Edição 263 | 24 Junho 2008

Invenção - Daniela Osvald Ramos

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André Dick

Editoria de Poesia

Daniela Osvald Ramos nasceu em Alegrete (RS), em 1973. Formada em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é professora de Novas Tecnologias da Comunicação na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. Tem mestrado em Comunicação e Cultura, e cursa o doutorado em Interfaces Sociais da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Também trabalha como jornalista free-lancer, pesquisa linguagens digitais e escreve poesia no blog Caderno V (http://www.cadernocinco.blogger.com.br) desde 2003. Publicou na revista Inimigo Rumor, em edições do jornal de poesia O Casulo, na Zunái (http://www.revistazunai.com.br/) e na plaquete 8 femmes, além de traduzir o belga Henri Michaux.

O trabalho de Daniela se move na direção do contemporâneo. Ou seja, seus poemas tratam das relações atuais, enfocando o distanciamento existente entre pessoas e lugares, mesmo com a globalização. Não por acaso, eles seguidamente lidam com a velocidade da era moderna, com uma linguagem voltada às tecnologias. Este conhecimento traz um vocabulário um tanto inusitado para um campo que se percebe como poético. Mas Daniela não está interessada apenas em diluir fronteiras: ela traz, para o papel em branco, uma espécie de resíduo de imaginação que se possa entender como poético, como escreve no poema “Se debruçando”: “Debruçou-se sobre o papel / branco / / com finos traços de / preto / / era um desenho / / imaginário. Não existe /ainda”.

Equilibra também seus poemas delimitados mais claramente em versos com narrativas poéticas. Nesse sentido, ela também torna seus poemas em quase-enigmas, com citações implícitas a filmes. Na narrativa poética “Depois de ver quatro curtas”, que Daniela enviou especialmente à IHU On-Line, ela revela um diálogo com o cinema onírico de David Lynch, diretor de filmes como Veludo azul e criador da série Twin peaks. O texto em questão remete a dois de seus filmes, que mais apelam para a questão dos sonhos: Cidade dos sonhos (que mostra duas mulheres abaladas pelo universo de Hollywood) e O império dos sonhos (que traz a atriz citada no texto de Daniela, Laura Dern). Do mesmo modo que os filmes de Lynch, há uma espécie de traço fantasioso e perturbador nas peças de Daniela.

Ao mesmo tempo, há um trabalho de ironia bastante presente no tom adotado dessa reflexão poética por meio de imagens cinematográficas, e Daniela seleciona um arsenal de cultura pop, com referências a músicas, desenhos animados, novelas, livros, lan houses. Em seus poemas ou narrativas poéticas, ela também mescla diálogos às reflexões. Os personagens costumam estar sempre de partida, como se fossem arquivos que não combinassem. Assim, escreve, entre a prosa e a poesia: “De tempos em tempos é necessário esvaziar o cache para aliviar os arquivos temporários e permanentes, assim pode-se ter mais espaço para memórias recentes. Por outro lado é preciso: / registrar / / para não esquecer. / / apagar para lembrar / apagar para esquecer, esquecer para apagar”. Ou em outro poema: “Eu deveria inventar algo / não reciclar / DNAs / de máquinas antigas / irmãos / / o que também é bom / relembrar / guardar na memória / rígida e temporária”.

A poesia de Daniela acaba tratando, por outro lado, de um tema bastante recorrente na poesia, a solidão. Seus poemas, muitas vezes, lembram bilhetes, pequenos recados circunstanciais, mas que pedem sempre a presença de um outro que parece não estar presente: “e se eu escrever uma outra coisa, de um tempo qualquer? talvez de uma história ouvida no seriado da televisão, personagens, cidade. tudo terminava com uma pergunta instigante. logo depois se passava à investigação e constatação dos fatos, e assim a história terminava com uma quase conclusão: ‘neste caso, foi desse modo que aconteceu. e poderia acontecer de outro modo’? em alguns casos sim, em outros não. isso depende muito da história”.

Ou seja, parece que, apesar desse universo de escolhas e movimentos, entre viagens, o indivíduo procura o auxílio da página em branco, como em “Resolvendo”:   “Se a felicidade se chama ‘meios de transporte’ / a mão cheirando a chocolate / entre espaços de embate, / então a mesinha ainda aberta / a lua ainda na janela / a descida em descoberto / luzes nas asas, / atravessando nuvens”. Daniela enviou, especialmente à IHU On-Line, alguns poemas inéditos.

 

Em um campo de estrelas, poemas de presença

Não mais poemas de ausência. Presente no ato.
Vantagens impermanentes? Arrisca –, vida. Vive. Como tudo -,


24/04/08

Finalmente em um quarto estreito, sozinha, em uma grande cidade estrangeira.

Finalmente sozinha, em um quarto amplo, em uma pequena cidade estrangeira. O presente ganha um peso. O passado está atrás. Vive (sempre com distrações), mas agora está mais presente do que todos os tempos.

Agora sabe de algo, quando antes não via nada. Vislumbra por quê sim e por quê não, quando sim e quando não. Não pode esquecer nunca de sua condição, sabe que não. Sabe que sim. Diz sim. Quer. Deseja. Se surpreende, alcança a sensação que perseguia, mesmo sabendo que não a teria com todas as oportunidades que se apresentavam. A intensidade, a entrega. Vive o presente.

*

Agora tem oportunidade para praticar o que leu nos livros. A solidão, a dúvida e a incerteza ainda habitam (como não, esta é a “condição”), mas agora dormem no quarto de hóspedes. Raramente acordam. Prefere cultivar o presente, que tem peso, está aqui. Tenta achar um equilíbrio entre a paixão e a necessidade de ter consciência da impermanência. Será possível? Está entregue, não há dúvidas. Cultiva sempre a paciência e a generosidade. Não pensa em nada além do presente, mas a mente vaga algumas vezes, como é de se esperar, como é a natureza. “Assim consigo seguir adiante”, pensa, sem o medo de antes.  Tout le plaisirs avec toi.

 

Depois de ver quatro curtas

Imagens que não têm lugar, aparentemente sem sentido. Com os mesmos protagonistas. Em diversos lugares e situações diferentes. O sentido subjaz e aparece sem que o consigamos pensá-lo exatamente. O sentido é sentido. Não está explicíto. Sensações que mudam com as cenas. Acompanhando os mesmos protagonistas em diferentes histórias e imagens tem a impressão de acompanhar a si mesma. Precisa ver o outro para se ver?

+

Cheguei 4h30 de uma viagem - Rio - SP, a princípio não dormi. Depois das 2h consegui dormir e acordei com uma luz na cara no Terminal Rodoviário Tietê. Depois fui para casa. Deitei na cama. Sensação estranha. Era minha cama, mas não conseguia dormir. Demorei, pelas contas, talvez duas horas. Tive sonhos horríveis. Antes, tentava acordar e não conseguia, gritava, alguém tentava entrar na minha casa.  Depois, uma mulher e uma filha moravam na minha casa. Uma criança, menina, tinha sido enterrada na piscina. Os azulejos tinham sido removidos e isso era prova de que a criança tinha sido enterrada ali. Era horrível, eu tinha medo de estar ou de morar aqui/ali, e era verdade. Depois, pessoas: platéia. David Lynch: eu a olhava tropeçar no mesmo tronco de árvore: duas cenas diferentes com duas mulheres loiras diferente. Laura Dern era uma delas: eu olhava as cenas, eu precisava ver as cenas de qualquer modo, de vários ângulos diferentes. Foi a noite mais difícil que tive nesta casa, neste apartamento. De alguma forma era eu, mas não conseguia ver.

18/01/08

Imagens

Emprestei as imagens do filme para o sonho. A mesma cena era vista duas vezes com duas mulheres diferentes.

 

Em uma viagem de trem no século XXI

Estações abandonadas de sentido, trem.
Ritmo antigo.
Sonolência extrema, entregue.
Sentir os sentidos.
Estação Ourense de São Francisco. Estações abandonadas nos povoados.

O exercício de afastamento interno tinha funcionado, aparentemente.
Não consegue se surpreender com quase nada (exceto com o prazer intenso que há muito não sentia). Qualquer lugar é um lugar para se estar, não há diferenças fundamentais, essenciais. O lugar não importava (importava o tempo e o sentido).

 

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