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André Dick
Nascido em 1960, em Belo Horizonte (MG), o poeta Ricardo Aleixo vem se destacando no cenário da poesia desde sua estréia, com Festim. Logo em seguida, em seu livro Orikis, incluído em A roda do mundo (2. ed. Belo Horizonte: Segrac, 2004), publicado em parceria com Edimilson de Almeida Pereira, os poemas de Aleixo trazem figuras de religião africana. Em “Oxum”, por exemplo, escreve: “Oxum é / velha / como a água, / velha / como a brisa. / Ela é a dona / do bronze”. Ou em “Oxumaré”: “Orixá que desenha / no céu curvo / o fimcomeço / de tudo. / Linha infinita / do segredo. / Claros silvos, / silêncio / de sete cores. / Olho preto. / Ele se eleva da terra / e a contorna. / Pai, mãe, / que eu não parta / sem dar / sete voltas / ao mundo”.
Em Trívio (Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2001), influenciado pela poesia concreta, Aleixo realizou poemas visuais de relevo, nunca diluindo os experimentos de Augusto de Campos e Décio Pignatari, mas, sim, mostrando novas direções para o aproveitamento da palavra na página, em sua forma e presença, a exemplo de “Canção noturna do fim de Peixes”, “Passagem”, “Nota” e “Poética”. Mostrando um verso sonoro, Aleixo procura concretizar o sonho do grupo Noigandres do concretismo também por mesclar o trabalho literário à música, unindo som, imagem e verbo. Nos poemas desse livro, ao mesmo tempo em que apresenta referências de cultura pop, de cinema, música e literatura, Aleixo mantém o caminho em que sai com perícia: dos poemas elípticos, que mantêm uma estrutura de que é possível captar um discurso sensível. O seu olhar, experimentado por leituras, revela sempre uma síntese de conflitos modernos. Vejamos, por exemplo, quando ele procura especificar a violência que há contra o negro ainda na sociedade moderna, num belo poema visual (cujo espaçamento e organização na página não podem ser reproduzidos aqui), intitulado “Rondó da ronda noturna”: “quanto + / pobre + / negro / quanto + / negro + / alvo /quanto + / alvo + / morto / quanto + / morto + / um”. O “+” acaba simbolizando a cruz da morte e percebe-se que Aleixo utiliza a palavra “alvo” em dois sentidos: de o negro ser um “alvo” e de ele só ser visto como o “branco” (“alvo”) quando morre, mesmo assim sendo apenas “+ um”. Aleixo costuma deixar implícita sua crítica social, reconhecendo, antes de tudo, a importância da linguagem para expressar melhor suas idéias. Ou seja, parece sempre haver um conflito iminente em suas composições, mas que, ao mesmo tempo, procuram, por meio da inteligência, um outro lugar, que melhor reconsidere certas reflexões.
Em Máquina zero (Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2004), Aleixo trabalha mais poemas longos, como “Belorizonte” e “Como realmente é”, na qual sintetiza o desespero do terrorismo moderno, com versos parecidos com uma notícia de jornal: “Os que vão morrer contam / o tempo que falta / / para a morte do terrorista / (melhor começarmos / / por subtrair-lhe o nome). / Segunda, onze de junho, / / 6:26 AM, horário brasileiro. Todos morreremos / / um pouco com Timothy McVeigh, / que, faz seis anos, em / / Oklahoma City, matou 168 pessoas / e feriu outras tantas, num atentado / / a bomba, quando a perna direita dele, / daqui a alguns instantes, / / receber a picada da serpe letal”. Por sua vez, em “Exercício de lira maldizente”, contesta estereótipos literários e quem aponta na obra alheia elementos de outras: “Se praticais sonetos – anacrônico. / Se pretendeis chocar – não paga o custo. / Se recriais Homero – macarrônico. / Se experimentais – cópia do Augusto”.
Nesses poemas que ele envia à IHU On-Line, ele faz homenagens a duas figuras femininas de destaque. Em “As metades do corpo”, relembra a poeta norte-americana Marianne Moore, que fez muitos poemas sobre animais (um dos temas do poema de Aleixo). Em “Elsie sings the”, relembra da cantora, nascida no Brasil, Elsie Houston, que foi casada com o poeta surrealista Benjamin Péret, e amiga dos modernistas da Semana de 22, além de ter feito algum sucesso em Nova Iorque, cantando temas da tradição afrobrasileira. Aleixo, nesses poemas, como em toda a sua produção, lida com um verso elíptico, ágil, que se desenrola na página de forma efetivamente acessível ao leitor.
As metades do corpo
Marianne
Moore
apreciava animais
e atletas
em igual
escala. Motivo: o
“estilo”
das duas
espécies citadas
“é, prova
-velmente,
desleixado”; uns e
outros, dis
-se Miss
Moore numa entre
-vista,
alcançam a
“exatidão” devido
à prática
que “as
metades do corpo”,
neles (nos
animais
e nos atletas que
possuem
um estilo),
adquiriram
“para se
contra
-balançarem”.
Elsie sings the
Elsie morre no fim
: pílulas para dormir.
Mas a voz dela
miraculosamente
escapa
(se desenovela)
do corpo
sem vida dela
e se evola
(e se reenovela)
na forma
de um som
de cor
tão clarescura
e rara
(como a do uirapuru
no fundo da floresta
cantando só
para ninguém ouvir)
que escutá-la agora
é quase vê-la:
é habitá-la.