Edição 281 | 10 Novembro 2008

A atualidade da pedagogia inaciana

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Márcia Junges e Patricia Fachin

Os desafios de colocar em prática a pedagogia inaciana, em pleno século XXI, e seus inúmeros suportes tecnológicos são analisados pela filósofa Cecília Osowski

“Considero que o momento atual, em relação à educação inaciana desfruta de uma das melhores condições de expandir-se e fortalecer aprendizagens que possam ser desenvolvidas a distância, através dos ambientes virtuais, sensibilizando, problematizando e avaliando modos de viver produzidos pela proposta de Inácio de Loyola no século XVI”, pondera a filósofa Cecília Osowski, na entrevista a seguir, exclusiva, por e-mail, à IHU On-Line. E completa dizendo que a educação inaciana “vem produzindo seus efeitos mediante uma educação evangelizadora que hoje se atualiza como uma pedagogia inspirada na espiritualidade inaciana e na extensa experiência educativa da Companhia de Jesus ao longo desses cinco séculos que tem no magis – ser mais e melhor naquilo que nos aproxima de Deus - fonte de inspiração, referência maior e critério para avaliar como cada colégio responde aos problemas de seu tempo e do espaço que ocupa”.

Graduada em Filosofia, é mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com a tese Os chamados superdotados: a produção de uma categoria social na sociedade capitalista. Cursou pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além de professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Educação na Unisinos, Osowski organizou inúmeras obras, das quais destacamos Educação e mudança social: por uma pedagogia da esperança (São Paulo: Loyola, 2002), O ensino social da Igreja e a globalização (São Leopoldo: Unisinos, 2002) e Visão inaciana da Educação: desafios hoje (São Leopoldo: Unisinos, 1997).

IHU On-Line – Como a senhora percebe o princípio básico da pedagogia inaciana, o cuidado pessoal, nas escolas brasileiras? De que forma as teorias de Inácio de Loyola  são pertinentes para o momento em que vivemos?

Cecília Osowski - Vivemos um tempo de modernidade líquida marcado pela momentaneidade do aqui e do agora, tornando cada indivíduo refém da fluidez das relações humanas e da transitoriedade nas formas de viver. Tal contexto impele cada um e cada uma a um certo descompromisso com tudo e com todos. Seduzidos pela busca desenfreada de lazer, prazer e novidade pela novidade, assim como pelas exigências de uma eterna juventude; pelo ter, esquecendo o ser; mergulhados num consumo desenfreado, fazemos do humano, lixo e do descartável, uso permanente. Com isso, defrontamo-nos com a diluição do humano e a transgressão de fronteiras: parece que tudo vale e ao mesmo tempo questionamos não só como tudo isso nos afeta, como também participamos da produção dessas condições. No contexto educacional, constato que a pedagogia inaciana assume-se na contracorrente desse fluxo, ao atualizar a proposta educacional pensada por Inácio de Loyola no século XVI considerando os desafios econômico-sociais e político-pedagógicos de cada lugar onde escolas que assumem essa proposta inscrevem-se, nesse início de século XXI. Isso se dá ao reconhecer que, para educar “homens e mulheres para os demais”, torna-se cada vez mais difícil responder as perguntas feitas por Inácio de Loyola: o que fiz, o que faço e o que farei com Aquele e por Aquele que tudo fez por mim: Cristo. Sinalizado como uma referência, considero que aqui estaria um dos possíveis critérios para que cada instituição educativa pudesse olhar-se e examinar de que forma atende, ou não, a esse chamado.

IHU On-Line – A pedagogia inaciana também é bastante conhecida por ser fundada num humanismo social de inspiração cristã e numa ética da solidariedade. Essas características ainda compõem o cenário das instituições de ensino brasileiro?

Cecília Osowski - Não me atrevo a responder pelo que acontece no ensino brasileiro; prefiro ater-me aos colégios da Companhia de Jesus no Brasil e na América Latina, que vêm cada vez mais aproximando-se desse humanismo social de inspiração cristã, modulando-se por diferentes formas de manifestar solidariedade, desde aquelas que se transvestem de assistencialismo, até aquelas que não reconhecem esse outro como um necessitado ou alguém que precisa de apoio e conforto, mas como alguém que nos permite manifestar uma solidariedade adulta. Ao experienciá-la dessa forma, constituímo-nos junto com ele como pessoas, e aproximo-me dele reconhecendo o quanto ele me permite ser quem sou, ensinando-me a agir solidariamente. Se não fosse ele, como poderia constituir-me como um cristão ou uma cristã que se deixa levar em sua forma de viver pelo humanismo social cristão, de inspiração inaciana? Nos colégios da Companhia de Jesus ou naqueles que se deixam levar por sua proposta, destacaria os projetos sociais, muitos dos quais planejados e desenvolvidos pelos próprios alunos, junto com professores de diferentes áreas de conhecimento. Neles, respaldo-me para afirmar que os currículos escolares são organizados de modo que os estudantes experienciem os efeitos de conhecimentos e ambientes onde há necessidade de um diálogo intercultural e, muitas vezes, de um diálogo inter-religioso. Dessa forma, aprendem modos de posicionar-se frente a condições de vida injustas e destrutivas a determinados grupos culturais, ao apoiar-se num trabalho escolar orientado por um dos princípios básicos da educação inaciana: aprender a servir, discernindo aquilo que mais aproxima cada um e cada uma desse outro que tantas vezes passa por nós desapercebido, ou que não podemos escutá-lo porque caminha sem voz e com poucas esperanças de sobreviver em contextos tão adversos ao humanum que habita em cada um, seja cristão ou não.

IHU On-Line – Que heranças da pedagogia inaciana ainda persistem nos dias atuais? Quais os desafios a serem alcançados nesse sentido?

Cecília Osowski - Não encontro possibilidades de reconhecer “heranças” nessa pedagogia inaciana, pois isso me remeteria a um passado que se faz presença hoje. A contínua atualização dessa pedagogia inaciana torna-a sempre nova, diferente e singularizada ao inscrever-se nas dificuldades e necessidades de cada tempo e de cada lugar. Ao aceitar responder aos desafios que lhe são colocados e até mesmo produzidos por ela, ao defrontar-se com “contravalores” ou acontecimentos que questionam o modo de proceder inaciano, ela assume os efeitos que produz, problematiza-os e tenta buscar com todos aqueles que por eles são afetados possíveis soluções. Do ponto de vista pedagógico, isso acontece em todos os níveis de ensino, inclusive nos movimentos de Fé e Alegria, atualizados através de políticas em favor da vida, seja no Brasil, seja no contexto da América Latina.

IHU On-Line – Para onde caminha o ensino brasileiro? Depois de tantos anos atuando como educadora, quais suas perspectivas para o futuro?

Cecília Osowski - Considero que o momento atual, em relação à educação inaciana desfruta de uma das melhores condições de expandir-se e fortalecer aprendizagens que possam ser desenvolvidas a distância, através dos ambientes virtuais, sensibilizando, problematizando e avaliando modos de viver produzidos pela proposta de Inácio de Loyola no século XVI. Ela vem produzindo seus efeitos mediante uma educação evangelizadora que hoje se atualiza como uma pedagogia inspirada na espiritualidade inaciana e na extensa experiência educativa da Companhia de Jesus ao longo desses cinco séculos que tem no magis – ser mais e melhor naquilo que nos aproxima de Deus - fonte de inspiração, referência maior e critério para avaliar como cada colégio responde aos problemas de seu tempo e do espaço que ocupa. Isso se dá através de uma rede pedagógica sintonizada com essas novas formas de ensinar a distância e de aprender, facilitadas pelas tecnologias de conhecimento e informação que invadem não só nossos colégios, como também os lugares onde muitos de nossos alunos moram. Gosto de experienciar essa modalidade de educação a distância que se pauta, também, pelo Paradigma da Pedagogia Inaciana, onde quem dela participa pode atualizar-se em relação a teorias curriculares contemporâneas e adequadas para examinar sob diferentes perspectivas essa educação que se dá desde o século XVI sempre de modo diferente. Eu diria que Inácio de Loyola vivendo em nosso tempo também se comunicaria através do celular, participaria de chat e usaria o MSN. É assim que gosto de imaginar-me junto a quem, como ele, sabia que não há futuro idealizado, mas apenas esse presente que, no meu caso, encharca-me de alegria e encantamento pela vida, considerando de onde falo e de como vejo, sinto e experiencio o que tem marcando minha vida pessoal e profissional.

IHU On-Line - Durante sua experiência na universidade, que momentos destacaria como significativos, especialmente no curso de Pedagogia?

Cecília Osowski - Todos aqueles em que professores, alunos e grupos administrativos atualizaram formas de ensinar, aprender e de realizar gestão tendo por referência valores sociais, humanos e cristãos, junto com as especificidades de cada setor ou atividade permeados pelo diálogo intercultural e interreligioso. Considero que a constituição do Instituto Humanitas Unisinos - IHU marcou um momento de “virada cultural e pedagógica”, pois vem acolhendo e divulgando em nível acadêmico e de forma acessível saberes e modos de viver a espiritualidade e a pedagogia inacianas. Isso se faz pela forma aberta e acolhedora a diferentes grupos culturais e modos de proceder, pautando-se por uma ética que oferece condições para que “todos cheguem a ser homens e mulheres para os demais e com os demais, com excelência humana, alto nível acadêmico e capazes de liderança” nos ambientes dos quais participam (PEC, 2006, p. 271, §57).

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