Edição 268 | 11 Agosto 2008

Invenção - Juliana Krapp

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André Dick

Editoria de Poesia

A poeta Juliana Krapp nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1980. Ainda inédita em livro, já publicou poemas nas revistas Inimigo Rumor (RJ), Poesia Sempre (RJ) e Modo de Usar & Co. (SP) e no site Germina (www.germinaliteratura.com.br). Na área acadêmica, por sua vez, graduou-se em Jornalismo e é mestre em Comunicação Social, pela Universidade do Estado do Rio do Janeiro (UERJ). Além disso, participa do grupo CAC (Comunicação, Arte e Cidade), também do Rio.

Não há dúvida, quando se lê seu trabalho, de que ele traz uma sensação de originalidade, no que se refere sobretudo ao encadeamento de idéias, à escolha vocabular e ao ritmo implícito, pois Krapp dificilmente faz uso de rimas. Percebe-se uma leitura, em sua obra, sobretudo dos poetas simbolistas, mais sugerindo do que revelando os objetos, como desejava o francês Stéphane Mallarmé. Mas a paisagem, situada por alguns elementos que se referem a precipícios, montanhas, águas, rochedos, vegetações, correntezas, fala muito da cidade em que Krapp mora, o Rio de Janeiro. No entanto, ela troca o calor e a paisagem maravilhosa – traços bastante referidos em poetas da cidade – por uma espécie de cortina de névoa, em que as ações de pessoas, às vezes envolvidas por um momento alegre, são sempre despistadas por uma sensação incômoda de vertigem, como se percebe no poema “A estrutura íntima das horas”: “Você, ao volante, não percebe / mas isso tudo é como nós dois, / na Cinelândia, às cinco horas / de uma tarde de verão, com uma / caixa de alfajores e vontade de café, quando / há no ar algo de concha, / estiramento, zona cega: a experiência / do precipício”. Nesse sentido, ela parece ter uma leitura muita apurada de uma conterrânea, Ana Cristina Cesar, que elaborava uma poética baseada numa certa melancolia. 

Onirismo e tempestade da natureza

Juliana costuma encadear seus poemas com um pensamento ora sucessivo – em que a sintaxe desempenha papel essencial para costurar as diversas imagens –, ora fragmentado, interrompido, descontínuo – conferindo ainda mais sensação de vertigem, como em “Enseada”: “nessa praia / as ondas enevoadas arrebentam o branco / os barcos / desabotoam a precisão das linhas / e as ilhotas, desgrenhadas / atracam viscos de luz”. Desse modo, ela lida, em todos os poemas que publicou até agora, com uma sensação de perda. Mas não se trata de uma perda de algo passado, e sim de uma perda presente, que parece ser sentida apenas quando o texto é escrito, o que confere uma lacuna que remete a um onirismo, remetendo ou a lugares abertos (como campos) ou fechados (quartos, casas, lugares reclusos): “uma casa / / requer formas como dormideiras / que se recolhem à carícia quando todas as carícias / são íntimas é tão surrado reconhecer / nas paredes que a única propriedade possível / é a fuga e mais ainda o sono profundo”. O corpo, ao mesmo tempo, sustenta um desconforto que se refere à perda: “nele a ossatura se escancara a ponto de romper / com um estrondo a própria voz / e seu olhar apenas lembra / dobradiças, rosetas / cremones / e toda a sorte / de ferragens maliciosas”. Há uma sensação, sempre, de que o corpo pode trazer consigo a auto-destruição, mas também a liberdade, como se mostra claro no final do poema como “Permanência”: “[...] o corpo / que não sobe, apenas / fica, margeado / por uma linguagem irrespirável, esperando / o último canto do canário belga / às quatro da tarde, o coração / enrodilhado em matizes / de um passeio no lago”. O silêncio parece cada vez mais presente, mas, ao mesmo tempo, interrompido pela tempestade da natureza (“somente as ventanias são de fato enamoradas / e apenas nelas alijam-se / as imundícies mais profundas / como somente os ramos / estralhaçam-se e engravidam-se / num único carretel de músculos em escombros”) e pela presença de animais, como o gato, que correspondem, para a autora, à morte. Desse modo, ao mesmo tempo em que Juliana foca o aprazível, o leitor é situado num ambiente de desconforto e mudança, como se percebe também no poema inédito, sem título, que ela enviou especialmente à IHU On-Line.

 

Uma voz interior
que dissesse: as amuradas, as inundações
Não sei se a quero ou se ela apenas desliza
rumo às placas tectônicas
não em off, mas
desmesurada

Seu destino
é habitar o fosso
onde o capim cresce e esperneiam
os monstros sinuosos (também deles
é o mundo)

Uma voz interior
e seu coração de lata: última bala
na agulha

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