Edição 269 | 18 Agosto 2008

Invenção - Victor da Rosa

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André Dick

Editoria de Poesia

Nascido em Florianópolis (SC), em 1984, Victor da Rosa é um dos poetas que vêm surgindo nos últimos anos com um olhar voltado à ligação entre literatura, música, cinema e artes plásticas em geral. Mestrando em Literatura, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), escreve ensaios sobre literatura e artes visuais desde 2004, publicando com regularidade no Caderno de Cultura do Diário Catarinense e nos periódicos digitais de cultura e arte Centopéia (www.centopeia.net) e Zunái (www.revistazunai.com.br).

Em 2007, foi curador de três eventos de arte contemporânea: Fim de partida (individual de Cláudio Trindade), no Espaço ARCO, Florianópolis; Réquiem (happening com cinco artistas), no Espaço ARCO; e Desvio para o vento, exposição coletiva com sete artistas, na Fundação Hassis, Florianópolis. É um dos organizadores do Bloomsday de Florianópolis e da Galeria do referido site Centopéia, que realiza pequenas exposições em espaço virtual, mantendo ainda um blog (www.victordarosa.blogspot.com). Ou seja, Victor da Rosa é um poeta que se preocupa tanto com a realização de seu trabalho verbal quanto com sua influência no espaço visual, assim como artistas que admira, a exemplo de Joan Brossa e John Cage.

Em seu livro de estréia, com as doze narrativas de piano e flauta – fragmentos de um romance (São Paulo: Lumme Editor, 2007), revela uma prosa entrecortada por insights poéticos e uma sensibilidade no que se refere sobretudo à organização de imagens, costurando, inclusive, diálogos, como no primeiro fragmento: “era de um sorriso pouco e o cabelo no rosto – o laço não segurava por inteiro. vestia lilás com branco, num vestido longo e gestos quase naturais. tinha o olhar repleto de palavras, parecia de atriz – incompleto feito carícia, e nuança – na luz fraca da noite: convite, talvez? meio em silêncio, fui franco e desajeitado: você dança esse jazz, por acaso? e esse poema, você dança? [...] qual é mesmo o seu nome?”. Victor da Rosa, a começar pelo título, estabelece uma ligação intrínseca com a música, como no segundo fragmento de seu livro, em que faz uma interessante analogia: “composto por dois acordes menores (som de flauta em solo de meia-noite) seu corpo dormia suspenso naquele quarto de hotel”. No quarto fragmento, diz: “[...] ela desprendeu os cabelos, seduziu o vento num balanço e logo veio soprando canção”. Já no oitavo fragmento, lemos: “o lamento do piano cada vez mais distante, caindo o domingo frio, ela caminhava lento aquela rua estreita”.

Barulhos e silêncios

De modo geral, seu livro piano e flauta traz constantes referências a barulhos, silêncios – sobretudo de objetos (“o ruído da chave dando voltas, o ímpeto da ducha quente estalando o chão”) –, à chuva, a um encontro que logo se transforma em perda – situado sobretudo num quarto, que remete a varandas, quartos, praias, ambientes claros ou noturnos. Essa perda se refere sempre à imagem de uma mulher, e o encontro, cercado pela música, parece sempre remeter, paradoxalmente, a um silêncio, tanto aquele que o poeta inscreve em sua criação quanto o da natureza, que é apenas aparentemente estática. Isso porque se percebe que Victor empresta vida a elementos que não são humanos: “o vento acertou um tapa no rosto da janela, folha de madeira batendo na vidraça: a casa de olhos fechados”; “nuvens carregavam lágrimas por dentro”; “gotas deitavam sobre a mesa”; “disco velho chorando na vitrola”, “um vento distraído suspendeu a sujeira das folhas secas no quintal”, “palavras voaram aquele impulso frágil”. Ou seja, se o encontro com a figura humana não é possível, as imagens de objetos ao redor adquirem certa vida. Isso quando a figura humana não ganha vida através do objeto: “naquele espelho dobrado – quadro sem mundo – ela mergulhou fundo, rasgando a superfície fingida e sumindo (em página transparente, palavras perdidas no tempo)”. Ao mesmo tempo, nas narrativas poéticas de Victor, as estações variam (em certos momentos, há um “céu de outono”, em outro, é “fim de tarde no verão”, e ainda se lembra que “nuvens pálidas manchavam o inverno”).

Da série de poemas que Victor enviou à IHU On-Line, intitulada “Miniaturas”, extraímos alguns, que fazem menção novamente a músicos (Conlon Nancarrow, Toru Takemitsu), investindo numa metalinguagem que remete também a uma filosofia oriental – carregada pela influência de John Cage – e ao trabalho do espanhol Joan Brossa, que conduz tudo a uma reinterpretação do barroco, associado também à música, com uma referência inusitada ao jogador Riquelme, da Argentina. Percebe-se, aqui, uma analogia entre o movimento do corpo e a sonoridade – uma das marcas do trabalho instigante de Victor da Rosa.


3, escrituras.
 
I –

linhas de luz
escritos no ar.
 
II –

palavras de arame
o peso de um poema
pendurado
no papel.
 
III –

a última carta
esta página úmida
seu nome
em branco.

4,
 
na tecla da pianola martela a corda de uma toccata
o corpo inumano toca maquínico
cada som seco: mecânica música
mínimos acordes // caótica dicção.
 
nunca um temporal inteiro queda na telha
da casa escura de conlon nancarrow.
 
 
5, al carrer de wagner.
 
equilibra o poema na ponta mas –
aparece na outra:
 
o ponteiro do relógio de joan brossa
não acerta.
 
(corte)
 
o dado desliza pelo chão e
redondo ou cúbico não
equilibra.
 
(corte)
 
sem música
o desenho da partitura
a seta se atravessa precisa no aço do espelho – e aparece na outra:

6, s/título.
 
tudo se movimenta mudo
sabe-se pouco da velocidade do ar
que nos escapa –
 
palavras n'uma página opaca
morta sobre a mesa: faca
enterrada no branco
 
a mesma ameaça – frágil
são os olhos ainda frios.


7, distância.
 
aço de fino corte
o som repartido em golpes
as mãos de toru takemitsu.

9, imaquinária.
 
I –

a máquina por dentro é barroca
ou retórica:
máquina oca | máquina morta.
 
II –

a retórica é o eco
da máquina oca:
máquina dentro | automática morte.
 
III –

ruído arranhando o silêncio
resto de som
ritmo arrastado de um risco
eco morto
oco:
máquina.

10,
 
riquelme impõe com seu ritmo destro
o jogo morto ou túmulo – lento
e com um golpe preciso e certo
o seu silêncio decreta o outro.
 
contraste definido pelo vento:
dois passos de monótono domínio
futebol sem sobra: lâmina, pouco
só mantém o olho em movimento.
 
se sua presença predomina o mínimo
ainda mantém o drama do barroco.

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