Edição 273 | 15 Setembro 2008

'O grande medo dos jovens é não encontrar um lugar no mundo adulto'

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Patricia Fachin

Para o psicanalista gaúcho Mário Corso, sem ideologia, a juventude está ligada a um mundo banal e estreito

“Não encontrar um lugar no mundo adulto”, responde o psicanalista gaúcho Mário Corso à pergunta “Qual é o grande medo da juventude?”. Discursos como “o mercado é implacável”, “a vida é dura”, “se não estudar não terá chance” estão amedrontando os jovens, que seguem a vida sem uma ideologia, sem “uma ambição maior”. Os pais, sem valores maiores para transmitir aos filhos, têm contribuído para esse cenário de insegurança, diz o pesquisador, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Com anseios e valores parecidos, as distâncias entre pais e filhos estão diminuindo, o que acarreta na “infantilização geral, um prolongamento da adolescência”, avalia.

Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), Mário Corso é graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Escreveu os livros Monstruário (Porto Alegre: Tomo Editorial, 2002) e Fadas no divã (Porto Alegre Artmed, 2006), este em parceria com Diana Lichtenstein Corso. 

IHU On-Line - A pesquisa do Datafolha aponta que os sonhos dos jovens do século XXI são materiais: emprego, casa, carro. Como o senhor percebe as ideologias do jovem do século XXI? Elas estão diretamente ligadas ao mundo do consumo?

Mário Corso - Emprego, casa e carro não são bens de consumo; podem ser assim considerados no sentido pejorativo que usamos, mas também podem ser considerados bens essenciais. Que alguém pense nisso é porque tem os pés no chão. Falta, em comparação com as juventudes anteriores, uma ambição maior. Falta utopia, mas falta utopia para todos, não só para os jovens. Estamos mais presos ao chão, os pais não têm valores maiores para transmitir aos filhos, como então esperar que eles sonhem com outros mundos? Portanto, a juventude não está ligada ao mundo do consumo, e sim ao mundo banal e estreito de seguir vivendo com conforto. O consumo, no sentido de tentar ser alguém através dos objetos que se possui, é o que é proposto para todos. Se não temos algo diferente, caímos nisso.
 
IHU On-Line - Como o senhor percebe a relação dos jovens com a internet? Eles criam, através da rede, um mundo paralelo? Por que nesses ambientes ele atua com mais desenvoltura?

Mário Corso - Os jovens de hoje são a primeira geração que cresceu com a internet. O que vai sair disso é uma incógnita. De qualquer modo, penso que a internet é uma ferramenta extraordinária, permite acesso a informações que antes não eram inatingíveis. O drama é que, nesse momento, a internet é ainda muito superficial, existe muita informação e nenhuma formação num sentido mais amplo. Porém, ela ajuda cada um a encontrar sua tribo, ficou mais fácil ser diferente, conhecer pessoas, trocar produções, fotos, vídeos. Enfim, ela permite um acesso a bens culturais a um preço muito baixo. O que falta é alguém para guiar as jovens nesse imenso labirinto.

Se um mundo paralelo é um ensaio para o mundo real, é muito bem-vindo, e de certa forma é real, pois as pessoas ficam diferentes com essa experiência. Existe um mundo cooperativo muito interessante na internet. Por exemplo, a Wikipédia, que é feita por inúmeras pessoas, é cheia de erros, mas a experiência de fazê-la talvez seja uma das raras experiências de formação. Isso compensa a sua superficialidade. O software livre é uma militância muito interessante; ele quer levar a internet a todos, quer fazer dela um lugar de troca e não de lucro. Será que isso não é um fiapo de utopia?

Quanto à desenvoltura, é porque na internet tudo é treino, pode-se errar, tudo pode ser recomeçado. É um ambiente mais livre que a escola, não dá notas, não cobra.
 
IHU On-Line – Mas a internet tem sido usada para uma série de crimes contra os jovens, da pornografia até a indução ao suicídio.

Mário Corso - Sim, a internet tem o seu lado escuro, mas ela não inventou nenhuma maldade nova. Como ela é uma ferramenta extraordinária, e que garante certo anonimato, é o paraíso dos canalhas; ela globalizou a canalhice.

Vivemos um momento ruim, porque muitos pais não sabem usar a internet, ou pelo menos nem todos os seus recursos. Existe uma diferença entre usá-la e habitá-la. Aliás, isso pode ser também um problema. Na internet, não temos o corpo em questão, portanto é um excelente lugar para quem é tímido e tem problemas em relação a ele. Para essas pessoas, o contato virtual pode, com o tempo, chegar a substituir o mundo real, e não se estará usando a internet como um treino para ir ao mundo. Mas, mesmo assim, a alienação na internet é melhor do que a alienação do meu tempo que era estar dentro de uma nuvem de maconha. As drogas sempre “emburrecem”, internet nem sempre.
 
IHU On-Line - A juventude está mais vulnerável?

Mário Corso - Não creio que a juventude esteja mais vulnerável. É o momento civilizatório que não é bom, vivemos tempos pouco generosos, mesquinhos, o espírito do nosso tempo é depressivo. Aqueles que, como eu, cresceram numa época de maiores esperanças, estranham o mundo atual. Mas isso é cíclico, outras esperanças virão. A depressão nos ataca quando perdemos nossas maiores esperanças. Não é a frustração do dia-a-dia que nos abate, as perdas pequenas, mas sim a perda do sonho de um destino melhor para nós. A civilização também tem seus momentos depressivos, quando não pode sonhar em ser diferente, e se acha condenada a repetir esse mesmo “mundinho besta”. Claro que isso aguça o individualismo, vou fazer minha vida e azar do resto. Mas a auto-suficiência e a auto-ajuda são ilusórias, não existe saída fora dos outros, não existe felicidade senão coletiva. As saídas sempre são coletivas. Privar-se dos outros e centrar-se em si não é só uma escolha ideológica do momento, é empobrecedor. É um destino muito pequeno ser só um e não deixar que os outros nos alterem. Meu receio, quanto às pessoas que estão em formação hoje, é de se privarem de experiências coletivas, da oportunidade de conhecer o maior número de pessoas na vida real, embora virtualmente alguns jovens se beneficiem da comunicação virtual com gente de outras culturas. Assim, a internet é a esquina de hoje. Como não vamos mais à esquina para ver o que está rolando, usamos a internet.
 
IHU On-Line - Pesquisas mostram que os jovens têm iniciado as relações sexuais cada vez mais cedo, tendo vários parceiros, sem compromisso fixo. Quais os valores sexuais dessa juventude e como o tema é tratado dentro do contexto familiar?

Mário Corso – Os jovens são diferentes da geração precedente, mas quais são os parâmetros certos? É muito embaraçoso, e ninguém tem respostas claras sobre qual seria o momento de começar a ter relações sexuais. Acho que o momento histórico que vivemos é um laboratório aberto para pensar mais sobre isso. Entretanto, precisa ficar claro que os jovens não devem ser transformados em objeto sexual de alguém mais experiente. As experiências dele com seus pares da mesma idade é algo realmente para pensar. Uma certa prudência e experiência nos faz empurrar isso para mais tarde; temos uma idéia que todo sexo precoce traumatiza. Não é bem assim: o trauma vem quando o sujeito não pode processar a experiência. O traumático é a desigualdade entre o sedutor e o seduzido que faz da criança ou jovem um objeto a ser abusado, desrespeitado na sua inocência. É fato que os muito jovens talvez não estejam preparados para as responsabilidades e questões abertas pelo sexo; o tempo dirá. Mas, veja só, a promiscuidade não é dos jovens, é de todos hoje em dia. O sexo aglutina todas as promessas de gozo, reconhecimento e prestígio que são tão caras aos nossos contemporâneos. Por que os mais jovens não teriam pressa em provar desse quitute tão alardeado? No entanto, tenho visto mais prudência que descontrole. Claro que os dados de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis têm estado altos e a gravidez não desejada também, o que me contradiria. Mas existem outros fatores em jogo. Por exemplo, o número de abortos entre adolescentes é muito grande. Examinados caso a caso, vemos que muitos episódios de gravidez não desejada não ocorreram por falta de informação, mas por razões sintomáticas. Enfim, muitas concepções funcionam como uma tentativa, equivocada é claro, de encontrar uma saída para impasses da vida. Entrar em situações de risco sempre foi uma prática juvenil; agora o sexo, que já foi mais seguro, tornou-se novamente perigoso. Em geral, o avanço nas questões do sexo foi muito grande, mas mais no vivido do que no relato dessa experiência. Os pais toleram, incentivam o sexo adolescente, mas pouco de fato falam com os jovens. Não é um assunto muito fácil, deixou de ser tabu, mas as resistências continuam. A educação sexual segue não existindo de uma maneira massiva. São poucos os sortudos que têm pais que se dignam a falar sobre sexo. O que acontece é que os pais não sentem que têm algo a oferecer aos seus filhos, é como se eles não soubessem o que dizer, não assumem a experiência que tiveram. Além do mais, é um assunto em que se mente muito. É vergonhoso não ter acesso ao gozo, mais vergonhoso do que ser pobre, por isso todos dizem que são resolvidos e gozam muito sexualmente. Isso eleva as expectativas e pede do sexo mais do que ele pode dar. Isso afeta os jovens, que vão em busca do nirvana e encontram bem menos. 
 
IHU On-Line - No que se refere às inquietações da juventude, os entrevistados pelo Datafolha destacam o medo da morte e da violência. Como o jovem se relaciona nessa sociedade, onde os riscos são eminentes?

Mário Corso - Os jovens encolheram seu mundo por causa da violência. Andam apenas em circuitos conhecidos, arriscam menos, pois os riscos são grandes. Isso traz um empobrecimento, pois eles acabam vivendo apenas entre os iguais e pouco conhecem até do seu próprio bairro. O Brasil não percebe as perdas que estamos tendo em viver quase em estado de guerra. Estamos nos acostumando a viver cada vez mais dentro de casa. A rua, antes um lugar de prazer, virou um lugar hostil. É dramático, sobretudo para os jovens, afinal tem menos dinheiro para carros, táxis, ônibus, para ir de um lugar seguro a outro. Perdemos o hábito das grandes caminhadas sem rumo, apenas para explorar a cidade.
 
IHU On-Line - Que outros medos compõem o imaginário da juventude?

Mário Corso - O grande medo é não encontrar um lugar no mundo adulto. Dizemos o tempo todo aos jovens que o mercado é implacável, que a vida é dura, que se ele não estudar não terá chance, que qualquer deslize e ele será um marginal. Nós os amedrontamos e eles escutam. Nossa propaganda constrói a idéia de que o mundo é um lugar difícil e devemos entrar nele botando o pé na porta.
 
IHU On-Line - O jovem de hoje tem deixado a casa dos pais quase no final da juventude. O que essa atitude revela sobre o perfil da juventude moderna?

Mário Corso – Hoje, os pais e filhos são mais parecidos nos valores e anseios, portanto não é preciso sair de casa para viver uma outra vida. Em casa se pode transar, fumar maconha com descrição. É um lugar protegido, cômodo, onde tanto os filhos não querem partir como os pais não os deixam ir. O que isso acarreta é uma infantilização geral, um prolongamento da adolescência, acaba sendo mais difícil crescer.
 
IHU On-Line – Uma recente pesquisa apontou o jovem brasileiro como um dos mais felizes e esperançosos do mundo. Podemos dizer, realmente, que o Brasil é um país de jovens habitado por espírito jovem, mesmo com todos os problemas sociais?

Mário Corso - É difícil responder. Se for certo, melhor para nós. Mas o índice duma felicidade, duma sociedade, deve ser medida pelo que cada um diz de si, e então, entramos num terreno subjetivo e de difícil mensuração. Se olharmos o quadro da drogadição  no país fica difícil me convencer que tem tanta gente feliz, senão para que essa tentativa de suplência de felicidade que a droga promete?

Leia Mais...

>> Corso já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Acesse em www.unisinos.br/ihuonline.

Entrevista:

* A grande esperança da revolução sexual não se deu. Edição 173, de 27-03-2006.

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