Edição 252 | 31 Março 2008

Repressão para reduzir homicídios

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Alessandra Barros

Para Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa, “São Leopoldo é carente de uma atividade de repressão efetiva, sobretudo, no tráfico de drogas”

“Em São Leopoldo, desde 2000, acompanhamos os homicídios em parceria com a Unisinos. E detectamos o aumento das ocorrências”, afirma o delegado de Polícia Civil do Rio Grande do Sul e Secretário Municipal de Segurança Pública de São Leopoldo, Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa. Ele declara, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, que o aumento dos homicídios no município não surpreende. Entre os fatores que alega interferir diretamente nos altos índices de violência, cita as deficiências estruturais existentes nas polícias. “Acredito que, com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que visa à integração de políticas de segurança pública com atividades sociais, poderemos garantir o aporte de recursos e estruturar as polícias estaduais que atuam na cidade”, afirma o secretário de segurança.
Sant’Ana é graduado em Direito e Jornalismo, ambos os cursos realizados na Unisinos. Atuou como delegado de Polícia em diversos municípios gaúchos, foi chefe de gabinete do chefe de polícia em 2000 e 2001, ao mesmo tempo em que respondeu pelo Serviço de Informações Especiais (SIE) da Polícia Civil. Entre 2000 e 2002, lecionou a disciplina de Direito Penal no curso de Formação Básica para Servidores da Segurança Pública. Atuou, em 2002, como diretor do Departamento de Inteligência e Assuntos Estratégicos (DIAE) da Secretaria da Justiça e da Segurança do Rio Grande do Sul. Em 2003, foi coordenador-geral de Planejamento Estratégico em Segurança Pública, Programas e Projetos Especiais da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça. Além disso, foi Delegado Regional da 17ª Região Policial, que inclui oito municípios, em 2004. 
Confira uma entrevista concedida por Sant’Ana para a revista IHU On-Line na edição número 158, de 3 de outubro de 2005, que teve como tema de capa o debate sobre o desarmamento, e uma sobre a violência em São Paulo, publicada no sítio do IHU em 16-05-2006.

IHU On-Line - De acordo com o relatório de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, São Leopoldo somou 63 homicídios no ano passado, ficando entre as 10 cidades mais violentas do estado. A que o senhor atribui esse aumento do número de homicídios no município?
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
- Em São Leopoldo, desde 2000, acompanhamos os homicídios em parceria com a Unisinos. Desde 2006, passamos a fazer a análise qualitativa das ocorrências e firmamos uma parceria com a delegacia de polícia para receber as ocorrências de homicídios no município. Detectamos um aumento dos homicídios, sobretudo, no segundo semestre de 2006. Em 2007, houve uma ligeira queda nas ocorrências, comparando o primeiro semestre com o segundo. Foram registrados 37 homicídios no primeiro e 31 no segundo. Atribuímos esse crescimento ao tráfico de drogas em São Leopoldo e região.
A partir desse diagnóstico, colocamos em prática atividades preventivas. Mas, para superarmos nossas limitações, principalmente da Brigada Militar, é prioridade alavancar investimentos para as polícias por parte do governo estadual. Ainda faltam recursos, viaturas, equipamentos e pessoal capacitado. Acredito que, com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci ), que visa à integração de políticas de segurança pública com atividades sociais, poderemos garantir o aporte de recursos e estruturar as polícias estaduais que atuam na cidade. Além disso, percebemos a ausência de uma atividade de repressão efetiva, sobretudo, no tráfico de drogas.

IHU On-Line - Como combater a violência? O senhor acredita na eficiência do Sistema Único de Segurança Pública do governo federal?
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
- No Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), forma de operação estratégica das políticas do Pronasci, atuamos de maneira integrada em todas as áreas, tanto na prevenção quanto na repressão, unindo municípios, governos estadual e federal, numa única política. Acreditamos que o SUSP seja a solução. Em São Leopoldo, a secretaria foi criada ainda em 2005. Desde 2006, desenvolvemos o programa Comunidade Segura. E, agora, incluímos nosso projeto no Pronasci, que justamente trata desse conceito de Sistema Único de Segurança Pública.

A partir do projeto municipal, estamos buscando recursos para investimento nas polícias civil e militar, para que possamos colocar em prática essas questões integradamente, desde a prevenção até a repressão, quando se fizer necessária. Com a aplicação desse programa e com ações mais efetivas de repressão em São Leopoldo, acredito que haverá queda nos índices de homicídio.

IHU On-Line - Quais projetos sociais e ações de repressão estão sendo colocados em prática para trabalhar a prevenção e o combate à violência em São Leopoldo?
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
- No município, 17 mil pessoas já são atingidas pelas oficinas de prevenção, muitas delas em parceria com a Unisinos. São oficinas pedagógicas, profissionalizantes, algumas esportivas, entre outras atividades específicas, onde o tema da violência é permanente. Inclusive, oferecemos uma oficina específica para tratar de violência doméstica e da exploração infanto-juvenil. Esse trabalho envolve uma equipe formada por pedagogos, diretores e professores de escolas e visa capacitá-los para que identifiquem a violência doméstica no ambiente escolar e no município. A partir dessa ação, poderemos intervir com políticas sociais efetivas.

A guarda municipal passou por uma reestruturação e hoje conta com maior mobilidade, abandonando o mero papel de vigilante patrimonial. Temos condições de promover a ronda escolar, de garantir segurança nas praças centrais, além de proteger os prédios públicos, função principal das guardas municipais.

Dispomos ainda do Programa de Acolhimento na primeira e na terceira delegacias de polícia. A intenção é acolher, da melhor forma possível, as vítimas de todos os tipos de violência. É uma maneira de amenizar o trauma da vitima, já que, em alguns casos, a violência se concretizou e não podemos evitar. Pelo menos, quando a vítima procurar o apoio da polícia terá um atendimento especial, sobretudo, de jovens e mulheres vítimas de violência. Essas pessoas ainda recebem todas as informações necessárias a respeito de serviços públicos. O objetivo é reduzir o dano sofrido, tanto físico quanto psicológico.

Sistema Integrado de Monitoramento

Outra iniciativa que estamos constituindo integradamente com as polícias, é o Sistema Integrado de Monitoramento. Inaugurado há um mês, foram instaladas 27 câmeras em todas as áreas da cidade, procurando reduzir esse índice dos chamados crimes de oportunidade, furtos e roubos praticados em via pública. A ação envolve furtos e roubos de veículos e de pedestres, na área central e também na periferia da cidade.
E, uma última iniciativa, é o Gabinete de Gestão Integrada (GGI). Reunimos mensalmente oito secretarias do município com poder de polícia administrativa, ou seja, que têm algum tipo de fiscalização das posturas municipais, representando o gabinete do prefeito, a promotoria do município e a secretaria municipal de segurança pública. São onze instituições municipais que se reúnem mensalmente com representantes das polícias civil, militar, federal (delegado de Porto Alegre), rodoviária federal, bombeiros, conselhos tutelares, bombeiros, e eventualmente até, dependendo do caso, o Ministério Público. O grupo tem por objetivo discutir ações emergenciais e necessárias para o município.

IHU On-Line - Na sua opinião, há uma incompatibilidade entre ações policiais e ações sociais? Como integrar essas duas frentes para inibir a criminalidade?
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
- Existe um descompasso entre ações sociais e policiais. As polícias estaduais carecem de recursos estruturais. Temos a Brigada Militar com problema crônico de sede. Faz parte da história do município essa carência. Há alguns anos, a Brigada Militar chegou a ser despejada do prédio. Hoje, ocupa área também em uma situação precária. Esse caso é exemplo da falta de estrutura que temos aqui. É muito grande a carência de pessoal. Temos, hoje, 17 estagiários da prefeitura trabalhando nas delegacias de polícia, no quartel da Brigada Militar. Esses estagiários liberam os policiais que estão em funções administrativas para atuarem na rua. Essa é uma solução muito precária para o tamanho do problema. Então, há uma desestruturação. Existe um descompasso entre a atividade preventiva que estamos implementando no município e a contrapartida das polícias estaduais. Por mais boa vontade que os comandantes e delegado regional tenham, não possuem estrutura capaz de dar vencimento de atender a demanda da criminalidade.

IHU On-Line - Para o senhor, a crise econômica na região do Vale dos Sinos  colaborou para o aumento da violência em São Leopoldo?
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
– Sim. Em São Leopoldo, temos exemplos de áreas da cidade afetadas pelo fechamento de empresas, pela crise financeira, o que provocou, num primeiro momento, desemprego e, conseqüentemente, começou a produzir a degradação dessas áreas. Percebe-se a queda no valor dos imóveis de venda e locação e as pessoas passam a se afastar dessas áreas. No momento em que elas deixam de ocupar o espaço público, abrem espaço para que essas áreas passem a ser ocupadas por atividades de delinqüência, como prostituição (que não é crime, mas que acarreta na exploração sexual infanto-juvenil) e tráfico de drogas, situações que se afirmam na comunidade, e formam um círculo vicioso. Sem dúvida, isso gera condições de vulnerabilidade para a população local. São Leopoldo tem áreas em que o aumento da criminalidade está intimamente ligado à crise econômica.

IHU On-Line - Qual o objetivo da implantação do sistema de câmeras vigilantes no município?  Para quais tipos de delitos ela funciona?  
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
– No caso dos homicídios, as câmeras não fazem diferença. Mas, no caso de furtos e roubos em vias públicas, onde há atuação das câmeras, esses delitos tendem a diminuir consideravelmente. Esse resultado foi percebido em Novo Hamburgo e em Porto alegre. Também detectamos o recuo desse tipo de crime em São Leopoldo, após a implantação do sistema. Nas áreas de maior vulnerabilidade da população a furtos e roubos, com comércio intenso e grande fluxo de pessoas, as câmeras tendem a reduzir a criminalidade. Com a divulgação das ações da polícia sobre as prisões efetuadas a partir da identificação da atividade criminosa pela câmera de vigilância, gerou-se uma certa cautela nas atividades de delinqüência, pois as câmeras produzem uma prova contra o autor.

IHU On-Line - Para o senhor, a posição geográfica de São Leopoldo, localizada na região Metropolitana de Porto Alegre, influencia nos índices de violência? 
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
– Essa influência se dá em qualquer região metropolitana. Em 2003, a Secretaria Nacional de Segurança Pública realizou um levantamento de homicídios, a partir de dados de 2002. A pesquisa não foi aplicada junto às policias, mas a partir dos registros de homicídios no Ministério da Saúde, no Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme o estudo, metade dos homicídios ocorridos em 2002 aconteceu em apenas 27 cidades do país. O que elas tinham em comum? Todas estavam em regiões metropolitanas. É característico dessas regiões o fato de serem desenvolvidas, de terem uma grande massa populacional, serem amplamente urbanizadas, e sem uma definição de divisas muito clara entre os municípios, o que permite a fácil migração do crime entre uma cidade e outra.

IHU On-Line - Existe intercâmbio de informações do município com as demais cidades do Rio Grande do Sul?
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
- Sou integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E mantemos uma relação muito estreita com outros municípios que possuem políticas de segurança pública. Quando iniciamos o debate da implantação do sistema integrado de monitoramento, pesquisamos projetos e resultados em várias cidades brasileiras e até mesmo fora do país. Quando se fala em políticas municipais de segurança pública, destaco como exemplo, as cidades colombianas de Bogotá e Medellín, que reduziram drasticamente seus índices de homicídios a partir de iniciativas municipais. É claro que, quando se fala em ações de fora do país, é preciso analisar com cuidado, pois é importante levar em consideração as realidades legais e sociais que, muitas vezes, são bem diferentes da brasileira. No caso de Bogotá, é importante destacar que a Colômbia é um país que possui uma polícia federal que está subordinada aos prefeitos, às lideranças locais. Então, o prefeito de Bogotá pode constituir uma política que atende a prevenção, inclusive, com programas de saúde social, exames de pré-natal para crianças e mães em situação de risco, e até a repressão da violência, já que o prefeito também coordena a polícia e dispõe dos recursos, diferente da realidade brasileira. No Brasil, precisamos fazer essa integração através da política.

IHU On-Line - Quando a população poderá ver o resultado das ações de segurança pública?     
Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa
- Já é possível notar a melhora. O que houve foi um agravamento no número de homicídios. De uma maneira geral, temos muitas ações que estão produzindo resultados, como as questões da violência doméstica, da exploração infanto-juvenil, e uma diminuição de furtos e roubos com o Sistema Integrado de Monitoramento (SIM). As nossas ações de prevenção são de médio e longo prazo. Oficinas na rede de ensino para crianças de 8 a 10 anos trabalham sobre trânsito; produzimos uma cartilha para divulgação; a guarda atua na rua, evitando a violência e a criminalidade, socorrendo as pessoas, promovendo o policiamento das escolas e dos prédios públicos. E tudo isso produz uma melhoria nas condições de vida da população e, especificamente, da vulnerabilidade das pessoas à violência.

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