Edição 281 | 10 Novembro 2008

“Algumas pessoas são mais iguais do que outras”

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Graziela Wolfart

Autor do livro Para entender - Princípio da igualdade (São Leopoldo: Editora Sinodal, 2008) reconhece que vivemos num mundo onde a pessoa tem sonegados os itens básicos para viver com dignidade. Obra foi lançada no último dia 7 de novembro, durante a 54ª Feira do Livro de Porto Alegre.  

No último dia 7 de novembro, o professor Wilson Engelmann, coordenador do curso de Direito da Unisinos, lançou na 54ª Feira do Livro de Porto Alegre o seu livro Para entender - Princípio da igualdade (São Leopoldo: Editora Sinodal, 2008). Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele lembra que na atualidade “é de fundamental importância a discussão sobre a igualdade, pois apesar de todos os avanços – especialmente os tecnológicos – ainda existem muitas pessoas que não tem o devido respeito pela sua simples condição de pessoa”.  

Graduado, mestre e doutor em Direito pela Unisinos, Engelmann tem como temas preferenciais a hermenêutica filosófica, a ética, o direito natural, os direitos humanos e os direitos fundamentais. Além da obra recém lançada, é autor de Crítica ao positivismo jurídico: princípios, regras e o conceito de Direito (Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001) e Direito Natural, ética e hermenêutica (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007).

IHU On-Line - Por que é importante discutir na sociedade atual o princípio da igualdade? Todo o ser humano tem dimensão do conceito de igualdade?

Wilson Engelmann - Na atualidade, é de fundamental importância a discussão sobre a igualdade, pois, apesar de todos os avanços – especialmente os tecnológicos –, ainda existem muitas pessoas que não têm o devido respeito pela sua simples condição de pessoa.  Apesar de estar expresso no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovado pela ONU em 10 de dezembro de 1948 (aliás, este ano a Declaração completa 60 anos), que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos [...]”, ainda existem muitas situações em que algumas pessoas são mais iguais do que outras. Vivemos num mundo onde a pessoa tem sonegados os itens básicos para viver com dignidade. Para tanto, torna-se necessário discutir o tema – e o livro se insere nesse contexto, pois não está voltado exclusivamente ao público acadêmico, mas pretende servir de leitura para o leigo em geral, a fim de auxiliar no esclarecimento e na tomada de consciência sobre a efetiva importância de se discutir e ter bem esclarecido o princípio constitucional da igualdade.

IHU On-Line - Qual a importância da questão da igualdade em comparação com outros Direitos Humanos, no que diz respeito à questão da dignidade da pessoa?

Wilson Engelmann - A igualdade é um dos Direitos Naturais/Humanos, tão importante como qualquer outro, como, por exemplo, o direito à vida, honra, liberdade e outros. Entretanto, a sua não observância adequada acaba prejudicando a implementação do conjunto dos chamados Direitos Humanos. A dignidade da pessoa humana deve ser considerada como uma característica decisiva do ser humano. O trabalho pela implementação da igualdade no conjunto social é compromisso do Poder Público (responsável pela coordenação da vida comum), mas também de cada um de nós, em atenção ao respeito do princípio da subsidiaridade. Portanto, não poderemos atribuir somente aos outros a responsabilidade pela implementação da igualdade. Isso é obrigação de todos.

IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre liberdade e igualdade?

Wilson Engelmann - Ambos são Direitos Naturais/Humanos e são essenciais para o pleno desenvolvimento de todas as pessoas. Quando se fala em liberdade, não significa fazer qualquer coisa e nem dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa. A liberdade, especialmente dentro de um Estado Democrático de Direito, significa a possibilidade de manifestação do pensamento e ação dentro de alguns contornos eticamente aceitáveis. A liberdade significa, portanto, a partir de Martin Heidegger,  a possibilidade de desvelamento do ser do ente homem. Ou seja, a possibilidade humana para acessar a essência de cada pessoa, configurada pela dignidade da pessoa humana. A liberdade significa a possibilidade de deliberar sobre as melhores alternativas para a construção da igualdade entre os homens e mulheres. Portanto, a liberdade pode ser catalogada como uma possibilidade humana para o desenvolvimento das condições para que a igualdade possa surgir como tal e reconhecida (nominada – hermeneuticamente) no relacionamento social.

IHU On-Line - Como se pode falar em igualdade quando se sabe que cada pessoa é diferente uma da outra? Como se poderá falar em igualdade na diferença?

Wilson Engelmann - As pessoas são naturalmente diferentes umas das outras. Em relação a isso não se poderá lutar. Talvez aí esteja o desafio humano na construção da sociedade. O trabalho com a igualdade e o respectivo princípio constitucional não significa a pretensão niveladora. Pelo contrário, a dignidade deverá ser respeitada em relação a cada uma das pessoas, independente de suas características individuais. Os humanos precisam aprender (os que ainda não o fizeram) que, independente de qualquer atributo, a igualdade é a condição de possibilidade para a própria manutenção da espécie.

IHU On-Line - Qual o papel do Direito em relação à prática da igualdade entre as pessoas?

Wilson Engelmann - O Direito como um conjunto de normas de conduta e de procedimentos (normas jurídicas) tem um papel normatizador da igualdade. Vale dizer, cabe a ele especificar limites coletivamente consensuados através do processo político-judicial capaz de atender às peculiaridades que envolvem a igualdade na diferença entre as pessoas. Nesse contexto, a igualdade integra o rol de direitos e garantias fundamentais, previsto especificamente no “caput”, do art. 5º, da Constituição da República. Como categoria constitucional, deverá permear a elaboração de qualquer norma jurídica, especialmente a lei e a decisão judicial, sob pena de inconstitucionalidade. Para tanto, a compreensão/interpretação/aplicação (dentro do círculo hermenêutico) do princípio da igualdade parte do pressuposto negativo de não discriminar, ou seja, é preciso respeitar a todos, independente de suas características individuais. Durante muito tempo, se pensou a interpretação e a aplicação das normas jurídicas como processos separados e sucessivos. Vale dizer, primeiro era preciso interpretar a norma para, num segundo momento, aplicá-la ao caso concreto. A partir do momento em que a Filosofia e o Direito se deram conta de que o mundo somente é mundo por causa da linguagem e que sem ela não conseguimos nominar as coisas e os acontecimentos que nos evolvem, essa divisão do pensamento começou a cair por terra. Portanto, não se pode pensar um modo de concepção da igualdade direcionada ao aplicador da norma jurídica e outra, dirigida ao elaborador da norma, como o Poder Legislativo, por exemplo, pois o Direito não é criado exclusivamente pelos integrantes do Poder Legislativo. Assim, surge a inadequação do fracionamento da concepção sobre a igualdade. Desse modo, não se pode aceitar um parâmetro de igualdade para o elaborador e outro para o aplicador do Direito. É justamente essa separação que provoca – e isso não é uma previsão, mas uma constatação a partir dos detalhes extraídos da realidade social – o não-respeito ao princípio da igualdade. Como cada um deve fazer alguma coisa em determinado tempo, um espera pelo outro e ambos não fazem nada, ou não fazem o suficiente. Foram as marcas deixadas pelo transcurso do tempo que ensejam uma proteção discriminatória. A pergunta que se deixa é a seguinte: esse caminho é correto? Será que a discriminação temporária terá condições de implementar a igualdade entre as pessoas, independente de sua origem, raça, cor, orientação sexual ou outras diferenças existentes entre os seres humanos? É objetivo deste livro levantar algumas questões que estão relacionadas entre si. Não existe uma resposta pronta e acabada. A solução será construída gradativamente, à medida que cada um se der conta das diferenças que devem integrar a igualdade.

IHU On-Line - Qual o papel de cada um e cada uma na construção de uma sociedade na qual a igualdade receba um lugar de destaque?

Wilson Engelmann - A formulação da questão já demonstra uma preocupação com a igualdade. Normalmente, e sem nos darmos conta, formulamos nossos pedidos e considerações utilizando apenas o masculino. No entanto, cada vez com mais intensidade, a questão de gênero acompanha o nosso cotidiano. Com isso, começamos a nos dar conta de dirigir a nossa interlocução para homens e mulheres. Isso é um sinal que evidencia preocupação com a igualdade. Veja-se que são pequenas questões que poderão fazer uma grande diferença se o grupo social começar a praticá-las. Não se trata de atribuir essa responsabilidade para o outro ou ao Poder Público. A implantação da igualdade entre nós deverá começar com cada um, com pequenos gestos e comportamentos. Não é necessário desencadear uma revolução. Basta começar. E, para que o primeiro passo seja dado, precisamos de coragem. É isso que eu espero de cada um dos leitores do meu livro e desta entrevista. 

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