Edição 279 | 27 Outubro 2008

A importância do luto

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Márcia Junges

A psicóloga Maria Helena Franco reitera a importância do processo do luto, destacando a importância de entendê-lo dentro de diferentes culturas, e analisa como as crianças vivem esse momento

A importância do luto “reside na possibilidade de o indivíduo viver essa transição psicossocial, de maneira a poder incluí-la em sua vida sem a tentativa de anular a relação, mas, sim, para poder encontrar uma condição segura para ter essa mesma relação na vida que viverá dali para a frente”. A opinião é da psicóloga Maria Helena Pereira Franco, docente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, Franco falou sobre as diferenças culturais do luto, assinalando que uma postura de respeito a essas peculiaridades é extremamente importante, já que “têm razão de ser na tradição da comunidade”.

Psicóloga graduada pela PUCSP, Franco é mestre e doutora em Psicologia Clínica pela mesma instituição. Sua tese intitulou-se Luto como uma crise familiar: uma abordagem terapêutica e preventiva. Além de pós-doutora pela Universidade de Londres, Inglaterra, é autora de A psicoterapia em situações de perdas e lutos (Campinas: Editorial Psy, 1994) e organizadora de Uma jornada sobre o luto (Campinas: Editora Livro Pleno Ltda, 2002), Nada sobre mim sem mim: estudos sobre vida e morte (Campinas: Livro Pleno, 2005) e Temas em Psicooncologia (São Paulo: Summus, 2008).

IHU On-Line - Por que o luto é importante? 

Maria Helena Franco – O luto é uma experiência natural e esperada, em resposta ao rompimento de um vínculo. Portanto, sua importância reside na possibilidade de o indivíduo viver essa transição psicossocial, de maneira a poder incluí-la em sua vida sem a tentativa de anular a relação, mas, sim, para poder encontrar uma condição segura para ter essa mesma relação na vida que viverá dali para a frente.

IHU On-Line - Qual é o seu papel em termos de resiliência?

Maria Helena Franco – Poderemos dizer que o luto é um dos cenários onde a resiliência se expressa. Esta é um recurso interessante e importante para o enlutado vivenciar a experiência e construir sua vida a partir dela.

IHU On-Line - Tomando suas pesquisas em consideração, quais são as principais diferenças culturais que se apresentam no luto? 

Maria Helena Franco – São inúmeras as diferenças culturais, e estas não podem ser ignoradas. Elas baseiam-se nas práticas e crenças relacionadas à morte e ao morrer e se expressam em ações no âmbito social, religioso e/ou familiar. Referem-se ao tempo de duração do luto, aos comportamentos esperados para esse período, a diferentes posições dos enlutados em uma escala hierárquica referente à perda. Considero extremamente importante que se tenha uma atitude de respeito pelas diferenças culturais, porque elas têm razão de ser na tradição da comunidade (muitas vezes pelo peso do costume, passado intergeracionalmente) e quaisquer pesquisadores ou clínicos que se debrucem sobre o fenômeno devem ter em mente essa postura de respeito.
 
IHU On-Line - E, nos casos dos enlutados por violência, o que você destacaria como importante? 

Maria Helena Franco – Destaco a necessidade de se construir – ou re-construir – uma base de apoio que lhe ofereça segurança a essas pessoas. É preciso chegar a uma condição de compreender o acontecido e sua participação de profissionais de diversas áreas do conhecimento, como psicologia, direito, serviço social.
 
IHU On-Line - Em regra geral, como as crianças encaram a morte e o luto? 

Maria Helena Franco – As crianças tendem a encarar a partir do que o meio adulto lhes oferece de informação e condições de segurança, a partir de suas possibilidades, levando-se em conta seu desenvolvimento cognitivo e emocional. É importante destacar que as crianças ficam enlutadas, porém, à sua maneira, que é diferente da dos adultos e não se pode negar a elas o direito de receber informação e asseguramento.
 
IHU On-Line - Você acredita que a morte é negada em nossos tempos? Por quê?  

Maria Helena Franco – A morte é negada nas sociedades que privilegiam uma relação de dominação em relação à vida e não de fruí-la como uma experiência passageira. É essa postura que encontramos nas sociedades ocidentais pós-modernas. Não se pode negar a importância dos avanços da ciência quanto ao tratamento e à cura de muitas doenças, mas não se pode confundir estas possibilidades com uma relação de poder que se estabeleça sobre a condição humana.

IHU On-Line - Se a morte é negada, como isso acontece? 

Maria Helena Franco – O que se vê é uma atitude de desqualificar a importância da vivência daquela morte, do impacto que causa nos indivíduos. Concretamente, isso se manifesta em atitudes de pressa na execução dos funerais, na tentativa de continuar como se nada tivesse acontecido e em outras formas de tabu.

IHU On-Line - De que forma a morte pode despertar vida e solidariedade em quem ficou? 

Maria Helena Franco – Como parte do processo de luto, pode-se esperar que o indivíduo enlutado refaça alguns de seus conceitos, e participar de ações que promovam a vida, que impeçam que outras pessoas sofram em função de perdas semelhantes, é uma maneira muito produtiva para que isso aconteça. Participar de grupos que trabalhem com prevenção de violência, por exemplo, seja ela doméstica ou urbana, e apoiar pesquisas para identificar maneiras adequadas para lidar com o luto e os riscos de desenvolver luto complicado são expressões desse desejo de ser solidário.

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