Edição 273 | 15 Setembro 2008

Os desafios do emprego juvenil

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Patricia Fachin

Para Juarez Tarcisio Dayrell, as perspectivas de futuro dos jovens, principalmente pobres, ainda são limitadas

“A questão do emprego juvenil é um desafio que o país precisa enfrentar, porque coloca limites às perspectivas de futuro do jovem.” A avaliação é de Juarez Tarcisio Dayrell, coordenador do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o pesquisador afirma que a juventude não está acomodada, mas precisa de incentivo e espaços de socialização que despertem sua participação coletiva. “Será que as escolas estão preocupadas com isso? Será que elas estão preocupadas em criar estes espaços?”, questiona. Segundo ele, analisar o impacto da escolarização na vida dos jovens é outro fator que merece destaque. O ProUni, considera, “foi um avanço para o país, mas precisa ser redimensionado, na perspectiva da qualidade”. Com o aumento de jovens graduados no Brasil, os critérios para entrar no mercado de trabalho serão estabelecidos a partir de “quem tem diploma de uma universidade federal e quem tem de uma universidade particular de quinta categoria”.

Dayrell é graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Educação, pela mesma universidade, e doutor em Educação, pela Universidade de São Paulo (USP). Entre seus livros, destacamos A música em cena: o rap e o funk na socialização da juventude (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005).

IHU On-Line – Hoje, muitos jovens ingressam no ensino superior através de incentivos como o ProUni.  Por outro lado, o mercado está abarrotado de graduados desempregados. O jovem lhe parece limitado, no sentido de não reivindicar melhorias no mercado de trabalho?

Juarez Tarcisio Dayrell - O grande desafio posto hoje, não só no Brasil, é a questão do desemprego. Hoje, da forma como a sociedade capitalista está organizada, nunca haverá emprego para todos. A juventude atual, não só no Brasil, mas também na Europa e nos Estados Unidos, é a mais penalizada com o desemprego. Há medidas, mas sabemos de antemão que elas não vão solucionar totalmente a questão, que é muito mais da própria estrutura da sociedade capitalista. A questão do emprego juvenil é um desafio que o país precisa enfrentar, porque coloca limites às perspectivas de futuro do jovem. Ao mesmo tempo, precisamos analisar, também, o impacto da própria escolarização. O ProUni foi um avanço para o país, mas precisa ser redimensionado, na perspectiva da qualidade. Os jovens pobres estão entrando em faculdades, onde a qualidade é muito deficiente. Daqui a pouco, a questão não vai ser quem tem ou não diploma universitário, mas quem tem diploma de uma universidade federal e quem tem de uma universidade particular de quinta categoria. Isso se torna um novo desafio, comum na política pública, que resolve um problema e traz outros. Percebo, e as pesquisas apontam, que as perspectivas de futuro dos jovens, principalmente pobres, ainda são muito limitadas.

IHU On-Line – A pesquisa do Datafolha sobre o perfil do jovem do século XXI apresenta uma juventude “conservadora”. Em que sentido os rumos da sociedade brasileira contribuem para a formação desse perfil?

Juarez Tarcisio Dayrell – De fato, a leitura que esta pesquisa fez dos jovens aponta para um conservadorismo, porque partiu de interesses e expectativas de todo ser humano. O jovem pretende casar, ter filhos, uma casa, um emprego fixo. Não são desejos apenas dos jovens, mas da própria sociedade brasileira. Da mesma forma que existe um número relativo de jovens que participam de grupos sociais, também há poucos adultos que participam. A sociedade, como um todo, tem sua parcela conservadora e sua parcela mais avançada.

Um aspecto muito significativo da juventude é o da participação cultural. Em Belo Horizonte, por exemplo, acabou de acontecer a Bienal Internacional do Grafite. Grafiteiros, que até pouco tempo eram considerados marginais, hoje estão dentro de uma casa de exposição internacional.

IHU On-Line – Segundo os resultados da pesquisa realizada pelo Datafolha, a juventude sonha em resolver suas necessidades básicas: emprego, estudo, casa, carro. O que isso significa? As causas e lutas da juventude mudaram? 

Juarez Tarcisio Dayrell – Existe uma tendência social mais ampla que tende ao individualismo. Há um discurso e uma produção midiática que incentiva esse tipo de valor. Não acredito que as questões sejam lineares e que, em função disso, haja uma aceitação passiva por parte dos jovens e a sociedade esteja mais individualista. Isso é relativo. Não só o jovem, mas a sociedade como um todo, tem um caminho diferente. Cabe às instituições socializadoras – família, escola, Igreja – incentivar o coletivo.

IHU On-Line – A possível passividade atribuída aos jovens pode ser justificada pelo aumento da sua renda mensal, que, de acordo com pesquisa da FGV, aumentou mais de 10% por ano entre 2004 e 2008? 

Juarez Tarcisio Dayrell – Uma coisa não tem a ver com a outra. Não acredito nesse discurso da acomodação dos jovens. Quando eles sentem dificuldades, se mobilizam. Exemplo disso são as mobilizações em torno do passe livre. A sociedade brasileira tem a cultura da não-participação, diferente da cultura européia. Mas essa é uma questão da sociedade como um todo, não apenas dos jovens. Quais são os espaços que os jovens têm para experimentarem a participação coletiva? Será que elas estão preocupadas em criar estes espaços? Participação é algo que se aprende. Será que a sociedade e o mundo adulto estão criando estes espaços, incentivando os jovens a acreditar na ação coletiva? Esta é uma questão que está aberta, mais do que culpar os jovens de participar ou não participar.

IHU On-Line – De que maneira as transformações da sociedade e a maior acessibilidade a bens de consumo modificaram o jovem do século XXI? 

Juarez Tarcisio Dayrell – Essa nova geração passa a ser socializada em outros tempos e espaços. A família de hoje não é a mesma de 20 anos atrás. Hoje, praticamente nenhuma mãe tem condições de acompanhar o processo educacional do seu filho, devido ao trabalho e a outras dificuldades. Instituições como a Igreja e a escola mudaram, assim como mudou o contexto sociocultural onde esse jovem socializa. O avanço tecnológico interfere diretamente nas relações atuais. Isso, de certa forma tem gerado conflitos entre alunos e professores, pois ambos foram socializados em contextos diferentes, o que suscita um desconhecimento entre eles.

IHU On-Line – O relacionamento dos jovens com a família mudou. Hoje, eles permanecem na casa dos pais até o fim da juventude. Como o senhor percebe esse fenômeno? O que pensam esses jovens sobre constituir família ou tornar-se independente?

Juarez Tarcisio Dayrell – Esse fenômeno chegou ao Brasil agora, mas já era constatado na Europa há mais tempo, principalmente entre os jovens de classe média. Isso é resultado de duas grandes variáveis. Uma delas é o próprio mercado de trabalho que, diante da própria dimensão estrutural, produz um adiamento da entrada do jovem no mercado. Hoje, o jovem estuda mais. Por outro lado, há uma melhoria dos índices sociais do país. A pobreza tem diminuído. Incentivos como Bolsa Escola e Bolsa Família vêm atenuando a presença precoce dos jovens no mercado de trabalho, o que faz com que haja uma tendência de um alongamento maior do jovem na família.

Entretanto, nas camadas populares, a falta de perspectiva de inserção na sociedade tem levado o jovem a morar mais tempo com os pais. Na medida em que eles não têm emprego e condições de se sustentar, ficam na casa da família.

IHU On-Line – O jovem ainda tem ideologia? Ele ainda tem consciência de fazer algo em prol do coletivo?

Juarez Tarcisio Dayrell – Em parcelas da juventude, com certeza. Temos juventudes partidárias relativamente fortes, ligadas ao PCdoB, ao PT, e existem movimentos ecológicos muito ativos também. Hoje, o peso da ideologia é diferente de momentos anteriores. Isso não quer dizer que o jovem é apolítico; existem apenas outras formas de participar.

IHU On-Line – Nas campanhas eleitorais, muitos jovens se candidatam com o “discurso da renovação política”. Como o senhor avalia esse discurso?  Que jovem é esse? 

Juarez Tarcisio Dayrell – Existem jovens candidatos que assumem a bandeira da juventude; outros se utilizam desse discurso para angariar votos.

Temos um quadro político extremamente complexo, que precisa ser repensado. A discussão sobre a reforma política do país vem sendo adiada há muitos anos. Mas essas são discussões que estão além das questões da juventude; incluem instituições políticas e a forma como os partidos estão organizados. Abre-se um leque de questões que são desafios da sociedade brasileira, como um todo. 

Leia Mais...

>> Juarez Dayrell já concedeu outra entrevista ao sítio do IHU. Ela está disponível em nossa página eletrônica (www.unisinos.br/ihu).

* O rap e o funk na socialização do jovem da periferia. Notícias do Dia, de 10-11-2007.

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