Edição 265 | 21 Julho 2008

Odair Firmino: uma vida a serviço dos empobrecidos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Ivo Poletto

Faleceu, em 5 de julho, após longa convalescência, o ex-secretário geral da Cáritas Brasileira, Odair Firmino. Conhecido por seu comprometimento com as causas e as lutas sociais e populares do País, Firmino deixa a marca da solidariedade e da luta pela construção de um mundo melhor. O site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU (www.unisinos.br/ihu), através das Notícias do Dia, deu ampla repercussão ao estado de saúde de Firmino, que infelizmente culminou com seu óbito. A seguir, a pedido da IHU On-Line, o atual assessor da Cáritas, Ivo Poletto, escreve um artigo relembrando a importância de Firmino e seu legado.


Odair Firmino nasceu na cidade de Ipameri, no dia 22 de junho de 1945. Aos dois anos, foi morar em Anápolis com sua família. Estudou no Colégio Santo Antônio e aos 12 anos começou a participar das atividades da Igreja como coroinha. Obedecendo ao chamado de Deus e da Igreja, foi seminarista do Seminário Regina Minorum, em Anápolis, escola de formação dos Frades Franciscanos. Ordenou-se padre no ano de 1972. Atuou nas Paróquias de Pires do Rio e Jataí. Em 1975, voltou para Anápolis, onde ocupou até 1982 a direção do Colégio São Francisco de Assis. Deixou a congregação franciscana para se casar com a professora Maria Dadiva Firmino e mudou-se em 1984 para Brasília, onde trabalhou como educador no Colégio Santo Antônio e onde também ingressou na Rede Caritas Internationalis – Cáritas Brasileira – organismo da CNBB de intensa atividade social em prol dos direitos humanos tendo sido, dentro da organização, secretário-geral e vice-presidente. 

No final do ano de 1999, a convite do primeiro reitor da UEG, professor José Izecias, veio trabalhar na Instituição recém-criada pelo governador Marconi Perillo como pró-reitor de Graduação. Nestes oito anos de dedicação total à Universidade, ocupou diversos cargos na instituição como pró-reitor de extensão, diretor da Funcer, diretor da Licenciatura Plena Parcelada, secretário-geral e por último, diretor institucional. Por diversas ocasiões, ocupou  também a reitoria da UEG, em caráter interino.

Ivo Poletto é assessor de pastorais e movimentos sociais. Trabalhou durante os dois primeiros anos do governo Lula como assessor do Programa Fome Zero e foi o primeiro secretário-executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Autor, entre outros, do livro Brasil, oportunidades perdidas – Meus dois anos no governo Lula (Rio de Janeiro: Garamond, 2005). É filósofo, teólogo, cientista social e educador popular.

Odair Firmino faleceu no dia 5 de julho de 2008. Escrever este depoimento sobre sua vida é uma nova oportunidade de sentir-me apoiado e questionado em relação à missão cristã livremente assumida. É nova porque a amizade que tivemos fez com que muitas vezes tenha sido questionado pela sua fidelidade à opção de seguir a Jesus Cristo.

Um bem-aventurado

Na celebração eucarística, celebrada na sede da CNBB, em Brasília, lembrou Vitélio Pasa, do Secretariado da Cáritas Brasileira, que Dom Demétrio Valentini, presidente da mesma Cáritas, estimulou a participação da comunidade na meditação sobre o evangelho das bem-aventuranças, perguntando: qual delas não foi vivida por Odair? A resposta, unânime, foi de que ele estava incluído em todas.

De fato, para começar, ele, filho de João Firmino Neto e Maria de Lourdes Firmino, foi um dos pobres a quem pertence o Reino. Sua acolhida e vivência da mensagem de Jesus valeu-lhe, como poucos, a oração: eu te louvo, Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e orgulhosos e as revelaste aos pequeninos.

Odair chorou muitas vezes diante das situações de abandono, exploração e exclusão em que se encontravam pessoas e comunidades que assumiu e amou como seu próximo. Percebendo que o sofrimento das pessoas tinha sua causa nas injustiças, nas estruturas de pecado da sociedade brasileira e do mundo capitalista, teve fome e sede de justiça. Seu modo de vida, sempre alegre e cheio de esperança, nunca deixando que o diabetes o levasse ao medo de enfrentar o que a vida lhe apresentava, fez dele uma pessoa mansa, pura de coração e misericordiosa. Diante da violência que sempre atinge mais duramente os empobrecidos, e especialmente os negros, os jovens e as mulheres, Odair foi um promotor da paz verdadeira. No percurso de sua vida, foi perseguido e foi sempre solidário com as irmãs e irmãos perseguidos por causa da justiça. Tudo somado, Odair foi um discípulo fiel do Mestre Jesus, não se abalando com as incompreensões, injúrias e perseguições.

É por isso tudo que ele já está vivendo a grande alegria dos acolhidos pelo Pai. E tornou-se um dos fortes protetores de todas as pessoas que assumem o mandato de Jesus: amem-se uns aos outros como eu amei a vocês.

Um franciscano

Desde cedo, Odair foi atraído pelo exemplo de São Francisco de Assis, e foi um franciscano autêntico em toda sua vida.

Nasceu em Ipameri, Goiás, no dia 22 de junho de 1945, mas sua família mudou-se para Anápolis, Goiás, quando tinha apenas dois anos. A partir daí, conviveu com franciscanos e franciscanas. Estudou no Colégio Santo Antônio e no seminário Regina Minorum, na mesma cidade. Completados os estudos de filosofia e teologia, tornou-se frei franciscano em 1972. Atuou nas paróquias de Pires do Rio e Jataí, seguindo depois para Anápolis, onde assumiu, em 1975, a direção do Colégio São Francisco até 1982.

Decidiu deixar a congregação franciscana, casando com Dádiva Firmino e mudando sua residência para Brasília em 1984. Manteve-se como educador no Colégio Santo Antônio, mas já no início de janeiro deste ano ingressou na Cáritas Brasileira, como Assessor Técnico. E a Cáritas foi sua casa, seu engajamento, sua paixão pelo resto da vida, uma vez que, nela, foi subsecretário, secretário nacional e duas vezes vice-presidente, encerrando o segundo mandato apenas em dezembro de 2007.

O que mais caracterizou São Francisco foi seu amor incondicional pelos pobres e pela natureza. Odair foi franciscano de modo especial pelo amor aos pobres. Não fez da Cáritas um emprego, mesmo tendo vivido a partir do trabalho nela durante muitos anos. A Cáritas lhe possibilitou viver sua paixão pela libertação integral das pessoas, tendo nos excluídos e excluídas os protagonistas principais. Isto é, possibilitou-lhe viver o ideal de São Francisco de forma atualizada.

Foi essa paixão também que o manteve firme e o fez sujeito ativo em todo o processo de redefinição da missão da Cáritas. Foi em parte desse período, entre 1993 e 1999, que tive o privilégio da trabalhar com ele na equipe nacional. É a década das Semanas Sociais Brasileiras, do nascimento do Grito dos Excluídos, da renovação da Campanha da Fraternidade; é o tempo do lançamento da Campanha pela Convivência com o Semi-Árido e da Articulação do Semi-Árido, com seu Projeto de 1 Milhão de Cisternas caseiras; é o tempo do Seminário Internacional e o do Tribunal sobre a Dívida Externa, que deu início ao trabalho da Rede Jubileu Sul, responsável, no Brasil, pelos Plebiscitos populares sobre a Dívida, em 2000, e sobre a ALÇA, em 2002; é o tempo das avaliações dos Pequenos Projetos Comunitários e da consolidação da Economia Popular Solidária... A Cáritas foi se firmando como uma das forças essenciais de todos esses processos, e o Odair, um dos seus principais animadores.

Um educador aprendente

Sua vida adulta foi toda dedicada à educação. Seus últimos anos foram dedicados, ao mesmo tempo, à direção da Cáritas e à Universidade Estadual de Goiás, onde foi Vice-Reitor Acadêmico e Secretário Geral. Dedicou-se com entusiasmo à formação de professores/as em todo o interior de Goiás e envolveu os educadores em processos de alfabetização. Sentia-se feliz colaborando para consolidar espaços de formação universitária que criavam oportunidades para pessoas que não teriam como deslocar-se à capital. E fazia o possível para que professores e alunos se ligassem com a realidade social, política, econômica e cultural das localidades, comprometendo-se com o enfrentamento das causas dos problemas que provocam o empobrecimento e a exclusão de tantas pessoas.

Foi sempre, mesmo na universidade, um educador aprendente, como deve ser todo discípulo de Jesus, de São Francisco e de Paulo Freire. Estava sempre aberto ao novo, às possibilidades de ação libertadora presentes nas contradições históricas. E com a qualidade já destacada acima: o espírito jovial, alegre, esperançoso, capaz de relativizar as dificuldades, capaz, por isso, de ajudar a abrir novas veredas.

Vai fazer falta, o Odair. Resta-nos confiar que sua proteção nos ajudará a ser melhores educadores populares, sempre aprendentes, seguindo os seus e os nossos mestres e inspirados pelo exemplo de sua vida.


Leia mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Ivo Poletto. Acesse o material em nossa página eletrônica WWW.unisinos.br/ihu
 
Entrevistas:

* Amazônia e seu povo. Propostas e práticas de convivência com este bioma. Notícias do Dia, de 01-03-2007, site WWW.unisinos.br/ihu

* As contradições da transposição do Rio São Francisco e a palavra forte e profética de D. Cappio. Notícias do Dia, de 22-01-2008, site WWW.unisinos.br/ihu

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição