Edição 269 | 18 Agosto 2008

Perfil Popular - Noely Nascimento

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Bruna Quadros

A vida de Noely Nascimento é marcada por desafios e superação. De Guaporé, no interior do Estado, ela já passou por várias cidades, em busca de melhores oportunidades para viver em paz e dignamente. Mas poucas destas tentativas deram certo.

A vida de Noely Nascimento é marcada por desafios e superação. De Guaporé, no interior do Estado, ela já passou por várias cidades, em busca de melhores oportunidades para viver em paz e dignamente. Mas poucas destas tentativas deram certo. Sair do interior e ir para Curitiba, no Paraná, por exemplo, foi uma experiência muito negativa para Noely, talvez a pior delas. Ao retornar para o Rio Grande do Sul, ela encontrou uma nova chance de fazer algo que realmente lhe fizesse feliz. Passou a fazer cursos de artesanato e chegou a montar um grupo, o Arte Sol. Além disso, ela trabalha há cerca de cinco anos na Casa do Artesão, em São Leopoldo, município onde mora, desenvolvendo um trabalho que resgata os pontos turísticos da cidade com artesanato de sementes. Conheça um pouco mais desta mulher, exemplo de força de vontade, que visitou a redação da revista IHU On-Line para contar sua trajetória de vida:

Foi em Guaporé, no interior do Rio Grande do Sul, que, em 1950, nasceu Noely Nascimento. Orgulhosa, ela declara: “No dia 26 de agosto vou completar 58 anos”. A rotina em sua terra natal foi curta. “Minha vida mesmo, foi em Nova Prata, onde morei até os 18 anos.” Sua mãe era dona-de-casa, mas gostava de ganhar um dinheirinho extra, fazendo bordados. Já seu pai tinha oficina mecânica. Embora sejam de descendência italiana, há uma característica que os pais de Noely não herdaram: formar uma família numerosa. “Tenho apenas um irmão, mais novo do que eu. Éramos uma família pequena, porém feliz.”

Quando o assunto eram as brincadeiras, Noely comenta que era um verdadeiro moleque, porque brincava de tudo. Na praça, por exemplo, jogava bola ou brincava com bolinhas de gude. Com seus pais, Noely aprendeu importantes lições, como a de ser honesta e solidária. Além de aprender com a família e com a vida, Noely também tinha muito gosto pelo aprendizado em sala de aula. “Eu era bem caxias”, conta. No entanto, ela pôde estudar até o 1º ano do Segundo Grau, quando fez o curso técnico em contabilidade. Depois, precisou parar, devido às condições financeiras.

De Nova Prata, Noely e sua família foram morar em Curitiba, no Paraná. “Meu pai achou que seria melhor para todos nós. Teve uma proposta de um dos meus tios, de trabalhar em um restaurante. Mas, infelizmente, não foi nada daquilo.” O impacto da mudança de uma cidade do interior para uma capital, segundo Noely, foi terrível. “Sempre falo que essa mudança marcou muito, negativamente, a minha vida. Foi um período ruim, onde meu pai começou a beber.”

Aos 19 anos, Noely casou. Da união, tem duas filhas: Rita de Cássia, 37 anos, e Raquel, 31. “Sempre tive vontade de ter a minha própria família, até pela formação que tive dentro de casa, da minha estrutura familiar.” Um ano depois de casada, foi morar no Rio de Janeiro, com a sua sogra. Para Noely, foi uma experiência muito positiva, pois a solidão que sentia em Curitiba não existia mais. O motivo da mudança foi uma proposta de trabalho do seu marido, Aloísio, para trabalhar em uma churrascaria. A passagem pelo Rio de Janeiro terminou em 1997, por uma situação que se agrava a cada dia: a violência. “Comecei a ficar neurótica. Eu entrava em um ônibus, olhava para alguém e achava que era ladrão.”

Trabalho

Quando morava em Nova Prata, Noely foi professora primária. “Trabalhei bem no interior do município, onde não tinha nem luz elétrica. Esta experiência foi por pouco tempo, devido à mudança para Curitiba, onde também cheguei a lecionar, durante seis meses.” No Rio de Janeiro, ela trabalhou um período com o seu marido na churrascaria. “Em 1979, fiz um concurso e entrei para os Correios, onde trabalhei até 1997. Foi uma experiência que me ajudou muito, inclusive financeiramente.” Saindo do Rio de Janeiro, Noely se mudou com a família para Porto Alegre, com a idéia de montar um restaurante e trabalhar por conta própria. “Só que, infelizmente, as pessoas que trabalhavam comigo estavam acostumadas a ter todos os meses o seu salário certo e não entenderam que, quando se começa um negócio, é preciso fazer certas economias.”

Depois disso, a família começou a se dissolver. “Minha filha caçula e eu ficamos no Sul, minha outra filha foi para São Paulo e meu marido voltou para o Rio de Janeiro, onde mora até hoje. Não estamos separados, mas por questões financeiras ele ficou morando lá, onde trabalha como taxista na rodoviária. Se ele viesse para cá, não teria emprego.” Depois da tentativa de abrir um restaurante em Porto Alegre, Noely foi morar em Esteio onde abriu uma agropecuária. “Só fechei a agropecuária porque vim morar em São Leopoldo. Passei um período sem trabalhar em nada. Foi quando entrei em depressão.” Nessa época, surgiu, na estação metroviária Unisinos um curso de pintura em tecido e tela. “Foi com isso que me identifiquei. Fiz o curso, mas, infelizmente, vender tela é uma coisa que não dá dinheiro, porque não há campo.” Noely fez vários cursos e aprendeu diferentes técnicas de pintura. Há cinco anos, ela faz parte da Casa do Artesão, em São Leopoldo. Além das técnicas em tecido, ela, hoje, desenvolve um trabalho com sementes sobre os pontos turísticos do município.

Arte Sol

Em 2006, surgiu um novo grupo de trabalho na vida de Noely. “Eu e um amigo sentíamos a necessidade de fazer algo diferente, para trabalhar em conjunto. Víamos muito egoísmo nas pessoas, e eu nunca gostei desse tipo de coisa, cada um por si e Deus por todos. Quando eu não sabia fazer, as pessoas me ensinaram. Então, eu pensei em fazer algo onde existisse essa troca de conhecimento.” Atualmente, são seis pessoas no grupo, trabalhando no seguinte lema: junto, mas sem perder a individualidade. “Me sinto muito bem nesta atividade. É uma maneira de eu passar aquilo que eu sei e fazer com que outras pessoas participem dessa vontade de crescer, de melhorar. Na minha família, sou a única artesã. Se eu morrer hoje, ninguém vai continuar. Este trabalho é, também, um complemento na minha renda.”

Hoje, Noely mora com a filha Raquel e seu genro, no bairro Campina, em São Leopoldo. Ela, que já teve a sua família toda unida, hoje, não lamenta a separação. “Acho que as pessoas têm direito à escolha. No começo, chorei muito, mas depois fui entendendo que, às vezes, é melhor estar longe, do que perto e brigando o tempo todo. Tenho dois netos: o Rafael, de 10 anos, e a Giovana, de 1 ano e sete meses. É tão bom quando ela pega o telefone e me chama de vovó. Mesmo distante, eu participo. É possível estar junto das pessoas sem estar presente 24 horas.” Quando não está trabalhando, Noely gosta mesmo é de ficar em casa, mas não sozinha. Ela tem 10 gatos e oito cachorros de estimação, seus “filhos postiços”, como costuma dizer.

Momentos marcantes

“O momento mais feliz foi o nascimento do meu neto, o Rafael, que foi muito querido e planejado. Foi uma emoção única ouvir o primeiro choro dele no hospital.” Já o mais triste foi quando seu esposo se envolveu com o alcoolismo. “Tive de aprender a ser mãe e pai ao mesmo tempo. Meu marido sempre foi um homem limpo e bonito e, de repente, parecia um mendigo.”

Fé e política

Noely foi criada nos princípios da Igreja Católica. “Gosto dos meus santinhos até hoje.” No entanto, também começou a seguir a doutrina espírita. “Tenho uma visão de que todas as religiões são boas e levam para o mesmo caminho.” Nas orações, Noely também pede que o caminho dos políticos brasileiros seja iluminado, “porque tudo o que a gente faz de errado, a gente paga, de uma forma ou de outra”. Para ela, a política está terrível, motivo de decepção. “Eles estão com o poder na mão e não sabem administrar. Só vêem o seu lado e não olham o povo. Mas também sabemos que o povo se vende, até mesmo por um quilo de feijão.”

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