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André Dick, Graziela Wolfart e Márcia Junges
A atualidade de Vidas secas, obra seminal de Graciliano Ramos, se dá não apenas pela continuidade do problema da seca, mas pelo seu vigor. Os personagens da trama remetem a parentes do escritor, e há que se destacar, também, a originalidade deste ser um dos primeiros “romances desmontáveis”.
Mineiro de Belo Horizonte, Sant’Anna teve, nos anos 1960, uma participação ativa nos movimentos que transformaram a poesia brasileira, interagindo com os grupos de vanguarda e construindo sua própria linguagem e trajetória. Também data desta época sua participação nos movimentos políticos e sociais.
Como poeta e cronista, foi considerado pela revista Imprensa, em 1990, um dos dez jornalistas que mais influenciam a opinião de seu país. Dirigiu o Departamento de Letras e Artes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) na década de 1970, organizou a “Expoesia”, evento que reuniu 600 poetas num balanço da poesia brasileira e trouxe ao Brasil conferencistas estrangeiros como Michel Foucault.
Como jornalista, trabalhou nos principais jornais e revistas do país: Jornal do Brasil, Senhor, Veja, Isto É e O Estado de S. Paulo. Foi cronista da Manchete e do Jornal do Brasil. Está no jornal O Globo desde 1988. Foi considerado pelo crítico Wilson Martins como o sucessor de Carlos Drummond de Andrade, no sentido de desenvolver uma “linhagem poética” que vem de Gonçalves Dias, Bilac, Bandeira e Drummond. De sua obra, composta por cerca de 30 livros de ensaios, poesia e crônicas, destacamos Que fazer de Ezra Pound? (São Paulo: Imago, 2003), Desconstruir Duchamp (Rio de Janeiro: Vieira & Leme, 2003) e A cegueira e o saber (Rio de Janeiro: Rocco, 2006).
IHU On-Line - Qual é a atualidade do romance Vidas secas, 70 anos após seu lançamento?
Affonso Romano de Sant’Anna - Continua atual, não só porque a seca, de alguma forma, ainda existe, mas pelo vigor da obra.
IHU On-Line - Como a trajetória pessoal de Graciliano Ramos, suas vivências, marcaram a escrita dessa obra?
Affonso Romano de Sant’Anna - Na análise que fiz deste romance em “Análise estrutural de romances brasileiros” transcrevo a carta que enviou ao Condé explicando a origem dos personagens, que lembram parentes seus.
IHU On-Line - O próprio título Vidas secas guarda um paradoxo, quando une o adjetivo secas à palavra vida. A indústria da seca brasileira permanece abreviando a vida dos nordestinos? E, quanto à questão da opressão social, que elementos são trazidos à discussão?
Affonso Romano de Sant’Anna - Na história do Brasil, desde o tempo de Pedro II existe essa questão tratada política e socialmente. Naquela época o imperador tinha (também) projetos para acabar com a seca. No livro, fora outras alusões, a opressão concretamente aparece especialmente através do policial que prende e tortura Fabiano.
IHU On-Line - O senhor observou certa vez sobre Vidas secas: "Estamos sem dúvida, diante de uma obra singular onde os personagens não passam de figurantes, onde a história é secundária e onde o próprio arranjo dos capítulos do livro obedecem a um critério aleatório". Haveria uma inovação de Graciliano dentro dos parâmetros do que seria um romance, nos anos 1930? Ou, mesmo que tenha um caráter fragmentário e até autônomo, os capítulos de Vidas secas se interligam?
Affonso Romano de Sant’Anna - Graciliano foi dos primeiros a utilizar a técnica de contos que perfazem um romance, o chamado “romance desmontável”. Depois isto virou algo comum, sobretudo com a crise dos gêneros.
IHU On-Line - Quais são as diferenças e semelhanças, a seu ver, entre o sertão de Graciliano e o de Guimarães Rosa, inclusive no que se refere à linguagem?
Affonso Romano de Sant’Anna - Graciliano é algo em tom menor, seco, parecido com uma gravura em branco e preto; Guimarães Rosa é épico, em tom maior, caudaloso rio como o São Francisco, amplo painel que trata de temas míticos, místicos e metafísicos que atravessam a literatura desde sempre.
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Affonso Romano de Sant’Anna já deu outras contribuições à IHU On-Line. Confira no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu)
“Pensar que o artista é mais livre que um engenheiro é uma temeridade”, entrevista, edição 220, de 21-05-2007;
“O lápis e a folha em branco”, crônica, edição 228, de 16-07-2007;
“Novas estórias com e sobre Drummond”, depoimento, edição 232, de 20-08-2007;
O que fazer com o país que nos deram – entrevista, edição 263, de 24-06-2008.