Edição 281 | 10 Novembro 2008

Montessori e suas contribuições para a Pedagogia moderna

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Márcia Junges

O método montessoriano continua atual e questiona rótulos de normalidade e anormalidade entre crianças, que são estimuladas a desenvolverem iniciativa e atividades diferentes simultaneamente, enfatiza Marli Möller Nedel

“A descoberta feita por Montessori de algumas leis que regem a aprendizagem da criança, tão diferente dos conteúdos das teorias pedagógicas da época, e o desenvolvimento gradual e progressivo de uma pedagogia baseada nas etapas do desenvolvimento foram talvez sua maior contribuição à pedagogia moderna”, avalia a psicóloga Marli Möller Nedel na entrevista exclusiva, concedida por e-mail à IHU On-Line. Em seu ponto de vista, são os princípios norteadores montessorianos, baseados nas etapas do desenvolvimento biopsicológico infantil, que constituem o grande valor histórico das proposições da educadora italiana. Rebatendo as críticas de que tal método gera o caos em sala de aula, Nedel acentua: “Em uma classe montessoriana, ver-se-ão crianças envolvidas com as mais diversas atividades, simultaneamente: uns estão trabalhando com matemática, outros com linguagem outros com arte, outros com ciências, geografia, astronomia, dinossauros. Não existe caos na classe montessoriana. Existe uma ordem, mas não é aquela ordem da escola tradicional, onde todos sempre fazem o mesmo tipo de atividade”.

Nedel é graduada em Pedagogia e Psicologia, pela Unisinos, especialista em Montessori, pelo Assumption Montessori Treaning Center, e mestre em Educação, pela Universidade da Pensilvânia, na Philadelphia. A professora já lecionou na Unisinos, na Universidade de Santa Cruz (Unisc), e no Centro Universitário Univates, de Lajeado. Atualmente ela atua como psicóloga.

IHU On-Line - Qual o valor histórico das teorias de Montessori para a Educação? Em que sentido seus estudos foram importantes para a evolução da Pedagogia?

Marli Möller Nedel - Maria Montessori  chegou à Educação através do seu trabalho na Medicina, e não pela via tradicional da própria Pedagogia, como professora. Foi uma pioneira em diversos sentidos. Na época, final do século XIX, praticamente a única carreira aberta às mulheres era o Magistério. Ela queria Medicina, o que não era permitido. Conseguiu licença especial do Ministro da Educação para fazer o curso e enfrentou toda a sorte de dificuldades, inclusive boicote de professores e colegas. Só para dar um exemplo: por ser mulher e devido aos preconceitos da época, não podia assistir e praticar a dissecação de cadáveres com os colegas do sexo masculino. Sobrou para ela o turno da noite, em que, sozinha no necrotério, podia fazer tal atividade. Sendo, porém, uma pessoa muito determinada, venceu todos os obstáculos e conseguiu se formar. Imbuída do espírito científico, era uma grande observadora do comportamento humano. Sua inteligência, seu espírito científico, seu poder de observação e a crença na Biologia, de que nenhum comportamento é sem causa ou objetivo, levaram-na a desenvolver uma teoria de aprendizagem baseada na natureza humana, no desenvolvimento humano. Quando, a insistentes pedidos de autoridades e professores, resolveu escrever sua teoria sobre Educação e Desenvolvimento, chamou sua obra de O método científico aplicado à educação infantil e às Casas de Crianças – Auto-educação nas escolas primárias (1909). Seu editor achou este título um tanto longo e que talvez não fosse bom “para vender”. Por sua conta o chamou de O método Montessori. Não foi uma boa, porque não era isso que ela queria.

Pedagogia científica

Sua abordagem era um modo de ver o desenvolvimento infantil entremeado com as condições do ambiente, e como este ambiente poderia favorecer ou atrapalhar o desenvolvimento da criança. A Pedagogia que Montessori desenvolveu é científica, haja vista que proveio da observação e da experimentação, fundada nos princípios biopsicológicos do desenvolvimento humano, que ela tão bem conhecia, devido à sua formação médica. Nancy M. Rambush ressaltou que “sua formação médica, seu entendimento do método científico e sua opção em favor do ambiente como fator crucial no desenvolvimento do organismo, combinaram-se admiravelmente a fim de produzir uma teoria educacional original, atribuindo novos papéis tanto ao professor quanto ao aluno” (Nancy M. Rambush, in Dr. Montessori’s own handbook, p. 18)

A descoberta feita por Montessori de algumas leis que regem a aprendizagem da criança, tão diferente dos conteúdos das teorias pedagógicas da época, e o desenvolvimento gradual e progressivo de uma pedagogia baseada nas etapas do desenvolvimento foram talvez sua maior contribuição à pedagogia moderna. Nas palavras de Montessori, “o estudo da psicologia da criança, em seus primeiros anos de vida, descortina ante nossos olhos tais maravilhas que ninguém, vendo-as com entendimento, pode furtar-se a ficar profundamente sensibilizado. Nosso trabalho como adultos não consiste em ensinar, mas em auxiliar a mente infantil no seu trabalho de desenvolvimento” (Maria Montessori, in The absorbent mind, p. 28 ). Portanto, a meu ver, o grande valor histórico da contribuição de Montessori à educação não é um “método”, nem os materiais (maravilhosos) que ela desenvolveu, mas os princípios norteadores, baseados nas etapas do desenvolvimento biopsicológico infantil. Enquanto o desenvolvimento humano seguir os mesmos passos, como tem sido desde a Criação até nossos dias, os princípios que Montessori descobriu não poderão tornar-se démodé ou obsoletos. Serviram tanto às crianças da primeira Casa dei Bambini (1907) quanto às atuais.

IHU On-Line - Em que consistia o trabalho de Maria Montessori com as crianças deficientes?

Marli Möller Nedel - Após ter concluído o curso de Medicina (1894) e a residência (1896), Montessori foi designada como Médica Assistente da Clínica Psiquiátrica da Universidade de Roma. Ali, veio a ter contato com crianças deficientes, na época chamadas de “idiotas” e consideradas “ineducáveis”, pois não se acreditava que a idiotia tivesse qualquer chance de ser tratada ou diminuída. Não havia tratamento, nem médico nem pedagógico, para estas crianças. Eram apenas reunidas em uma sala e trancadas à chave. Não havia qualquer brinquedo, qualquer material, nem sequer para “distraí-las”. Um dia, Montessori passava por uma destas salas, quando viu uma mulher servindo a refeição às crianças, mas com tal desprezo e rejeição que Montessori parou para inquiri-la sobre o razão de tanta ojeriza por aquelas crianças. A mulher respondeu que eram “como animais que, depois de comerem o pão, atiravam-se ao chão, disputando as migalhas”. Montessori então observou que as crianças, em vez de comerem as migalhas, amassavam-nas formando bolinhas ou outros objetos. Como tinha espírito científico e sabia que a natureza não age sem razão ou objetivo, pôs-se a observar essas crianças, por vários dias, e concluiu que elas tinham uma intenção ao fazer isso. Como não havia brinquedos nem nada na sala, amassavam as migalhas para fazer imitações de objetos e brincar com isso. Montessori ficou tão surpresa com a observação que pediu autorização à direção do hospital para trabalhar com essas crianças. Voltou-se novamente aos estudos, com destaque para dois médicos franceses, Jean-Marie Itard,  que trabalhou, no século XVIII, com surdos e com “o menino selvagem de Aveyron”,  e Edouard Séguin,  que havia desenvolvido “um método fisiológico para o tratamento de crianças deficientes. Fez também estudos de Psicologia e Antropologia, para auxiliá-la a compreender melhor essas crianças. Trabalhava com elas diariamente das 8h às 19h. Desenvolveu seus primeiros materiais educacionais para eles.

Ao fim de dois anos trabalhando na Escola Ortofrênica, fundada graças a seu trabalho, Montessori resolveu aplicar o teste de alfabetização utilizado nas escolas primárias de Roma e – para surpresa geral – essas crianças passaram no teste! A repercussão, por toda Europa, foi enorme, como não poderia deixar de ser. Entretanto ela, na sua modéstia, disse: “Estes dois anos de prática na Escola Ortofrênica (1899-1901) são, na verdade, meu primeiro e único verdadeiro diploma em pedagogia” (Montessori, in E. M. Standing. Maria Montessori: her life and work, p. 29).

IHU On-Line - Qual a importância do trabalho de Montessori no contexto em que foi desenvolvido?

Marli Möller Nedel - Em parte, a resposta já foi dada na questão anterior. Considerando como se pensava a criança em geral, que se tinha uma visão negativa das crianças na época (que eram preguiçosas, que só aprendiam sob pressão e com muita disciplina etc.), pense-se então a visão negativa que havia sobre as crianças com deficiência, na época chamadas de “idiotas”, no sentido psiquiátrico do termo, e vistas como completamente ineducáveis. Se as crianças ditas “normais” já eram maltratadas, pense-se então nas outras: maltratadas, espancadas, abusadas, pois, “não eram nada, não serviam para nada”, eram motivo de chacotas e coisas piores. Neste contexto, alguém que se interessa por elas, pede para trabalhar com elas, convive com elas, trabalha exaustivamente com elas, desenvolve materiais educativos para elas, aprende a amá-las... só pode ser considerado como algo de extraordinário, certamente. E, ao fim de dois anos, consegue não só alfabetizá-las, mas aprová-las nos exames das escolas públicas! Ninguém, até então, conseguira tal feito – e a repercussão não poderia deixar de ser enorme, com todo mérito!

Depois, a partir de l907, com a primeira Casa dei Bambini, no conjunto habitacional do bairro San Lorenzo, Montessori pôde realizar um de seus sonhos, há tempos acalentado: trabalhar com crianças “normais”, para ver do que seriam capazes. Lá, desenvolveu atividades com crianças, filhas dos moradores do conjunto, portanto, de baixa renda. Muitas dessas crianças antes, por não terem onde e com quem ficar ou brincar, destruíam os prédios e faziam todo tipo de vandalismo. Entretanto, com as atividades e a metodologia empregadas por Montessori, aconteceu também uma revelação extraordinária. Aquela visão negativa sobre a infância, de que as crianças só aprendiam sob pressão, rígida disciplina e controle, veio completamente abaixo. As crianças gostavam de aprender, ou de “trabalhar”, como dizia Montessori, movimentavam-se tranqüilamente pela sala de aula, aprendiam muito, levavam o aprendido para sua vida em casa ou qualquer outro lugar. Como ela mesma disse, as crianças ali ”revelaram sua verdadeira natureza”, que consistia em gostar de aprender, quando o ambiente é propício, desenvolvendo suas potencialidades. Atitudes que antes eram consideradas pelos adultos como non sense, com as descobertas de Montessori passaram a ter sentido, dentro de um quadro maior do desenvolvimento. Inclusive, as brincadeiras infantis passaram a ser interpretadas por Montessori como propiciadoras de desenvolvimento.

Montessori e o Zeitgeist

É verdade que o espírito da época foi-lhe também favorável, pois, como disse Wellington, “o excepcional interesse provocado pelas idéias da Dra. Montessori é sem dúvida devido a que vieram ao mundo num momento em que havia um grande descontentamento com os métodos tradicionais das escolas e um ávido desejo por algum tipo de reforma que tornasse a educação popular mais efetiva do que então” (Wellington, C. Burleigh.O aluno que não aprende: desafios e orientações).

Por outro lado, temos o fato de que Montessori não apenas era sensível à necessidade de uma educação de acordo com a natureza da criança, mas também foi capaz de concretizá-la e sistematizá-la. A esse respeito, disse E. M. Standing: “Em Montessori, mais do que em qualquer outro indivíduo, este movimento tão característico do nosso Zeitgeist tornou-se luminarmente auto-consciente. O que outros sentiram vagamente ou em fragmentos desconectados, ela viu como um todo.... nela, aspirações que estavam no coração de milhões de pessoas no mundo todo, encontraram expressão articulada” (E. M. Standing.  Maria Montessori: her life and work, p. vii).
   
IHU On-Line - O que é o método Montessori de aprendizagem? Esse método ainda é atual? Por quê?

Marli Möller Nedel - É muito difícil, em poucas palavras, dizer “o que é o método Montessori”. Em primeiro lugar, não é só um método. Como dito anteriormente, o principal é a abordagem do desenvolvimento biopsicológico da criança. É conhecer os princípios que norteiam esse desenvolvimento e o que a criança necessita para se desenvolver. Sabendo isso, pode-se aplicar o “método” que, na verdade, é o que oferece as condições de a criança se desenvolver de acordo com suas potencialidades e interesses. O método, então, é um modo de tornar o desenvolvimento possível. Por exemplo, não adiantaria ter essa abordagem em mente e ter uma sala de aula comum: cadeiras alinhadas, o professor dirigindo as atividades, todas as crianças fazendo as mesmas atividades (colagem, argila, arte etc.) ao mesmo tempo. Na abordagem montessoriana, o ambiente da sala de aula é “preparado” para as mais diversas atividades, de acordo com as etapas do desenvolvimento. As crianças têm liberdade de se dirigirem às atividades para as quais são atraídas e trabalharem naquilo, por quanto tempo desejarem. Assim, em uma classe montessoriana, ver-se-ão crianças envolvidas com as mais diversas atividades, simultaneamente: uns estão trabalhando com matemática, outros com linguagem outros com arte, outros com ciências, geografia, astronomia, dinossauros etc. Não existe caos na classe montessoriana. Existe uma ordem, mas não é aquela ordem da escola tradicional, onde todos sempre fazem o mesmo tipo de atividade. Vêem-se crianças trabalhando sozinhas, outras em pequenos grupos e há também atividades coletivas. Elas podem trabalhar sozinhas, ora em duplas ou trios e trocar de atividade e de grupo, conforme sua vontade.

Não há tumulto, todos respeitam o trabalho alheio, comunicam aos colegas suas descobertas. Outro aspecto importante: as crianças se movimentam dentro da sala de aula. Não há uma divisão entre “atividades intelectuais na classe, atividades físicas no recreio”, como na escola tradicional. Atividade intelectual, artística e movimento estão conjugados numa classe montessoriana. É difícil conceber a aprendizagem escolar nestes moldes, mas existe e é possível – e também desejável. E para quem não acreditar, como eu, ao ler meu primeiro livro sobre Montessori, é só visitar escolas montessorianas para crer. Foi o que eu fiz, porque simplesmente não podia crer que o que estava no livro poderia ser realidade. Digo quase como Júlio César com seu “Vim, vi e venci”. Eu diria: “Vim, vi e... fui vencida!”. Tornei-me montessoriana!

Material didático montessoriano

Outro detalhe do “método” Montessori: o agrupamento das crianças por idade, na mesma sala: três a seis anos, nove a doze, e assim por diante. Nas escolas tradicionais, mesmo as melhores, as crianças da pré-escola estão agrupadas por idade: dois anos, três anos, quatro anos. Depois, por série: 1ª, 2ª, 3ª. Para Montessori, as crianças de 1a a 3a séries podem estudar juntas.
Quanto aos materiais, é um assunto um pouco polêmico. Há quem ache que só se pode trabalhar Montessori com os materiais importados da Holanda (que, de fato, são maravilhosos) ou comprados em São Paulo. Se isso for financeiramente possível, ótimo. Se não for, podem-se usar materiais semelhantes, no sentido de desenvolverem as mesmas habilidades. Alguns acham que isso não é possível, nem desejável. Há alguns anos, participei de um Congresso Montessoriano em Salvador, onde ministrei dois cursos: um sobre Montessori e Piaget, outro sobre “como utilizar o Método Montessori com materiais locais”. Ambos foram um sucesso, mas agora quero destacar o segundo. Causou grande surpresa – e público – discutir a possibilidade de usar materiais locais, desde que estimulem as mesmas potencialidades. Como referi antes, deve-se conhecer os princípios da educação montessoriana, que também são os da educação universal do ser humano. Quem conhece esses princípios, pode aplicar o “método” Montessori em qualquer lugar: Nova York, Paris, Rio de Janeiro, São Leopoldo, na África ou no Xingu. Não importa o lugar, nem o grau de desenvolvimento. Eu trabalhei dois anos na Escuela “Las Nereidas” em San Juan, Porto Rico, numa classe bilíngüe (Inglês e espanhol) e por dois anos e meio no Colégio São José, em São Leopoldo. Em ambas, o trabalho com Montessori foi muito gratificante, tanto para mim, quanto para as crianças. É claro que aspectos culturais locais devem ser considerados, mas as crianças são as mesmas – a natureza – e a aprendizagem acontece seguindo os mesmos princípios, seja com uma folha de bananeira ou com um computador. Esta é uma diferença importante entre “princípios norteadores, baseados na natureza infantil, “método” e “materiais” montessorianos (método – como se vai fazer – e os materiais – com que se vai fazer).

E, at last but not least, alguns princípios da educação montessoriana, resumidamente:

- a sua “regra de ouro” sempre foi o amor e o respeito pelas crianças. Quem não gosta de crianças – e não as respeita – não deve trabalhar com elas. Infelizmente, há professores que não gostam de crianças ou adolescentes e teimam em trabalhar com uma faixa etária de que não gostam.

- o uso do método científico, em especial a observação e a experimentação. Assim, dá para ver em que etapa do desenvolvimento a criança está, quais as atividades que a estão atraindo, e que irão capacitá-la para a próxima etapa. Para isso, o professor deve conhecer quais são estas etapas, e quais atividades são características de cada uma. Para exercer a observação do “jeito montessoriano”, o professor deve, de certa forma, distanciar-se da criança.

- a diferença entre a criança e o adulto. A criança é um ser em desenvolvimento, cujas potencialidades serão ou não atingidas, dependendo das oportunidades que ela tiver. O adulto (supostamente) é um ser que já atingiu a norma para a espécie. Sua aprendizagem é diferente. Pode aprender conceitos mais abstratos, enquanto a criança aprende pelo concreto, através da ação.

- a importância dos primeiros anos, principalmente a “mente absorvente”. De zero aos três anos, a criança absorve, inconscientemente, informações que nós, adultos, levaríamos décadas para aprender. Dos três aos seis anos, Montessori chama de “mente absorvente consciente”.

Contrariando os educadores da época, e alguns de hoje também – nos primeiros anos estão nossa maior capacidade de aprender, inclusive línguas estrangeiras. Em minha classe bilíngüe, em San Juan, muitos alunos falavam até três línguas. No Colégio São José, em São Leopoldo, eu cantava com as crianças em sete línguas... Até alguns anos atrás, Ciências e Línguas eram ensinados quando as crianças já passavam dos dez anos, “por serem mais difíceis”. As crianças montessorianas adoram aprender geografia, astronomia, ciências, línguas. Talvez uma das maiores “provas” de que Montessori enveredou pelo caminho certo é a facilidade com que as crianças pequenas, nos dias de hoje, dominam os computadores e outros aparelhos eletrônicos e digitais.

- a importância do ambiente no desenvolvimento – nas classes montessorianas,  o ambiente é “preparado”para as atividades das crianças. Há quatro grandes áreas de atividades numa classe montessoriana; a da vida prática (lavar, passar, varrer etc.; os versamentos – de grãos e de líquidos), e outras; a área sensorial, com os mais diversos materiais para desenvolver e aprimorar os cinco sentidos; a área da Matemática e a área da Linguagem, inclusive com o alfabeto móvel. Há também áreas para ciências, estudos sociais e arte. Os materiais montessorianos propriamente ditos são coloridos, bem feitos e revelam a grande capacidade intelectual – e didático-pedagógica – da Dotoressa. Conceitos por vezes difíceis em Matemática tornam-se fáceis e visualmente compreensíveis através da manipulação dos materiais concretos.

- os períodos sensitivos - são períodos nos quais o organismo é dirigido por um quase irresistível impulso para certos elementos do ambiente. Estes períodos são transitórios e têm a função de auxiliar o organismo a adquirir certas características necessárias ao seu desenvolvimento. Quando o objetivo é atingido, esta sensibilidade desaparece ou diminui e é geralmente substituída por outra. Por exemplo: período sensitivo para a ordem, para a música, para as línguas.

- necessidade do movimento – se pensarmos na disciplina das escolas no final do século  XIX, e mesmo até algumas décadas atrás, quando a imobilidade e a rigidez eram exigências cotidianas na sala de aula, podemos valorizar mais ainda o trabalho de Montessori, que, a partir de 1907, permitiu às crianças liberdade de movimento e de escolha das atividades. Esta liberdade, em vez de originar o caos, como esperado, ao contrário, estimulou as crianças a aprender e a compartilhar o aprendido com seus coleguinhas. Esta liberdade de movimento e escolha até hoje praticamente não existe na grande maioria das escolas.

IHU On-Line – Os conceitos de normalidade e anormalidade podem ser revistos (e até abolidos) a partir das idéias de Montessori?

Marli Möller Nedel - Em parte, sim. Ela trabalhou com as crianças chamadas “idiotas” na Escola Ortofrênica da Universidade de Roma, fundada a partir de seu interesse por elas. Apurou seus sentidos, despertou sua inteligência, conseguiu não só alfabetizá-las, como também aprová-las nos exames padrão de leitura das escolas públicas de Roma. Como ela conseguiu isso? Acreditando na natureza humana, no ser humano, na interação organismo-ambiente. Enquanto todos admiravam sua conquista, Montessori refletia sobre as razões pelas quais estas crianças, ensinadas de maneira diferente do usual, foram auxiliadas no seu desenvolvimento psíquico. Se este método dera resultados com as crianças deficientes, como seria com as crianças “normais”? O que estaria represando seu desenvolvimento a ponto de deixá-las em tão baixo nível de aprendizagem?

Mais tarde, Montessori desenvolveria o conceito de “normalização”. Para ela, crianças com dificuldade de aprendizagem e/ou comportamento disruptivo haviam sido prejudicadas no desenvolvimento, tinham “pontos caídos”, como no tricô, que “ficaram para trás” e que poderiam ser “puxados de volta”, com as atividades propostas por ela.  Desenvolveu, também, além das já citadas, atividades específicas de “normalização”.

Montessori era uma otimista quanto à natureza humana. Acreditava que o ser humano, tratado com amor e respeito, e de acordo com sua natureza, poderia sempre se “normalizar”, isto é, ter uma atitude positiva frente à aprendizagem e à vida.

IHU On-Line – Qual a principal crítica que se pode traçar às instituições de ensino a partir dessa perspectiva?

Marli Möller Nedel - Nas escolas tradicionais, todos fazem as mesmas atividades, ao mesmo tempo. O professor decide tudo: o que fazer, como fazer, por quanto tempo fazer. Um dos principais problemas gerados por esta metodologia é que não se leva em consideração as diferenças individuais, principalmente em relação ao tempo. Há excesso de cópia no dia-a-dia da escola, e nem todas as crianças conseguem “copiar a lição” no mesmo tempo. Há sempre os “retardatários” que “atrapalham” o esquema do professor. Na minha vida de professora e de supervisora de estágio, tanto no magistério 2ª grau, quanto 3ª grau (Pedagogia), tenho visto as mais terríveis aberrações em sala de aula. As atividades de 1ª série, em geral, são um horror, pelo menos nas escolas públicas que eu costumava visitar. Como justificar que um aluno permaneça na 1ª série por cinco anos? Em geral, a “culpa” é atribuída ao aluno. E os professores, a escola, eles não têm responsabilidade nenhuma nesta “tragédia”?

Referências bibliográficas:

Montessori, Maria. The Absorbent Mind. New York, Dell  Publishing, Inc., l969
Rambush, Nancy M. Dr. Montessori’s Own Hanbook. New York, l967
Standing, E. M. Maria Montessori: her Life and Work. New York, The New American Library, l962
Wellington, C. Burleigh. The Underachiever: Challenges and Guidelines. Chicago, RandMcNally & Co., s/d.

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