Edição 281 | 10 Novembro 2008

O pedagogo. Amigo da criança e intelectual crítico

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Patricia Fachin

Há 15 anos acompanhando as transformações da universidade, Euclides Redin diz que o curso de Pedagogia ainda não encontrou sua identidade

A dedicação de Euclides Redin demonstra a experiência de um homem que dedicou parte significativa de sua vida a uma causa que um dia ainda poderá mudar os rumos do país: a educação. Na entrevista a seguir, realizada na semana passada, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Redin faz uma breve avaliação do curso de Pedagogia da universidade, comenta a inserção do Ensino a Distância, e faz críticas ao sistema de avaliação imposto pelo MEC e às políticas públicas destinadas ao ensino brasileiro.

Para ele, o método de avaliação pedagógico vigente, estabelecido pelo MEC, é preocupante e assusta professores e alunos. Uma educação baseada em resultados, como sugere o ministério, explica, é ineficiente e incapaz de garantir dignidade aos estudantes. “Essas provas não perguntam qual é o compromisso do estudante com a cidade, com o estado, com os jovens, e muito menos perguntam se o pedagogo é feliz, se tem compromisso com os alunos”, aponta.  Atrelados aos resultados exigidos pelo órgão, os professores tentam renovar o trabalho nas escolas, mas acabam “entrando numa máquina de desespero, e fazem qualquer coisa para manter o emprego”, lamenta.

Entre os avanços alcançados na área, Redin destaca a evolução da legislação, mas reconhece que o cumprimento da lei ainda é precário. “A legislação está bem, mas falta vontade política para que essas medidas sejam implementadas e regulamentadas”, afirma.

Redin é graduado em Pedagogia, pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Viamão (RS), especialista em Orientação Educacional e mestre em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, pela Universidade de São Paulo (USP).  

IHU On-Line - Como se constituíram seus vínculos com o curso de Pedagogia da Unisinos?

Euclides Redin – Ingressei na Unisinos em 1993, quando o professor José Jacinto da Fonseca Lara  me convidou para constituir a equipe de elaboração do projeto de mestrado e depois do doutorado em Educação; concomitantemente, lecionei no curso de Pedagogia. Durante esses 15 anos, questionei como se dá a aprendizagem, e qual a função da Pedagogia na formação do pedagogo. O educador não é e nem pode ser visto como um treinador para a aprendizagem da leitura e da escrita. Ele deve ser visto, sim, como um intelectual que orienta a posição política e ideológica da escola. Isso me custou alguns debates, porque de fato se quer que o educador saiba como ensinar.

Considerando os novos aplicativos digitais e o rápido acesso à informação, a função do professor mudou. Os alunos não precisam mais de um ensinador, e sim de um companheiro que os ajude a pensar, discutir e projetar idéias para repensar os rumos e as maneiras de construir um projeto de país, de vida e de cidadania. 

IHU On-Line – Tendo em vista as vantagens do uso da internet para alavancar a educação, como o senhor percebe a inserção do EAD (Ensino a Distância) nas universidades?  

Euclides Redin – Com certeza, a introdução do EAD vai ser um fracasso, pois a internet pode instruir, mas não ajuda na construção da cidadania. A máquina é importante para disseminar conteúdos, mas, na formação da consciência política, a relação presencial se torna fundamental. Na busca desse compromisso político, a máquina pode, em certa medida, ajudar, mas também pode alienar e isolar. Paulo Freire tem 26 livros escritos e usa apenas seis vezes a palavra instrução; ele fala em educação, formação, diálogo. Assim, alfabetização e educação devem ser sinônimos de politização.

IHU On-Line - Como o curso de Pedagogia se coloca diante da formação de professores, nos últimos anos?

Euclides Redin – Tenho acompanhado o curso de Pedagogia e penso que esse foi um período de turbulência, em que já ocorreram quatro ou cinco reformulações no currículo. Isso mostra a preocupação dos professores em melhorar a estrutura curricular do curso. A última reforma, induzida pelo controle do MEC e do Conselho Nacional de Educação, criou um curso com uma perspectiva de pedagogia para resultados, ou seja, uma pedagogia baseada na avaliação que busca saber quantos alunos foram aprovados, qual o conceito do curso etc. 

O curso de Pedagogia pode não ter tido grandes resultados nesses 15 anos, mas houve uma efervescência de discussão, insatisfação e vontade de lutar por uma mudança maior. O que percebo é que a Pedagogia da Unisinos ainda não encontrou sua identidade, e corre o risco, com essa paranóia de avaliação do MEC, de não ter mais identidade, tendo de seguir as normatizações que vêm do ministério. Essas avaliações controlam os resultados do curso, mas as universidades ficam sem opção: ou adotam as medidas solicitadas ou fecham. Além disso, é preocupante a falta de uma avaliação mais ampla. Essas provas não perguntam qual é o compromisso do estudante com a cidade, com o estado, com os jovens, e muito menos perguntam se o pedagogo é feliz, se tem compromisso com os alunos. Ninguém questiona se o modelo de ensino atual é válido para que os estudantes vivam com dignidade e para construir um futuro de vida. Se não bastasse isso, o mau trato do Estado com os professores é trágico. Se os educadores não unirem força por dignidade e respeito, vamos alimentar uma crise que irá se prolongar por muitos anos.

IHU On-Line – Esse modelo de avaliação imposto pelo MEC projeta, também nas escolas, um aprendizado limitado, baseado apenas em notas?

Euclides Redin – De modo geral, os professores tentam renovar o trabalho da escola. Mas, ao mesmo tempo, ficam atrelados aos resultados exigidos pelo MEC, e acabam seguindo os programas predeterminados. O educador que sai da universidade animado, com boas perspectivas de trabalho, acaba entrando numa máquina de desespero, e faz qualquer coisa para manter o emprego.
 Enquanto os professores forem humilhados com salários péssimos, com tratamento de choque – eles não podem mais organizar manifestações, pois a polícia ataca -, e enquanto não conseguirem um trato com o mínimo de dignidade, os trabalhos em sala de aula não terão perspectiva de resultado, de transformação da realidade. Um trabalhador humilhado não tem condições de projetar um sistema de ensino, um país que mereça respeito.

IHU On-Line – Que fatores impedem o exercício da profissão com dignidade?

Euclides Redin - De um lado, o Estado não garante a possibilidade de os profissionais constituírem uma carreira sólida, já que muitos professores são contratados por nove meses, sendo readmitidos somente depois das férias. Outro fator que está agravando o trabalho dos educadores é a unificação de turmas: de acordo com a Secretária da Educação de Porto Alegre, Mariza Abreu, não podem existir turmas pequenas, pois elas não são boas para a aprendizagem. Mas quem disse isso? As maiores aprendizagens que tivemos na vida foram individualmente, com a mãe ou com um adulto.
O governo da atual secretária de Educação  vai ficar na história como uma péssima lembrança. Ela fechou mais de 130 escolas, mais de 7500 turmas. Uma política séria de educação não admite o fechamento de escolas, pois este não é apenas um centro local de ensino, mas também um centro de cultura, que deve sediar a discussão do sindicato, da cooperativa, da associação de bairro.

IHU On-Line – Qual sua avaliação do livro didático? Quais as limitações dele no processo de aprendizagem?

Euclides Redin – Pensando a escola como um espaço de formação de cidadania, o livro didático evita que os alunos reflitam sobre a sua realidade. Ele favorece a instrução e não a formação. Além disso, desmobiliza e humilha o pedagogo, o qual não precisa ter qualificação, basta ser um bom aplicador.

Embora aconteça uma longa discussão em relação ao uso desse material, as escolas não conseguem fugir desse método, pois a avaliação que o MEC faz nos colégios está relacionada aos conteúdos que estão nos livros didáticos. Então, a liberdade que o professor tem de trabalhar numa perspectiva mais comprometida é muito pequena devido à avaliação tirana da MEC, da Unesco e de outros organismos mundiais.

IHU On-Line - Qual seu sentimento em relação à educação escolar de hoje, principalmente a educação infantil? As mudanças ocorridas ao longo dos anos podem ser consideradas positivas?

Euclides Redin – Penso que a evolução foi grande em termos de legislação. O Brasil teve ganhos imensos desde que os direitos da criança passaram a constar na Constituição de 88. Entretanto, uma definição legal não garante uma política pública, a qual precisa ser ordenada e regulamentada para responder a demanda social. O Fundo Nacional de Educação Básica (Fundeb), por exemplo, deve garantir recursos suficientes para crianças de zero a seis anos. Mas, na prática, muitos municípios ainda não conseguem ter acesso ao dinheiro para contratar mais professores, abrir mais escolas e equipá-las. A legislação está bem, mas falta vontade política para que essas medidas sejam implementadas e regulamentadas. Nesses anos, os recursos do poder público para a criança já melhoraram, em certa medida, com programas como Bolsa Família, Bolsa Escola. Mas esses auxílios são soluções precárias, provisórias e imparciais. Com esmola não se faz um país grande. É fundamental investir na educação básica com uma estrutura eficiente, professores qualificados e bem remunerados. O aluno que sai desse tipo de escola tem condições de competir uma vaga universitária, com qualquer outro.

Um desafio para a educação, hoje, é pensar um novo modelo de avaliação para ingressar na universidade, que mostre se o aluno tem capacidade de refletir e pensar algo diferente. Para isso, é preciso um novo modelo de escola, que, entre outras coisas, respeite as diferenças entre os estudantes. Enquanto a escola não respeitar o direito de cidadania do aluno e tentar atrelar e adestrar conhecimentos já definidos, vai continuar excluindo uns e incluindo outros.

IHU On-Line – E, no que se refere à formação dos professores de Educação Infantil, o senhor percebe a necessidade de uma renovação no modo de formação?

Euclides Redin – Certamente, deve haver um preparo diferencial na formação desses educadores de crianças pequenas, o qual não existe nos atuais cursos de pedagogia. Os cursos dispõem de pouco tempo para reflexão, pesquisa e estudos sobre a educação infantil. Isso vai ao encontro de alguns dos meus questionamentos: pedagogos são os condutores de criança. Então, na prática, o pedagogo deve ser um bom companheiro da criança. Se o educador não é capaz de caminhar com a criança, comprometido com ela, não será um bom pedagogo. Além disso, o educador precisa ser um intelectual crítico. Tenho a impressão de que o novo modelo de escola exigirá de nós um novo modelo de educador.

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