Edição 281 | 10 Novembro 2008

O método pós-construtivista

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Márcia Junges e Patricia Fachin

É preciso desenvolver bases conceituais sólidas na formação docente, afi rma Esther Grossi. O método pós-construtivista, que leva em conta a dimensão social nos fenômenos da aprendizagem, é a alternativa proposta

Aprender é bem mais do que estar informado, defende a educadora Esther Pillar Grossi. Para ela, “aprender é raciocinar, selecionar informações para estabelecer juízos e raciocínios”. Nesse sentido, a internet é um pequeno auxiliar, que não contém a força do aprendizado em si. “Essa força está na condução do professor para que o aluno construa esquemas de pensamento”, disse com exclusividade à IHU On-Line, em entrevista por telefone. Ela critica a falta de embasamento teórico dos professores, que mesclam em sala de aula o empirismo, o inatismo, o construtivismo e o pós-construtivismo. Essa base teórica periclitante, espécie de salada de frutas conceitual, é a responsável em boa parte pelo fracasso escolar, alfinetou. Não restam dúvidas que deve “haver uma reformulação completa na forma de ensinar”.

Graduada em Matemática, Esther tem mestrado pela Sorbonne, em Paris. Em 1970, com mais 49 professores de Porto Alegre, fundou o Grupo de Estudos Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (Geempa), tornando-se uma liderança na busca de soluções aos grandes problemas da escola pública brasileira. Desde abril de 2002, Grossi coordena, em Porto Alegre, o projeto O prazer de ler e escrever de verdade, realizado pelas ONGs Geempa e Themis, com recursos do Ministério da Educação, e que objetiva a alfabetização de mil mulheres em três meses. Por sua proposta inovadora, a realização do projeto está sendo especialmente acompanhada pela Unesco e pelo Unicef. De sua produção bibliográfica, citamos A coragem de mudar em educação (Petrópolis: Vozes, 2000), Por que ainda há quem não aprende? - A política (São Paulo: Paz e Terra, 2004) e Como areia no alicerce – Os ciclos escolares (São Paulo: Paz e Terra, 2004). Conhecida por pintar seus cabelos de várias cores, Esther Grossi afirma que é mais fácil trocar a cor das madeixas do que mudar a educação e a política.

IHU On-Line – Em que consiste a psicogênese?

Esther Grossi - A psicogênese é uma das coisas mais complexas e novas do ensino. Esse é o ponto-chave da questão. Ela é a fatia intermediária da aprendizagem entre o conteúdo científico e o processo do próprio aluno, que ele próprio constrói através de circunstâncias do seu próprio cotidiano. O aluno formula hipóteses sobre aquele campo conceitual. Ensinar nada mais é do que ir ao encontro dessas hipóteses, acolhê-las e depois superá-las. A psicogênese é essa seqüência de passos que um aluno constrói quando quer compreender algo da realidade. A pessoa não compreende esse algo diretamente, com objetividade. Primeiro, é construída alguma coisa meio mítica, meio fantasiosa, mas que é essencial para que se chegue a uma compreensão objetiva.

IHU On-Line – De que maneira esse método contribui para eficiência do aprendizado e enfrenta as lacunas educacionais?

Esther Grossi - Só compreendendo a psicogênese é que será possível ensinar a todos. E, a partir daí, irei ao encontro do que cada aluno pensa e fujo do ensino que ignora o processo do aluno e só pensa nos conteúdos científicos.

IHU On-Line – O que é o método pós-construtivista? De que maneira o método pós-construtivista alicerça as didáticas geempianas  para alfabetização e pós-alfabetização?

Esther Grossi - O construtivismo foi concebido por Piaget e tem características essenciais: o conhecimento se constrói, e não é captado de um bloco ou transmitido de fora para dentro. Ele é uma construção. Essa foi a grande descoberta piagetiana. Contudo, Piaget não incorporou profundamente nem o aspecto social, nem o aspecto cultural na sua visão da construção dos conhecimentos. Ele pensava que construíamos os conhecimentos em contato com o objeto do conhecimento. Vygotski, Wallon,  Sara Pain  e Gerard Vergnaud  se deram conta de que o conhecimento, em primeiro lugar, se dá na troca, na interação, como uma essencialidade, e em segundo lugar, na psicogênese sobre a qual acabamos de falar. Portanto, é preciso haver uma reformulação completa na forma de ensinar. O pós-construtivismo é o acréscimo, principalmente, da dimensão social nos fenômenos da aprendizagem.

IHU On-Line – Em que sentido esse método representa um avanço na reformulação dos currículos?

Esther Grossi - Toda vez que esclareço com mais objetividade como algo acontece, isso terá, certamente, efeitos positivos no processo de aprendizagem. Através dessa metodologia, a alfabetização de adultos, por exemplo, é possível em três meses. Crianças não levarão mais do que um ano para se alfabetizarem. Então, a eficácia é muito maior.

IHU On-Line – Recente pesquisa mostrou que o ensino brasileiro é péssimo. A que a senhora atribui esse resultado de fracasso escolar?

Esther Grossi - Ao fato de que as pessoas não colocam como fundamento de sua prática uma base teórica sólida. Os professores misturam inatismo, empirismo, construtivismo e pós-construtivismo. Fazendo essa “salada de frutas”, falta consistência teórica à prática dos professores.

IHU On-Line – No artigo “O inssino no Brasiu è otimo”, a senhora diz que para melhorar o ensino é necessário uma mudança completa no jeito de ensinar. Qual é a sua proposta?

Esther Grossi - Em primeiro lugar, os professores devem se apropriar de uma proposta que seja solidamente embasada. Se esta proposta for calcada no pós-construtivismo, é preciso se apropriar dessa teoria, e, ao mesmo tempo, dessa prática, para depois realmente aplicar isso em sala de aula. Sem base teórica não é possível uma prática eficiente. Para isso, é preciso muita pesquisa e vínculo entre os educadores os pesquisadores.

IHU On-Line – Considerando os índices pífios no ensino brasileiro, qual é o maior desafio quando se trata de alfabetizar a todos?

Esther Grossi - Aplicando o que há de novo, que é a metodologia baseada em Emília Ferreiro e na continuação de seus estudos pelo Geempa, temos condições de solucionar essa “praga” que é a não aprendizagem da leitura e da escrita em nosso país, onde temos 50 milhões de analfabetos adultos.

IHU On-Line – O que a senhora pensa a respeito dos livros didáticos utilizados em nossas escolas? Eles estimulam os alunos a serem participativos e criativos, ou primam por uma repetitividade que não dá sentido ao que deveriam aprender?

Esther Grossi - Os livros didáticos, até hoje, estão baseados em pressupostos equivocados. Eles podem ser uma muleta para o professor, mas a aprendizagem resultante de seu uso é muito pequena. É isso que aparece nas avaliações.

IHU On-Line – E que pressupostos equivocados seriam esses?

Esther Grossi - Seriam os pressupostos inatistas, empiristas. Pensar que o conhecimento já está dentro de nós e é apenas uma questão de maturação, como propõem os inatistas, ou acreditar que todo conhecimento vem de fora e chega até nós através dos sentidos, ao modo dos empiristas, ou ainda pensar que se aprende individualmente em contato com o objeto do conhecimento é uma forma equivocada de entender o processo de aprendizagem.

IHU On-Line – A inserção da internet e de novas tecnologias na escola interferem ou modificam o processo de alfabetização? Como percebe essas ferramentas em sala de aula?

Esther Grossi - A interferência pode ser positiva, com certeza, se o professor não exagerar na solicitação de informações. A internet enriquece as informações, mas aprender é muito mais do que ser informado. Aprender é raciocinar, selecionar informações para estabelecer juízos e raciocínios. Então, a internet pode ser um auxiliar, mas é, indiscutivelmente, um auxiliar pequeno. Ela não tem a força em si. Essa força está na condução do professor para que o aluno construa esquemas de pensamento.

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