Edição 271 | 01 Setembro 2008

Valorizar é projetar o futuro

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Patricia Fachin

Para desenvolver um município promissor, é importante reconhecer e valorizar a cultura local, considera José Nunes

Descendente de pomeranos, espanhóis e portugueses, o prefeito de São Lourenço do Sul José Nunes (PT), investe no projeto de integração das etnias do município. Além dos vínculos afetivos que o conectam à cidade, ele acredita que o desenvolvimento de um município acontece quando a população se reconhece através da história. “É difícil implementar projetos de desenvolvimento com pessoas que não têm uma auto-estima elevada, não se orgulham de sua história. Por isso, insisto em trabalhar a auto-estima da população sul-lourenciana. Para elevar a auto-confiança de um povo, é necessário valorizar sua história, e, para que isso aconteça, as pessoas precisam se conhecer”, explica.

Confira na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, as considerações de Nunes a respeito das transformações ocorridas em São Lourenço do Sul, nos últimos 20 anos.

IHU On-Line – O senhor é descendente de pomeranos? Conte-nos um pouco da sua trajetória familiar.

José Nunes – Sou 50% pomerano, 25% espanhol e 25% português. Minha mãe é descendente das famílias pomeranas Bubolz e Kohn. Sou filho de pequeno agricultor, e sempre tive um vínculo forte com a história desse povo.

IHU On-Line – Como as suas raízes familiares contribuíram para a criação desse projeto ideológico de transformação e divulgação da cultura pomerana, no município de São Lourenço do Sul?

José Nunes – O meu vínculo familiar foi importante para que isso acontecesse, mas invisto nesse projeto pela minha compreensão a respeito do que penso do mundo. Resgatar a história da população é fundamental para o desenvolvimento do município. É difícil implementar projetos de desenvolvimento com pessoas que não têm uma auto-estima elevada, não se orgulham de sua história. Por isso, insisto em trabalhar a auto-estima da população sul-lourenciana. Para elevar a auto-confiança de um povo, é necessário valorizar sua história, e, para que isso aconteça, as pessoas precisam se conhecer.

Trabalho cooperativo

Antes de ser prefeito, participei da fundação de uma cooperativa familiar de produção de alimentos (hoje com 2000 associados), na qual a marca dos produtos foi chamada de Pomerano. A organização desse grupo resultou na criação de uma identidade para nossos produtos locais. Além do mais, esse projeto serviu de motivação para realizar um trabalho de valorização da cultura pomerana, como estamos fazendo hoje.

IHU On-Line – Como está ocorrendo esse trabalho de valorização da cultura pomerana em São Lourenço do Sul?

José Nunes – Estamos realizando um projeto de resgate histórico para que a população conheça a trajetória dos descendentes que habitaram o município. Nesse sentido, estamos mostrando à população a importância de preservar e valorizar a cultura local, e os ensinamentos desses imigrantes, que foram determinantes na formação e fundação do município.

IHU On-Line – Qual a importância de recuperar a cultura desse povo, principalmente através do turismo? Com o investimento do caminho pomerano, por exemplo?

José Nunes – Para ter sucesso, qualquer projeto de turismo deve dialogar com a história e a cultura. Assim, pretendemos enaltecer todos os aspectos relacionados à formação do município e da população, nos quais a colonização pomerana tem um significado muito forte.

Nosso objetivo é fazer com que a população de São Lourenço do Sul conheça esses hábitos, e que isso possa ser colocado como um atrativo no município. A instituição da Rota do Caminho Pomerano tem como finalidade promover a economia entre as famílias, valorizar elementos da nossa cultura pomerana e também divulgá-la para o estado gaúcho. Com a implementação desse projeto, entendo que estamos atingindo várias facetas, tanto no aspecto cultural quanto no aspecto social. Além disso, o projeto proporciona a valorização dos agricultores familiares, que passam a reconhecer a sua importância e o valor dos antepassados.

Conversando com a comunidade, percebi que os moradores não imaginavam que alguém pudesse se interessar pelas suas histórias e seu modo de vida. Hoje, entre a população, existe uma melhora na auto-estima e um sentimento de valor muito mais significativo do que se tinha antes. 

IHU On-Line – Até então os pomeranos da região se sentiam mais reclusos e rejeitados?

José Nunes – Já tivemos muitos prefeitos descendentes de alemães, mas a valorização da descendência – como acontece hoje - nunca foi objeto de política e projeto na região. Em São Lourenço, o pomerano sempre se sentiu excluído e pouco promovido. Isso gerou a criação de duas realidades: a urbana, que era vista como algo de outro mundo; e a rural, onde estava preservada a cultura pomerana, que se sentia inferiorizada. Com essa política de resgate histórico, estamos conseguindo integrar a população, construindo um município inteiro. As pessoas estão começando a perceber as diferenças étnicas existentes, estão se valorizando entre si, e com isso vamos constituir um ambiente favorável para o desenvolvimento.

IHU On-Line – Como ocorreu, ao longo da história, a trajetória política do município? Os pomeranos nunca participaram desse processo?

José Nunes – O povo pomerano sempre trabalhou de uma forma muito submissa. Politicamente, foram muito dominados, sofreram influência dos setores influentes, que diziam como eles deveriam agir, votar e pensar. Há 20 anos, o associativismo vem crescendo na região, o que tem gerado uma ruptura no sistema de funcionamento da sociedade.

IHU On-Line – Que características pomeranas ainda permanecem arraigadas na vida social do município de São Lourenço do Sul?

José Nunes – Ainda existem muitos aspectos da cultura pomerana preservados na região. Eles são perceptíveis no jeito de ser desse povo, nas festas, na forma como eles se relacionam nas comunidades. No meio rural, a cultura religiosa e os cantos também são conservados. Ao mesmo tempo em que estão refletindo sobre a importância de preservar essas características culturais, os descendentes pomeranos estão compreendendo que também é preciso acompanhar a evolução dos tempos.

IHU On-Line – Nesta busca pela integração, como os pomeranos estão se relacionando com as outras culturas da região, como as comunidades quilombolas e alemãs?

José Nunes – Percebo que hoje eles convivem de maneira mais cidadã, uns com os outros. Os pomeranos tinham uma relação de preconceito com as comunidades negras rurais. Essas diferenças ainda não estão resolvidas, mas já avançamos bastante nesse sentido. Aos poucos, estamos criando um sentimento de compreensão entre as comunidades, mostrando a importância do convívio dessas culturas de uma forma mais próxima. Em eventos municipais, como no jantar das etnias, propomos a integração. Temos também, nos espaços culturais, atividades que trabalham aspectos das culturas pomerana e afro. Assim, estamos vivendo um momento muito positivo no processo de integração das etnias.

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