto de sua vida religiosa”. No entanto, Aníbal lembra que não se deve esquecer que não apenas os estudos clássicos, literários, filosóficos e teológicos formaram Hopkins: “Ao lado de seu noviciado na Companhia de Jesus e dos anos dedicados à docência, não pode ser esquecida sua atividade pastoral, que sempre desempenhou com zelo e dedicação”.

Aníbal Gil Lopes completou, em 1973, o curso médico na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e o curso de Teologia pelo Seminário Arquidiocesano de São Paulo. No mesmo ano, foi ordenado sacerdote católico. Possui graduação em Medicina, pela Universidade de São Paulo, doutorado em Fisiologia de Órgãos e Sistemas, pela Universidade de São Paulo, e pós-doutorado pela Yale University (1984). Além de ser membro do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, da Comissão Nacional de Pesquisa em Seres Humanos (CONEP), do Conselho Nacional de Saúde, e da Comissão de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB, é professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Sobre a admiração que tem por Hopkins, Aníbal Lopes lembra: “Gostaria de expressar minha gratidão à professora Aíla de Oliveira Gomes, já falecida, que me introduziu à obra de Hopkins, com quem tinha grande afinidade de alma. Dela recebi grande parte de sua biblioteca e quase todos os livros citados. Tradutora de grande sensibilidade, religiosa e contemplativa, possuía a sabedoria, ingenuidade e pureza dos bons”.

IHU On-Line - Como era o ambiente familiar de Gerard Manley Hopkins?

Aníbal Gil Lopes - Nascido em Stratford, Essex, 28 de julho de 1844, Gerard Manley Hopkins era o mais velho dos nove filhos de uma próspera família de classe média, marcada pela religiosidade contemplativa de sua mãe e a curiosidade intelectual de seu pai. Ao lado da literatura, a música e o desenho eram apreciados e cultivados em sua família. No ano anterior ao do nascimento de Gerard, seu pai publicou um livro de versos e dois de seus irmãos se tornaram artistas profissionais. O próprio poeta, cuja primeira ambição foi ser pintor, era exímio desenhista. Esse ambiente aberto às experiências sensoriais o prepara e marca de tal modo que sua obra se manifesta como expressão detalhada e profunda de sensações e sentimentos que atingem uma dimensão mística comparável à de São João da Cruz ou de Santa Teresa D’Ávila.

A educação de Hopkins: influências e contatos

Quando aluno da Highgate School (1854-1863), Gerard desempenhou papel de liderança entre seus colegas, tendo demonstrado a independência de espírito e abnegação que caracterizaram seu comportamento ao longo de toda a vida. Em 1860 ganhou o Prêmio de Poesia (“O Escorial”) e uma bolsa de estudos para o Balliol College, Oxford (1863-1867). Foi nesse período de sua juventude, entre os 16-22 anos de idade, que através da emulação do estilo de Milton, George Herbert, Byron, Keats, Tennyson, Swinburne e Christina Rossetti, entre outros, dominou a técnica da poesia. Em 1867, recebeu os dois primeiros prêmios concedidos ao término do curso, tornando-se um dos raros “duplo-primeiros”. O tutor do College, Benjamin Jowett, grande intelectual inglês, Regius Professor de grego (1855) e teólogo, considerou-o a estrela de Balliol. Sua formação advinda dos estudos clássicos e literários realizados em Oxford não só o prepararam para sua carreira docente como influenciaram todo o seu pensamento e sua poesia. Interessante observar nos seus diários o interesse que revela no estudo da “teoria onomatopoética” da origem da linguagem, detendo-se precocemente na busca do sentido, da sonoridade e da emoção contidos nas palavras e as conexões entre elas, cuja aplicação se manifesta claramente na sua obra madura.

A amizade com Robert Bridges

Ainda, como fruto dos anos passados em Oxford, ocorreu ter conhecido Robert Bridges em 1863. Amigos de vida inteira, Bridges e Hopkins foram um para o outro o leitor primeiro de suas obras, o crítico severo, capaz de, mesmo no limite da compreensão, antever o valor dos escritos do amigo. Certamente, Bridges exerceu importante papel no crescimento intelectual de Hopkins. Graças aos manuscritos ou cópias por ele conservadas é que a obra de Hopkins foi preservada, publicada e conhecida.

IHU On-Line - Como o senhor avalia que Gerard Manley Hopkins alia vida e obra em sua trajetória (por exemplo, a ligação entre religião e poesia)? A poesia, como dizia Octavio Paz, estaria sempre próxima do sagrado?

Aníbal Gil Lopes - Nascido em um ambiente familiar marcado pela piedade anglicana, a busca da verdadeira Igreja Visível, de certo modo sob a influência dos poetas metafísicos e de Christina Rossetti, levou Hopkins a trilhar uma via ascética. Com afinco, procurou atingir a perfeita castidade de mente e de corpo, tendo em vista os valores maiores do caráter e da santidade, na busca do que ele chamou de beleza imortal (immortal beauty). Nessa busca, foi atraído pelo Movimento de Oxford que, iniciado em 1833, ecoava fortemente na Universidade de seu tempo de estudante. O objetivo do Movimento era estabelecer a Autoridade e Catolicidade da Igreja da Inglaterra e nela infundir o espírito medieval de intelectualidade e piedade. Entre os participantes do Movimento, duas tendências se estabeleceram ao longo dos anos. Por um lado, os que tomaram um caminho que os levou ao liberalismo dentro da própria Igreja Anglicana e, por outro, aqueles que se aproximaram da Igreja de Roma, como foi o caso de John Henry Newman (1801-1890), um de seus mais destacados participantes. Seus estudos em história o persuadiram a tornar-se católico romano, tendo sido recebido na Igreja Católica Romana em 1845. Foi criado Cardeal pelo Papa Leão XIII em 1879. Newman, tanto antes como depois de se tornar católico, escreveu uma série de livros influentes, tendo exercido grande influência tanto na Igreja Anglicana como na Igreja Católica. É nele que Hopkins encontra o exemplo que procurava. É também ele quem, em 1866, recebeu o poeta na Igreja Católica. Convertido ao Catolicismo, direciona-se ao sacerdócio, ingressando logo depois na Ordem dos Jesuítas. É como jesuíta que desenvolverá sua obra literária e é nessa condição que sua poesia nasce; portanto, é no contexto de sua vida religiosa que ela poderá ser mais bem compreendida.
Enfim, é apropriada a reflexão de Octavio Paz, expressa na afirmação de que a poesia está sempre próxima do sagrado, pois ela é uma via privilegiada que, superando o formalismo lógico, atinge, na dinâmica do uso da palavra, o mistério insondável da vida e a expressão do que a supera, ou seja, o sagrado.

Ingresso na Companhia de Jesus

Uma vez convertido ao catolicismo e iniciada sua formação na Companhia de Jesus, os estudos filosóficos e teológicos realizados nas instituições jesuíticas lhe proporcionaram uma formação esmerada nessas áreas. Por outro lado, não podemos deixar de atentar para o fato de que não só os estudos clássicos, literários, filosóficos e teológicos formaram Hopkins. Ao lado de seu noviciado na Companhia de Jesus e dos anos dedicados à docência, não pode ser esquecida sua atividade pastoral, que sempre desempenhou com zelo e dedicação. Como sacerdote particularmente piedoso, sua vida de oração o levou ao íntimo contato com a Sagrada Escritura e os Padres da Igreja, parte integrante das orações do Ofício Divino e das celebrações litúrgicas. Em sua poesia ressoa, em muitos momentos, a linguagem dos salmos, a dura grandiloqüência veterotestamentária e suas teofanias. Foi em 1874, quando estudava teologia no norte de Gales, que aprendeu o galês, o que lhe permitiu, mais tarde, adaptar os ritmos da poesia galesa criando o que chamou de sprung rhythm.

IHU On-Line - De que modo avalia a consideração de Mário Faustino, para quem Hopkins é um “pesquisador contaminado, ao mesmo tempo, pelo espírito cientificista do século XIX e pelo misticismo católico”?

Aníbal Gil Lopes - Gostaria de iniciar caracterizando um pouco esses dois aspectos da realidade do mundo vitoriano. Por um lado, entre outros desenvolvimentos científicos da época, a teoria da evolução das espécies é apresentada por Darwin e apaixonadamente defendida e propagada por Thomas Henry Huxley, contemporâneos de Hopkins (1844-1889). O debate inicial se estabelece no âmbito da Igreja Anglicana, sendo famoso o diálogo travado entre Huxley e o arcebispo anglicano Samuel Wilberforce, em junho de 1860, durante reunião da British Association ocorrida em Oxford. Quando, ao ser interrogado pelo arcebispo Wilberforce se descendia de macaco pelo lado materno ou paterno, é narrado que a resposta de Huxley foi: “I would rather be the offspring of two apes than be a man and afraid to face the truth” (“Eu preferiria ser filho de dois macacos a ser um homem com medo de enfrentar a verdade”).

Na esteira do debate provocado por esta e outras descobertas científicas da época é que se cristaliza o cientificismo — doutrina derivada das teses de Spencer, Darwin e Comte, que procura explicar todos os fenômenos exclusivamente por meios científicos, tendo a razão como sua base. O cientificismo considera que o conhecimento científico é o único verdadeiro e real, e que o verdadeiro conhecimento deve ser expresso quantitativamente e deve poder ser repetido experimentalmente sob condições definidas. Reciprocamente, tudo o que pode ser expresso de forma coerente em termos quantitativos, ou pode ser repetido experimentalmente sob condições definidas, é objeto do conhecimento científico e, por isso, válido e aceitável. O cientificismo tem uma concepção mecanicista, formalista ou analista da natureza. Portanto, a partir das leis matemáticas da física das partículas elementares podem ser descritos os átomos, as moléculas e suas combinações; a vida da célula pode ser descrita em termos de moléculas; o pensamento e o espírito (todos os tipos de experiências psíquicas) em termos de circuitos de neurônios. No limite, o universo é uma estrutura particular descrita pela matemática. Nesse contexto, somente a ciência e a tecnologia dela derivada podem resolver os problemas do ser humano e só os cientistas possuem a verdade e, assim sendo, somente eles têm qualificações para tomar parte nas decisões. Se um cientista não basta para analisar todos os campos de conhecimento envolvidos em uma dada questão, um conjunto de cientistas o fará.

“As manifestações religiosas eram satirizadas e marginalizadas”

Nesse período, a Igreja Católica foi combatida não só politicamente, dentro das transformações ocorridas na Europa, tais como a reunificação da Itália e o governo anticatólico de Bismarck, como seu corpo dogmático foi questionado pelo racionalismo e cientificismo vigentes. Os intelectuais do final do século XIX e início do século XX ridicularizavam as religiões, que consideravam próximas da extinção, e o próprio Deus, cuja existência era negada. As manifestações religiosas, portanto, eram satirizadas e marginalizadas. Em resposta a essa situação, Pio IX, através da encíclica Quanta Cura e do Syllabus, promulgada no dia 8 de dezembro de 1864, refutou enfaticamente as várias manifestações do pensamento dessa época, tais como o panteísmo, o naturalismo e o racionalismo, doutrinas seguidas com paixão quase religiosa, típica desse período da história. A resposta prática da Igreja Católica se dá através do Concílio Vaticano I (1869-1879), do qual deriva uma definição clara dos dogmas e uma intensa ação missionária no sentido de fortalecer o sentido religioso, ascético e místico da vida cristã.

Estas observações são importantes para a contextualização na vida intelectual da Inglaterra do Movimento de Oxford, que, nascido dentro da Igreja Anglicana com a finalidade de reformá-la, teve como conseqüência a restauração da Igreja Católica nesse país. Mais do que isso, a influência do pensamento do Cardeal Newman foi marcante na Igreja Católica, sendo que muitas de suas proposições podem ser encontradas nos documentos do Concílio Vaticano II, realizado cerca de um século depois. Assim sendo, permite entender melhor a radicalidade da vocação religiosa de Hopkins. Seus poemas refletem de modo marcante as posições da Igreja Católica de seu tempo.

Espírito contemplativo e ascético de Hopkins

Paradoxalmente, dentro de uma vida voluntariamente mortificada através da renúncia aos confortos e prazeres, desenvolve sua sensibilidade. Diante da natureza, sua atitude contemplativa, em tudo reconhecendo as maravilhas do Criador, pode ser entendida como um olhar científico. Em seu diário (Journal), que cobre o período entre maio de 1866 e fevereiro de 1875, sobressaem suas observações dos fenômenos naturais, com descrições minuciosas das cores, formas e movimentos, ou seja, a qualidade intrínseca de cada objeto que, captada através dos sentidos, traz o sentido da descoberta e da novidade. Muitas dessas vívidas observações registradas em seu diário ficaram gravadas em sua memória e foram usadas anos mais tarde, com grande precisão, nos poemas de sua maturidade. Com um olhar investigativo, que freqüentemente exige que cunhe ou recrie palavras para expressar o que vê, Hopkins descreve árvores, as ondas que se quebram, as nervuras das geleiras, o distante contorno das montanhas. Avidamente observa o crescimento e a desintegração de tudo, desde uma nuvem até uma flor. Acima de tudo, está interessado naquilo que distingue e individua cada coisa. Ele está sempre atento para descobrir o que dá unidade ao complexo de características que constituem o reflexo externo da natureza interior das coisas. Reflexos dessa contemplação se traduzem muitas vezes através de desenhos nos quais registra a individualidade dos seres no conjunto universal. Se, por um lado, sua obra é a mais viva expressão da poesia mística católica de seu tempo, por outro, sua análise da realidade parte da observação quase que científica dos fenômenos naturais, traindo a influência do cientificismo de seu tempo. Estas observações são indissociáveis da gênese dos termos inscape e instress, por ele tão utilizados.

O espírito contemplativo e ascético de Hopkins cria um espaço abissal onde ele vive sua fé. É nessa perspectiva centrada em Deus que, com sua sensibilidade acurada e refinada, debruça-se sobre a natureza e reconhece seus detalhes, e com ouvidos musicais escuta a melodia das palavras, o que lhe permite usá-las na perspectiva de que seu som insinua um pouco do que significa. Na contemplação da perfeição e da beleza da natureza Hopkins vê a manifestação maravilhosa do Criador. Nela encontra-se com Deus. O grande número de obras inacabadas denota seu senso de perfeição nos detalhes e sua dispersão, gerada pelas capacidades múltiplas e múltiplos interesses de uma inteligência privilegiada.

Como posto na pergunta, com razão afirma Mário Faustino que Hopkins é um “pesquisador contaminado, ao mesmo tempo, pelo espírito cientificista do século XIX e pelo misticismo católico”.

IHU On-Line - Como explicaria o fato de Hopkins ter negado a atividade poética, chegando a destruir seus poemas e ter deixado de escrever por sete anos para depois retornar com a criação de uma poesia inovadora e forte?

Aníbal Gil Lopes - Dentro do mundo vitoriano em transformação, a dimensão religiosa foi de fundamental importância para Hopkins. Desde muito antes de sua conversão ao catolicismo, Hopkins enfrentou intensa luta interior, típica dos grandes místicos, o que o levou, em muitas ocasiões, a um estado de desolação e de depressão. Em 1865, escreveu que, para ele, a oração era “a warfare of my lips in truth / Battling with God (“uma guerra de meus lábios na verdade / enfrentando Deus”).

É nessa perspectiva que pode ser entendido o fato de ter sacrificado deliberadamente suas ambições artísticas antes de ingressar na Companhia de Jesus, queimando seus primeiros poemas, por considerar a prática da poesia demasiado individualista e auto-indulgente. Ao menos três passagens de seu Diário (1867-1868) permitem concluir que foi após uma longa reflexão que decidiu destruir as cópias que possuía de seus próprios poemas. Em carta enviada a Bridges no dia 7 de agosto, exatamente um mês antes de sua entrada no noviciado dos jesuítas, ele escreve: “I cannot send my Summa for it is burnt with my other verses: I saw they wd. Interfere with my state and vocation” (“Eu não posso enviar minha Summa porque foi queimada com meus outros versos: eu vi que eles iriam interferir no meu estado e vocação”). Uma nota de roda pé na mesma página afirma que por sete anos permaneceu fiel a essa resolução, tendo escrito unicamente: “two or three little presentation pieces which occasion called for” (“duas ou três pequenas peças de apresentação que as circunstâncias exigiram”).

Todavia, o estudo das obras do franciscano Johannes Duns Scotus, em 1872, lhe permitiu entender que sua poesia não estava necessariamente em conflito com os princípios religiosos. Conhecido como “O Doutor Sutil”, Scotus acentua a separação entre fé e razão, sustentando que o objeto da teologia é Deus enquanto tal, e o da metafísica, o ser enquanto ser. A metafísica não pode conhecer Deus como Deus, mas apenas como ser, o qual não é uma forma vazia, mas realidade que inclui certas propriedades, como os modos, que são determinações intrínsecas possíveis, cujos primeiros tipos são “finito” e “infinito”. Para o filósofo, provar a existência de Deus como ser é provar a existência do infinito. Duns Scotus contesta o argumento ontológico de santo Anselmo e admite a prova a posteriori da existência de Deus, partindo, porém, não dos objetos sensíveis, mas das modalidades do ser. Argumentou (ao contrário de S. Tomás de Aquino) que determinado indivíduo e objetos neste mundo eram as únicas coisas que o homem poderia conhecer diretamente, e, depois, apenas através da quididade de cada objeto (quididade, que é haecceitas em latin e thisness em inglês, designa a essência de uma coisa, ou mesmo as suas qualidades especiais). Esta idéia, por sinal, foi usada por Hopkins na elaboração do conceito de inscape.

IHU On-Line - O senhor poderia explicar esse conceito de inscape? Há uma ligação desse conceito com a imagética literária ou acredita que ele se volta a uma ontologia estritamente de Hopkins?

Aníbal Gil Lopes - Como acabei de afirmar, inscape é um conceito derivado por Hopkins das idéias do filósofo medieval Duns Scotus expressas no termo haecceitas, ou seja, a qualidade única e distintiva, inerente a uma coisa. Hopkins acreditava que tudo no mundo era caracterizado por inscape e, por sua vez, inscape era aquilo que delineava a dinâmica da identidade individual, nunca estática. Este conceito está em harmonia com a noção de que Deus é o Criador infinitamente inventivo que não faz duas coisas iguais. Hopkins considera que os seres humanos, por serem os mais altamente individualizados, podem reconhecer o inscape em outros seres do mundo através de um processo chamado instress. Mais ainda, para reconhecer o inscape de um ser através do instress, é necessária uma intervenção divina. Inscape e instress desempenham, portanto, um importante papel na poética de Hopkins.


Obras consultadas:

>> The poems of Gerard Manley Hopkins. Edited by W.H. Gardner and N.H. MacKenzie, 4th. Edition, revised and enlarged. Oxford University Press, Oxford, 1984.
>> The letters of Gerard Manley Hopkins to Robert Bridges. Edited with notes & an Introduction by Claude Colleer Abbott. Oxford University Press, Amen House, London, Second Revised Impression, 1955.
>> Gerard Manley Hopkins Poems and prose. Selected with an introduction and notes by W. H. Gardner, Penguin Books, Middlesex, England, 1953, reprinted 1984.
>> Gerard Manley Hopkins – A critical essay towards the understanding of his poetry. W.A.M. Petters, S.J. Geoffrey Cumberland, Oxford University Press, London, 1948.
>> Gerard Manley Hopkins, priest and poet. Jonh Pick, Oxford University Press, London, 1966.
>> Hopkins. Norman H. MacKenzie, Oliver and Boyd, London, 1968.
>> Gerard Manley Hopkins. Francis Noel Lees, Columbia Essays on Moderns Writers, 21, Columbia University Press, New York, 1966.
>> The wreck of Deutschland – An essay and commentary. John E. Keating, Kent State University Bulletin, Kent, Ohio Research Series VI, Folcroft Library Editions, 1976.
>> Gerard Manley Hopkins, Poemas. Tradução e Introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Companhia das Letras, São Paulo, 1989.
>> Hopkins: cristal terrível. Gerard Manley Hopkins - Augusto de Campos. Edição bilíngüe. Editora Noa Noa, Ilha de Santa Catarina, 1991.

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