Edição 264 | 30 Junho 2008

Perfil Popular - Miguel Nunes e Silva

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Bruna Quadros

Ele bem que poderia ter optado por ficar em casa, depois de anos de trabalho. Mas Miguel Nunes e Silva, o Perfil Popular desta semana, parece esquecer que tem 68 anos de idade. Coordena, e com muita dedicação, a Associação dos Artesãos da Feitoria, criada em 2005. Em visita à redação da revista IHU On-Line, ele contou o que impulsionou este trabalho. “Queríamos mudar a imagem da Feitoria, até então, reduto dos marginais. Queríamos fazer uma Feitoria-arte.” Sobre a política do país, Miguel afirmou estar contente com o trabalho que está sendo desenvolvido, mas ainda espera mais do presidente Lula. A seguir, conheça um pouco mais da história de Miguel:

Nascido em Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul, Miguel Nunes e Silva é de uma família de agricultores. Primogênito, entre sete irmãos, ele relembra dos valores que seus pais lhe passaram e da infância, marcada pela simplicidade e dignidade. “Não tivemos uma infância como se vê nos dias de hoje. Tivemos muitas dificuldades, mas era uma infância boa. Meu pai e minha mãe eram pessoas bem formadas, não com instruções, mas com o sentimento de criar os filhos para o bem.”

Seu pai faleceu no dia em que sua irmã mais nova estava completando um ano de vida. A partir deste momento, sua mãe passou a tomar conta dos filhos sozinha. “Quando eu estava com dez anos, ela veio para Porto Alegre. Em Alegrete, ela não via perspectivas de vida, porque a cidade ainda não estava em desenvolvimento.” Miguel conta que, além de não haver condições de trabalho, sua mãe temia que os filhos caíssem na marginalidade. “Diante da necessidade da mudança e com sete filhos, minha mãe ficou com os menores e colocou os outros em colégios para poder dar continuidade à vida. Eu fui estudar em um colégio interno em Santa Maria.” Lá, Miguel ficou durante quatro anos, retornando a Porto Alegre para dar continuidade aos estudos, que foram prioridade. “Só não continuei por falta de dinheiro. Mas cheguei a me preparar para prestar vestibular para o curso de Direito, na PUCRS.”

Outra tentativa de ingressar no ensino superior foi aos 32 anos de idade, em Minas Gerais, quando trabalhou em uma gráfica. “Prestei vestibular para o curso de Medicina e tive a felicidade de passar.” Mas a vivência longe do seu estado-natal durou pouco. Miguel, que se mudou para outro estado por causa de um namoro, acabou retornando ao Rio Grande do Sul pela saudade do convívio familiar. “O gaúcho é muito apegado a sua terra. É um cordão umbilical que a gente não consegue cortar com o Estado. Com isso, vim embora.” Foi pelo mesmo motivo que Miguel não se adaptou à vida em São Paulo, onde passou um ano trabalhando em uma operadora de turismo. Na sua trajetória profissional, Miguel também trabalhou com vendas e no escritório da Associação dos Funcionários do DAER. “Mas o dinheiro era pouco e comecei a procurar outros meios de vida. No retorno de Minas Gerais, comecei a trabalhar como autônomo, na venda de calçados. E foi nesta profissão que me aposentei.”

Artesanato

Casado com Elza há 23 anos, foi através da profissão da esposa que Miguel viu uma alternativa para não parar no tempo, depois da aposentadoria: o trabalho com artesanato. “Minha esposa tem salão de beleza, e muitas clientes que faziam artesanato vendiam o que era produzido entre amigos. A partir disso, tivemos a idéia de fazer um brique, na Avenida Integração, em São Leopoldo.” Em abril de 2004, foi realizada a primeira exposição de trabalhos artesanais. Desde então, a atividade passou a ser levada a sério. “Queríamos mudar a imagem da Feitoria, até então, reduto dos marginais. Queríamos fazer uma Feitoria-arte.” Miguel afirma que algumas pessoas desistiram, porque a venda do artesanato não é constante. Foi em 2005 que nasceu a Associação dos Artesãos da Feitoria. “Hoje, o grupo está em pleno sucesso. A Associação já abrigou, entre ativos e inativos, quase 400 pessoas. Mas muitas delas encontraram emprego, no meio do caminho. Hoje, há 38 pessoas que produzem artesanatos variados, produtos alimentícios, reciclagem, tecelagem.”

Na Associação, Miguel não cuida apenas da parte administrativa. Ele também coloca a mão na massa. “Trabalho com a parte da alimentação, produzindo doces em compotas e salgadinhos para festas.” Para ele, que já tem experiência no trabalho e na vida, este trabalho representa um pouco da contribuição que ele pode dar. “Não é uma vaidade falar isso, mas é a experiência que tenho de aglutinar as pessoas, expor as idéias e querer construir alguma coisa que venha a se efetivar, em São Leopoldo.” Segundo ele, embora haja as feiras populares, São Leopoldo ainda não tem um espaço que seja definitivo para o artesanato. “Não sei como seria a minha vida sem este trabalho, que é muito significativo, diante do que eu posso realizar, não para mim, mas para os artesãos do grupo.”

Aos 68 anos de idade, Miguel ainda não pensa em parar de trabalhar. Mais do que isso: ele sonha em ver os seus esforços dando resultados cada vez mais positivos. “Já tenho a minha casa, minha esposa ainda trabalha. Temos uma vida boa, que não nos falta nada. Acho que nada melhor do que dar um pouco do que já recebemos.” Nos momentos de folga, que não são muitos, devido ao trabalho na Associação, há duas coisas das quais Miguel não abre mão: “mexer na terra e ler.” Além disso, uma tradição do estado não pode faltar. “Também gosto de sentar com os amigos e a minha esposa para tomar chimarrão.”

Religiosidade e política

“Sou um pouco eclético. Comecei com o ensino religioso católico, no colégio de Santa Maria. Uma escola agrícola, fundamentalmente dirigida por padres. Quando a gente é criança, não tem uma idéia formada de Deus. É como se fosse olhar para uma estrela.” Assim, Miguel descreve a sua religiosidade. Com o tempo, ele foi conhecendo outras filosofias e se interessando pelas coisas boas que estas podem proporcionar. “Aos poucos, fui abandonando o catolicismo, mas não esquecendo o fundamental: que Deus é o criador.” Miguel, que não costuma freqüentar missas ou encontros religiosos, afirma que sua religiosidade é interior. “Apenas eu e o criador. Continuo fazendo estudos da obra de Allan Kardec, a qual parece ter consolidado tudo o que eu já trazia de conhecimentos do catolicismo e eliminando algumas coisas que me pareciam fantasiosas.” Para ele, o ser humano, fundamentalmente, é religioso, mesmo que diga que não acredita em nada. Além da fé, é com esperança que Miguel acredita em um Brasil melhor. “Estou contente com o que vem sendo desenvolvido, mas ainda espero muito mais do presidente Lula, de algumas políticas que não estão concretizadas.”

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