Edição 273 | 15 Setembro 2008

Invenção - Cláudio Nunes de Morais

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André Dick

Editoria de Poesia

O poeta, tradutor e músico Cláudio Nunes de Morais nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1955. Sua poesia está reunida no volume Xadrez via correspondência (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997), que inclui uma reedição de seu livro de estréia - Eu, pron. pess., de 1982. Traduziu, entre outros trabalhos, 19 poemas de Paul Valéry (14 deles antes inéditos em português), publicados na revista Cacto número 2 (São Paulo, 2002), e no Suplemento Literário de Minas Gerais, de abril de 2006 e agosto de 2007.

Assim como Paul Valéry, Cláudio Nunes trabalha, de maneira elaborada, com a materialidade do texto e a organização simétrica dos versos. Embora não costume usar uma das formas prediletas de Valéry – o soneto –, Cláudio Nunes guarda a proximidade com o verso musical, com aproveitamento sempre interessante de rimas e aliterações. Isso está presente, por exemplo, em “Piano preparado”: “e mais a musa é todo ouvidos, / a despertar novos sentidos. / / coisas menores, coisas justas, / às aumentadas, diminutas. / / do pressentido exterior / para o sentido interior / / e, questões acústicas (vide / verso) mais que evidentes, vice- / versa. a trama, num mezzo plano, / com toda a força de um piano”. Sua poesia traz ainda referências culturais, envolvendo filmes, livros, quadros, além de revelar uma forte influência da poesia concreta, sobretudo em seu livro de estréia já mencionado, em que Cláudio apresenta uma variação tipográfica e um trabalho especial com as palavras sobre a página, além de um bom humor: “e amar / por mais uma vez / é como / o nascer / de um poema chinês”.

Referências culturais e construção do verso

Em seus poemas, há referências a autores, como “P. S. a T. S. Eliot” – com versos que se destacam novamente pela propriedade sonora: “Quando se planta sol a pino / em quantos erros incorre ? / – ao carregar-se de atropina / / Que palavras sombrearia / sem a cor de suas campânulas / / que líquidos metais acordaria / num o p.s. sem vogais / para a minúscula palavra poesia”. Em “Breve ontologia bilíngüe”, recorda da poética do norte-americano William Carlos Williams: “diante / de uma árvore / [...] / vista de um prédio / em outro inverno / diante / de uma construção / / em primeiro plano / onde / sob o neon / / recente / 9 pilhas de tijolos crus / aguardam / a chegada do cimento”. Por meio dessa “apropriação”, Cláudio, no entanto, constrói uma poética extremamente singular, bastante condicionada pela fala cotidiana (inserindo trechos em espanhol e em francês em seus versos) e pelas cores da natureza, como em “Vegetação” (“Entre o girassol-do-mato / – (malmequer- / do-rio-grande / com flores reunidas / em capítulos / solitários / – e o bem-me-quer- / (de-todos-os-meses) / / intervalos regulares”), cercada pelas mudanças de estação, presente sobretudo em “Água-tinta”: “Fevereiro é um pássaro. Veio, março / na flor das águas, num momento, e partiu”.

Ao mesmo tempo em que trabalha com poemas simétricos, com versos rápidos, Cláudio desenha uma poética que guarda uma grande observação sobre lugares – sobretudo de Minas Gerais, nos versos de “Bilhete”: “descer direto / em Passagem de Mariana / e perguntar / pelos Inconfidentes / em Ouro Preto” – e experiências, embora nunca esclareça se elas são meramente resultado de leituras, por meio de outros autores. Se em Xadrez via correspondência já havia uma correspondência imediata com a construção do verso de João Cabral, outro admirador de Valéry, nos poemas mais recentes de Cláudio Nunes esse diálogo se intensifica e resulta na escolha de temáticas semelhantes, como no poema “Algumas guitarristas”: “a frágua, a gitanería, / sim, ouvi Francisco Sánchez / Gómez, Paco de Lucía: / / cultivando uma avalanche / de toques, mas com mão certa, / não deixa que se desmanche / / o toque que se completa / com o elenco dos tablaos / e das peñas mais secretas, / / pois tal guitarra, ou granada / que explode à frente do elenco, / sempre renasce – extremada – / / dos pés, da voz do flamenco”, que dialoga diretamente com os poemas de Quaderna, do poeta pernambucano, que trazem poemas remetendo ao flamenco e às dançarinas espanholas. O poema de Cláudio enviado à IHU On-Line dialoga, por sua vez, com o título de um poema de Murilo Mendes, “A lua de Ouro Preto”, presente no livro Contemplação de Ouro Preto.

ANOTAÇÕES
 
Sobre os cadernos
de um juiz-forano:
 
A Lua e os Sonetos
Brancos de Ouro Preto.
 
                •
 
Sobre os cadernos
de um norte-americano:
 
Faltam-nos francesas
para completar suas idéias.
 
                •
 
Sobre os cadernos
belo-horizontinos
do quarto minguante:

Faltam-nos francesas para completar
suas idéias, a Lua para um soneto
branco e, para completar, nos falta Ouro Preto.

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