Edição 277 | 14 Outubro 2008

Invenção - Lígia Dabul

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André Dick

Editoria de Poesia

A poeta Lígia Dabul nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1959. Possui graduação em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialização em Antropologia Social, pelo Museu Nacional da UFRJ, mestrado em Artes Visuais, na área de Antropologia da Arte, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutorado em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente, é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem experiência nas áreas de Sociologia e Antropologia, com ênfase em Sociologia da Arte e Antropologia da Arte. Também é professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/Área Imagem e Cultura da EBA da UFRJ.

Ela publicou os livros Um percurso da pintura: a produção de identidades de artista (Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2001) e Som (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005), este de poemas. Além disso, tem no prelo a obra poética intitulada Nave. Seus escritos se caracterizam sobretudo pela paisagem da cidade em que nasceu, com observações sobre o cotidiano. Um exemplo claro, neste sentido, é “Preamar”, que costura um verso que privilegia a construção simétrica da paisagem: “O Rio de Janeiro assa. Vai / chover. Meninas fervem pelas bordas. / Há quem voe no afã da fuga. Nada. / Mamíferas emergem dando corda: / não senti o arpão bífido daqueles / olhos. Nem me afastei de nenhum barco / por amor. A malina encobre meus / desejos incompletos. [...] / Experimento as bordas das meninas. /O pescador imita a minha cria / com gemido eletrônico. Confundo-me / com os gritos. Despeço-me de tudo”. Ou em “Lava a jato”, com seu simultaneísmo de imagens urbanas: “véspera de feriado tudo o que é fosco / reluz o esforço para sair desta cidade / não resultou em absolutamente nada / essa espuma ali perto do maracanã / morrendo de medo no sinal você / quer biscoito globo outro vôo e / a praça da bandeira desembarca / no viaduto que mais parece / um poleiro os carros de longe / dormem mas eu subo furiosa”. Já em “Espera”, Lígia remete, com exatidão, sobretudo ao mar do Rio de Janeiro: “dores findas / doces mélicas / cólicas quero / / abandonar o costume / marcar ainda mais / tudo / nada / de novo / a demora / / nem pensar na / imagem que fica nessa pedra – / a onda vem e / estoura, / vocifera / / mancha a tua lente / com uma espuma quase / branca”.

Sensibilidade da natureza

De certo modo, os poemas de Nave desenvolvem as estruturas mais sintéticas que vemos no primeiro livro de Lígia, Som. Neste, Lígia desenha a sensibilidade da natureza num instante exato, como se fosse um flash fotográfico, em “Apaixonada aléia”, por exemplo: “Num segundo e por descuido / a aléia oferece o pulso / ao percurso. / Em seguida desprende- / se / em / seguida / desprende / um / por / um / seus / arbustos”. A natureza, como se vê em Nave, é visualizada em paisagens que se relacionam à vegetação, ao mar e a rios. Até mesmo num poema extremamente conciso, “Expansão”: “no / mí / ni / mo / / do / mar / a / / gota”. Há outros poemas que lembram cartas, fragmentos de diário, mostrando quase sempre um diálogo amoroso implícito, o que faz com que alguns poemas de Lígia dialoguem com certa dicção marginal. No entanto, sua poesia possui um aspecto mais bem construído, apostando em versos que não recusam a metalinguagem e cortes nos versos inesperados, como em “Acessório”: “A pala (alvíssima) / da menina. A / pele cal / ma (palavra / al / ma) / / no registro. / / A cela (d / ela) / toda / na vitrine”. Nessa metalinguagem, Lígia não raramente exprime uma sensação de sonho, como em “Pouco mais”: “Pouco / bem pouco ou nada / nem dor que em sílaba resume a palavra / que estendo ao máximo para não parecer poema / talvez à máxima extensão do poema / e se possível / mais”. Mas há também uma ligação, nesta escrita, com alguém que parece faltar: “grafo porque o traço / renuncia à ilegível / limpidez / / para além / / renuncio (porque sôo) / a uma solidão / em um corpo / / para quem?”. Confira, a seguir, dois poemas inéditos que Lígia Dabul enviou à IHU On-Line.

FESTA

Preocupam-se com a voz. Perdoam sempre
a dispersão de ouvintes, a presença
de corpos procurando outro contato
e a tensão que já foi a original.
Eu me lembro de antigos aditivos,
prenúncios de desfechos, formas fixas,
imagens bem mais vivas que a do instante:
os teus olhos abertos sobrevoando
sem que faça sentido essa fogueira
acesa, a boca acesa, eu mesma acesa.
Teus olhos não tiveram nunca idéia
de tudo o que se queima e se oferece.

 

 

EXTENSORA

Deus proteja esse táxi. Da cadeira
adutora defino alguns percursos
normais. Belezaonline. Laranjeiras
suas flores e dores nos meus músculos
frontais. Eu amo minha mulher. Amo
minhas filhas. Mas como reter ritmos
quase abdutores sempre transitando
nesse táxi e alongando os apetites
de Ipanema Leblon Nova Iguaçu?
Veloz correr na esteira dos encontros.
Almoçar a cidade. Jantar rúcula
com tomate e parar justo no ponto.

Na cadeira extensora te alcançar.
Deus proteja e abençoe nosso lar.

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