Edição 280 | 03 Novembro 2008

Lutero. Doutor da Igreja e mestre espiritual

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Graziela Wolfart

Para o teólogo italiano Fulvio Ferrario, seria anacrônico julgar Lutero com critérios moldados pela nossa experiência atual

A relação entre Martinho Lutero e Thomas Müntzer é lembrada sempre pelo lamentável episódio da Guerra dos Camponeses. “Essa tragédia tornou-se um símbolo das dificuldades, para os reformadores também, de manter juntas a liberdade concedida pelo Evangelho e a liberdade política e mundana.” A opinião é do teólogo italiano Fulvio Ferrario, que concedeu por e-mail, para a IHU On-Line, a entrevista a seguir. Para ele, “Lutero desempenhou, por muitas razões, um papel extremamente problemático”. No entanto, contrapõe, “isso não quer dizer que outros homens (como o Papa, por exemplo) estiveram, na época, mais abertos ao movimento camponês”.

Fulvio Ferrario, teólogo italiano, é professor de Teologia Sistemática na Faculdade de Teologia de Roma. Nascido em uma família católica, estudou Filosofia  na Università Cattolica di Milano, tendo como tema de sua tese o pensamento de Hans Küng. Também estudou Teologia em Roma, em função de seu ministério pastoral. Em 1993, obteve o doutorado em Teologia em Zurigo. Neste período, sua pesquisa, focada no serviço pastoral, em particular a Teologia da Reforma, lhe motivou a estudar o Catecismo de Lutero. Tem interesse também pela Teologia de Karl Barth  e Dietrich Bonhoeffer.  De seus vários livros publicados, citamos o mais recente Tra crisi e speranza (Torino: Claudiana, 2008).

IHU On-Line - Como a relação entre Martinho Lutero e Thomas Müntzer  modificou a história do protestantismo?

Fulvio Ferrario - Sem dúvida nenhuma, esta tragédia acabou terminando com a possibilidade de uma melhora na colaboração entre Lutero e os príncipes. Por outro lado, tornou-se um símbolo das dificuldades, para os reformadores também, de manter juntas a liberdade concedida pelo Evangelho e a liberdade política e mundana.
 
IHU On-Line - Como a revolta dos camponeses prejudica a imagem de Lutero?

Fulvio Ferrario - Como eu já disse, foi uma tragédia, e Lutero desempenhou, por muitas razões, um papel extremamente problemático. Isso não quer dizer que outros homens (como o Papa, por exemplo) estiveram, na época, mais abertos ao movimento camponês.

IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre a ética mundial  proposta por Hans Küng  e a ética pregada por Lutero?

Fulvio Ferrario - Falando francamente, não vejo nenhum meio de comparação. Talvez alguém pudesse lembrar o chamado “uso político” da Lei de Deus, de Lutero. Neste sentido, a Lei estabelece limites para o caos, ajudando a sociedade a sobreviver e a se organizar. De acordo com Küng, há “valores humanos”, que podem desempenhar o mesmo papel na formulação de uma comunidade universal hoje.

IHU On-Line - Quais as críticas que você faz a Lutero? Quais os maiores problemas em relação à maneira com ele conduziu a Reforma Protestante?

Fulvio Ferrario - Seria anacrônico julgar Lutero com critérios moldados pela nossa experiência atual. Ele é simplesmente um grande doutor da Igreja e um mestre espiritual. Eu não seria capaz de nomear outra pessoa, além de Santo Agostinho talvez, que tenha dado tamanha contribuição para a formação da pregação da Palavra de Deus.

IHU On-Line - Quais as principais bases da teologia de Lutero e do seu Catecismo?

Fulvio Ferrario - 1) O papel da Palavra de Deus como um “dom crítico” para a Igreja e para o mundo; 2) a mensagem da graça, na forma  paulina da justificação somente pela fé.

IHU On-Line - Há semelhanças entre a teologia de Lutero e a teologia de Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer?

Fulvio Ferrario - Bonhoeffer foi um ótimo luterano, o que também significa que ele foi crítico. Barth aprendeu muito com Lutero, mas, como afirmou Gerhard Ebeling,  “brigou” com ele também.

IHU On-Line - Que lições de Lutero podemos utilizar ainda hoje quando o assunto é ecumenismo?

Fulvio Ferrario - Boa pergunta, de fato. Gostaria de mencionar dois pontos: 1) O Evangelho é mais importante do que a diplomacia da Igreja; 2) Mas (não contra Lutero, apenas para uma nova atitude nas relações ecumênicas) alguém precisa colocar toda a paixão na escuta das outras igrejas sobre a compreensão do próprio Evangelho.

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